Jorge Videla governou a Argentina no período mais sangrento da ditadura militar, de 1976 a 1983 |
Apesar de, em sua época, ele ter sido incensado por alguns defensores da Guerra Fria como salvador da pátria argentina, os crimes de Videla não estão mais em questão, e muitos argentinos mais jovens, que nunca viveram sob seu domínio assassino, o consideram um símbolo do mal. O debate que persiste busca elucidar se ele, de fato, travou uma "guerra suja", que envolveu dois lados, ou se, como muitos historiadores profissionais concordam, ele simplesmente promoveu o terrorismo patrocinado pelo estado.
Durante o governo da junta, até mesmo uma criança de cinco anos de idade sabia o nome de Videla. Esse era o meu caso: até onde consigo me lembrar, eu nunca ouvi discussões sobre política na minha casa, um lar judeu da classe média argentina. Mas eu sabia quem era Videla.
Videla foi uma figura espectral com sua voz grave, olhar severo e bigode. Posteriormente, meus pais me disseram que eles consideravam perigoso demais discutir a junta na presença de uma criança. Eles conheciam muitas pessoas que tinham desaparecido.
Como muitos outros argentinos, eu ainda tento aceitar os crimes contra a humanidade cometidos durante o governo de Videla – os desaparecimentos, os campos de concentração, os cidadãos torturados, drogados e, depois, jogados no Oceano Atlântico a partir de aviões militares. As estimativas oficiais atestam que a ditadura argentina assassinou de 10 mil a 15 mil pessoas.
Houve também o roubo de bebês nascidos de mães detidas ilegalmente. Uma das razões pelas quais eu me tornei historiador está relacionada à minha vontade de tentar entender como a chamada guerra suja poderia ter se tornado realidade em uma nação moderna, com uma sociedade civil forte e progressista.
Hoje a Argentina, mais uma vez, tem uma sociedade civil forte, uma democracia eleitoral e uma cultura política dinâmica, sem lugar para os militares na política. O país avançou para além dos esforços de Videla em promover uma "reconciliação". A partir das reações à sua morte, ficou claro que na Argentina quase ninguém compra a ideia de Videla, segundo a qual os militares eram os salvadores da pátria.
Mas uma recente mudança na percepção do legado de Videla coloca novos desafios aos esforços da Argentina para tentar compreender seu passado violento. O atual governo peronista da presidente Cristina Fernández de Kirchner acusa regularmente – e, na maioria dos casos, de forma inverossímil – seus adversários de terem se associado à ditadura, ou, caso eles sejam jovens demais, de desejar o seu retorno.
A ditadura tornou-se, dessa forma, o insulto político definitivo, uma forma populista de polarização política. Igualmente problemáticos do ponto de vista histórico são os esforços do governo Kirchner em apresentar as vítimas como heróis.
Na realidade, isso marca uma mudança na percepção legal criada pela junta, que dividiu as pessoas em perpetradores e vítimas, para uma percepção moral, de uma "guerra" travada entre heróis e vilões. É exatamente dessa forma que Videla queria ser lembrado – como um guerreiro em uma disputa política violenta.
A presidente Cristina Kirchner e seu marido e antecessor, Néstor Kirchner, se veem do outro lado dessa guerra, na posição de guerreiros contra o mal absoluto, embora nenhum dos dois tenha tido nenhum papel visível na resistência à ditadura. Dessa forma, a história como melodrama populista apresenta as vítimas do passado como se fossem "pré-defensoras" da política atual.
Tais esforços para enfatizar as identidades políticas das vítimas como a principal razão de sua vitimização colocam, de forma retroativa, os crimes do estado na esfera política. No entanto, esses crimes não tinham a ver com política – a "guerra suja" constituiu terrorismo patrocinado pelo estado, e não uma luta entre diferentes visões políticas. As ações de Videla pertencem à história das genealogias fascistas da Argentina, para a qual ele escreveu o último capítulo.
Federico Finchelstein é professor adjunto de história e diretor do Programa Janey de Estudos Latino-Americanos na New School for Social Research e Eugene Lang College, em Nova York. Ele é autor de "The Ideological Origins of the Dirty War" ("As Origens Ideológicas da Guerra Suja"), que será lançado em breve.
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