segunda-feira, 20 de maio de 2013
Crescimento econômico traz orgulho, e não ranço, à esquerda da Bolívia
Virando uma esquina nesta cidade movimentada, de crescimento rápido e desordenado, de repente surge a casa da família Ovando, uma miragem de cores festivas flutuando acima da monótona metrópole de tijolos vermelhos, como um farol de um futuro alternativo nos Andes.
"Nós não queríamos que fosse apenas mais uma casa de tijolos", disse Karen Ovando, 26, advogada do governo, de pé sobre o terraço da cobertura em amarelo brilhante, laranja e vermelho de seus pais, seis andares acima da rua. "Todas as casas parecem caixas de fósforos aqui, tudo a mesma coisa. Queríamos mostrar algo sobre nós mesmos, algo sobre a nossa família."
Mas a casa dos Ovando e outras como ela – popularmente chamadas de chalés por causa de seu tamanho e extravagância – também têm muito a dizer sobre a energia desenfreada, as aspirações e as contradições políticas desta cidade agitada e frenética e seu lugar na Bolívia em transformação.
Destacando-se de forma desarmônica acima de residências mais pobres, essas versões andinas urbanas das mansões suburbanas norte-americanas refletem o crescimento econômico que a Bolívia conseguiu atingir nos últimos anos – e como ele costuma ser mal distribuído. Em vez de incitar um ressentimento generalizado neste reduto de políticos rebeldes, essas exibições de riqueza costumam ser abraçadas pelos moradores de El Alto, numa situação que ilustra a mistura incomum de revoltas esquerdistas e ambições capitalistas.
"El Alto é ao mesmo tempo a cidade mais revolucionária, talvez de toda a América Latina, e a cidade mais neoliberal, a cidade mais individualista de toda a América Latina", disse Benjamin H. Kohl, um professor associado de estudos urbanos na Universidade Temple.
El Alto fica a cerca de 4 mil metros de altitude no altiplano árido. Logo abaixo, a capital da Bolívia, La Paz, se derrama pelas encostas de um vale íngreme, com os picos imponentes e cobertos de neve da Cordilheira dos Andes como pano de fundo.
La Paz há muito tem uma clara divisão geográfica por status social. Os moradores mais ricos vivem no fundo do vale, e os mais pobres vivem mais acima. No topo de tudo está El Alto, cujo nome significa "as alturas". O lugar, que por anos foi uma favela adjacente a La Paz, tornou-se uma cidade independente em 1988.
Geografia explica
A localização de El Alto também é a fonte de seu poder. O aeroporto fica lá, e as principais rodovias que ligam La Paz ao resto do país passam por El Alto. Em tempos de agitação, El Alto pode sitiar a capital. O modelo foi criado por Tupac Katari, um líder indígena Aymara que liderou uma rebelião no final do século 18 contra os colonialistas espanhóis, usando a posição de El Alto para cortar o acesso a La Paz.
Séculos mais tarde, em 2003, uma estratégia semelhante foi usada pelos moradores modernos de El Alto, que se levantaram contra uma proposta do governo de exportar gás natural para os Estados Unidos através de um porto no vizinho Chile, um inimigo tradicional da Bolívia.
Dezenas de pessoas morreram nos protestos e o presidente Gonzalo Sanchez de Lozada foi forçado a fugir do país.
Os moradores de El Alto então se tornaram uma fonte essencial de apoio para o presidente esquerdista Evo Morales, apoiando-o esmagadoramente quando ele foi eleito em 2005 e novamente em 2009. Mas até mesmo Morales descobriu que não era imune à ira de El Alto.
Quando o governo propôs mudanças nos subsídios no final de 2010, que levariam a um forte aumento no preço da gasolina, os moradores de El Alto bloquearam novamente a capital e obrigaram Morales a recuar.
Ainda assim, apesar de todo o espírito rebelde, El Alto está longe de ser um típico reduto da esquerda. É um lugar de lojas, fábricas pequenas, comércio internacional e contrabando.
"Muitas pessoas descrevem como uma cidade revolucionária, mas ela é a capital do capitalismo", disse Mario Duran, ativista que trabalha para melhorar o acesso à internet.
Lar para cerca de 220 mil habitantes em 1985, a população da cidade inflou à medida que os agricultores pobres e mineiros desempregados emigraram em massa do campo. Ela é agora maior do que La Paz, com uma população estimada em mais de 1 milhão de habitantes. A população é majoritariamente aymara, um dos principais grupos indígenas do país, e os imigrantes trouxeram consigo uma forte ética de trabalho e um entusiasmo ao estilo laissez-faire para os negócios.
A característica mais proeminente de El Alto é seu vasto mercado ao ar livre, que ocupa vários quilômetro de ruas da cidade todos os domingos e quintas-feiras. Lá, milhares de vendedores oferecem uma enorme variedade de produtos: pilhas de camisetas usadas e outras roupas que chegam em fardos dos EUA, carros, novos ou usados (e às vezes roubados); braços, pernas e cabeças bem organizados de bonecas Barbie; guitarras elétricas; filhotes de lhama mumificados; picaretas e uma miríade de outros itens. A cada semana, milhões de dólares passam pelo vasto mercado, que opera praticamente sem nenhuma intervenção do governo, tributos ou regulações.
Hong Kong latina
Os moradores descrevem El Alto como uma cidade que não para, financiada pelos sonhos dos imigrantes por uma vida melhor. Além do mercado, há milhares de pequenas empresas, incluindo importadoras, fábricas e lojas de vestuário que imitam roupas de marca. A cidade parece estar num estado constante de construção, alimentado pelo comércio e, segundo os moradores, pelo dinheiro do tráfico de drogas da Bolívia. E há escolas de línguas que dão cursos em chinês para os empresários de El Alto.
"El Alto pode ser uma Hong Kong no meio do altiplano", disse Duran. "Ou pode ser uma favela. Este é o momento exato em que é preciso estabelecer as bases para o desenvolvimento da cidade."
Um outro aspecto fundamental de El Alto é seu caráter indígena. A Bolívia é em sua maior parte um país indígena, mas El Alto é especial, dizem os acadêmicos, por causa da forma que se desenvolveu. Ela não tem um centro colonial velho com uma praça, igreja e prédios do governo, uma diferença significativa num país que ainda luta com o legado da colonização.
"É a primeira cidade indígena desde o período colonial", disse Felix Muruchi, professor de cultura pré-colombiana na Universidade Pública de El Alto. "Ela não foi feita por um espanhol, não foi feita por um crioulo, descendente dos espanhóis. Foram os próprios indígenas, os aymaras, que a fizeram."
Agora os prédios de cores vibrantes de El Alto com suas coberturas de luxo se tornaram um símbolo desta cidade vibrante e dinâmica, representando um estilo arquitetônico local com uma desvairada colcha de retalhos de materiais e motivos decorativos, incluindo alguns copiados das ruínas pré-colombianas.
Alguns têm diamantes gigantes em baixo relevo na fachada de estuque, ou leões de gesso e condores sobre o corrimão da varanda das coberturas. Alguns parecem castelos, outros têm faixas diagonais de vidro espelhado ou colorido. A maioria dos prédios têm lojas ou restaurantes no térreo e normalmente um grande salão de festas no segundo e terceiro andar, para casamentos ou festas. No topo, fica o chalé muitas vezes com telhado de duas águas e chaminé de vários níveis.
Mas acima de tudo eles são oásis de cores: verdes, azuis, amarelos, vermelhos eletrizantes. Os demais edifícios da cidade são feitos de tijolos e concreto e poucos são pintados, criando uma paisagem urbana acinzentada, exacerbada pela poeira que sopra através do altiplano. A pintura é cara e os bolivianos são pobres. E os moradores acreditam que seus impostos territoriais vão subir mais se suas casas forem acabadas e pintadas. As autoridades do governo dizem que isso não é mais verdade, mas a crença, e a falta de pintura, persistem.
Nesse contexto, não há nenhum sinal de riqueza mais certeiro do que uma casa pintada, e quanto mais brilhante a pintura, melhor.
"Nós viemos do nada", diz Ovando, lembrando que sua família morava num único quarto atrás do restaurante de seus pais. A família agora tem dois restaurantes, uma fazenda de gado e outros negócios. Agora, ela diz que pode dirigir em torno de El Alto e ver cópias da casa de sua família aparecendo por toda parte.
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