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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Água radioativa ameaça o Oriente Médio

Lago Umm-al-Maa, Líbia

Verdadeiros mestres da gestão de água viviam no deserto do que atualmente é a Jordânia. Os nabateus precisaram de apenas poucas décadas para esculpir a cidade de Petra nos penhascos de arenito. Além de esculpirem as fachadas decorativas mundialmente famosas, eles construíram sistemas sofisticados de canos de água e cisternas, que possibilitaram a existência da cidade no deserto –há mais de 2 mil anos.

Hoje, caminhões circulam pela Jordânia para abastecer a população com água potável. A água em seus tanques frequentemente tem milhares de anos, bombeada de reservatórios subterrâneos ancestrais que foram enchidos quando a região não era tão seca. Milhões de metros cúbicos de água são bombeados desses aquíferos por dia no Oriente Médio e no Norte da África. O próximo projeto de engenharia hidráulica está atualmente em andamento na Jordânia, a um custo de US$ 1,1 bilhão. A partir de meados de 2013, cerca de 100 milhões de metros cúbicos de água por ano serão bombeados do aquífero Disi no sul do país, além dos 60 milhões de metros cúbicos por ano já bombeados atualmente do aquífero. A água então será distribuída por canos para a capital Amã, a aproximadamente 325 quilômetros de distância.

Mas especialistas em radiação alertam para um risco invisível. Testes revelaram que a água contém níveis elevados de radioatividade que ocorre naturalmente, com amostras exibindo níveis de radiação muito acima das diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS). O risco para a saúde não afeta apenas a Jordânia, mas virtualmente todos os países no Oriente Médio e Norte da África.

Radioatividade até 30 vezes acima dos padrões de segurança
Um estudo explosivo sobre o problema foi publicado em fevereiro de 2009, mas atraiu atenção apenas de profissionais até agora. Uma equipe trabalhando com o geoquímico Avner Vengosh, da Universidade Duke em Durham, Carolina do Norte, testou os níveis de radioatividade em 37 amostras do aquífero Disi. Segundo os resultados, publicados na revista “Environmental Science & Technology”, a água do aquífero, que tem cerca de 30 mil anos de idade, chega a ser 30 vezes mais radioativa do que a OMS considera segura.

A radioatividade é causada por urânio e tório naturais, que podem ocorrer em rochas sedimentares. Os produtos de seu decaimento incluem o rádio, que pode causar câncer nos ossos se entrar no corpo humano. Dois isótopos, o rádio 226 e o rádio 228, cuja meia-vida é, respectivamente, de 1.600 anos e de menos de seis anos, são especialmente perigosos.

Usando os dados de Vengosh, o Escritório Federal Alemão para Proteção contra Radiação (BfS) calculou a magnitude dos riscos à saúde. Segundo suas estimativas, uma pessoa que beber dois litros de água por dia do aquífero Disi está exposta a níveis de radiação entre 0,99 e 1,53 milisievert por ano, ou 10 a 15 vezes acima do que a OMS considera seguro. Segundo o BfS, se presumirmos que a população recebe uma dose média anual de 1 milisievert e tem uma expectativa média de vida de 70 anos, a água radioativa ingerida poderia aumentar o número normal de mortes em 4 pessoas por 1.000. Quando essa estimativa é extrapolada para os aproximadamente dois milhões de habitantes de Amã, que receberão a água do aquífero Disi no futuro, isso representa cerca de 8 mil mortes adicionais por ano. O cálculo se aplica apenas à absorção do rádio que ocorre quando a pessoa bebe a água, sem levar em consideração outras formas da radiação entrar no corpo, como quando a água é usada para irrigar campos e a radiação se torna concentrada nos alimentos.

Condições geológicas semelhantes por toda a região
A Jordânia é apenas uma pequena parte do problema. As mesmas condições geológicas que tornam a água do aquífero Disi radioativa estão presentes em grande parte do Oriente Médio e do Norte da África. “O problema provavelmente se aplica a todos os aquíferos de arenito na região”, diz Vengosh, o que significa que afeta centenas de milhões de pessoas.

Apenas 10% do aquífero Disi passa pelo território da Jordânia. O restante fica na Arábia Saudita, onde é chamado de aquífero Saq. O BRGM, o serviço geológico nacional francês, colheu amostras de 64 locais no aquífero. Segundo seu relatório de 144 páginas publicado em 2008, os níveis de radioatividade estão em geral muito acima das diretrizes da OMS. “O problema da contaminação radioativa das águas subterrâneas é complexo e provavelmente disseminado”, concluíram os geólogos franceses. “Isso precisa ser estudado o mais rápido possível, por causa de suas consequências potencialmente críticas.” Em sua pesquisa, o BRGM encontrou um fenômeno estranho: a contaminação por radionuclídeos parece ser especialmente alta em locais onde o nível da água nos aquíferos está caindo mais aceleradamente. Apesar dos motivos não serem claros, dizem os cientistas franceses, a água ameaça se tornar “inadequada tanto para consumo humano quanto para uso agrícola”.

Aquíferos subterrâneos são vitais para a região
Essa é uma conclusão preocupante, já que as águas subterrâneas são essenciais para a sobrevivência da agricultura na região. Segundo o BRGM, a quantidade de água sendo bombeada do aquífero Saq aumentou mais de quatro vezes de 1985 a 2005, de cerca de dois bilhões para mais de 8,7 bilhões de metros cúbicos por ano. A Arábia Saudita já obtém cerca de metade de sua água dos aquíferos.

Israel também bombeia água dos reservatórios para irrigar seus campos no Deserto de Neguev, e o Egito bombeia a água em oásis desde os anos 80. Mas a Líbia opera a maior operação de bombeamento de água do mundo, o “Grande Rio Artificial”. Todo dia, aproximadamente 1,6 bilhão de metros cúbicos de água são bombeados do Sistema Aquífero de Arenito Núbio, a uma taxa de mais de 18.500 litros por segundo. Quando concluído, o imenso sistema de poços, canos e reservatórios deverá transportar 6,5 milhões de metros cúbicos de água por dia do deserto para as cidades costeiras da Líbia. É uma água urgentemente necessária. Seus próprios aquíferos estão tão esgotados que estão se tornando salobros em consequência da infiltração de água do mar, um problema que também atormenta outras cidades costeiras na região.

A Arábia Saudita, ao menos, está tratando a água e removendo as partículas radioativas, diz Christoph Schüth, da Universidade Técnica de Darmstadt, no oeste da Alemanha. Mas em outros locais, especialmente nas áreas rurais do Norte da África, a situação é “problemática”. A qualidade da água subterrânea do Sistema Aquífero de Arenito Núbio, diz Schüth, presumivelmente foi “estudada de modo bastante incompleto”, e a Líbia carece de tecnologias de tratamento de água. “Em princípio”, diz Schüth e seus colegas, “isso afeta muitos aquíferos de arenito”. Eles publicaram os resultados de sua pesquisa em 2011 no “International Journal of Water Resources and Arid Environments”.

Especialistas consideram plano da Jordânia como ilusório
O Ministério da Água e Irrigação da Jordânia não considera a radiação como sendo um problema, alegando que seus testes apresentaram resultados muito menores do que os dos especialistas americanos. Os engenheiros do ministério também planejam diluir a água com outra de fontes sem radioatividade, o que eles dizem que reduzirá a exposição anual à radiação para 0,4 milisievert.

Mas mesmo essa dose, que ainda seria quatro vezes superior ao padrão da OMS, seria difícil de obter. Segundo um documento interno produzido pelo Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais da Alemanha (BGR), os jordanianos mediram os níveis de radioatividade em uma parte do aquífero Disi onde a atividade do rádio é especialmente baixa. Entretanto, grande parte da água é obtida de uma parte do aquífero onde os níveis de radiação são muito mais altos. Segundo o BGR, seria necessária a adição de pelo menos um bilhão de metros cúbicos de água não contaminada por ano para reduzir a exposição abaixo do padrão da OMS. Não se sabe de onde viria tanta água e o ministério não respondeu quando perguntado sobre o assunto. O ministério também não quis dizer se a Jordânia planeja tratar a água da mesma forma que faz a Arábia Saudita. As autoridades disseram que não podiam fornecer nenhuma informação específica no momento, porque precisam primeiro realizar mais análises e coletar mais dados.

Primeiros sinais de danos genéticos
Isso é surpreendente, diante das obrigações contratuais dos jordanianos. Um dos maiores apoiadores financeiros do projeto Disi é o Banco Europeu de Investimento (BEI), que aprovou empréstimos totalizando US$ 225 milhões em maio de 2009. Em seus contratos com o BEI, Amã prometeu testar a água de cada poço durante a fase de construção e apresentar relatórios regulares. Se a Jordânia não cumprir essa obrigação, “o BEI pode suspender o empréstimo em uma situação extrema”, alerta uma porta-voz do banco.

No início de novembro, o BEI ainda aguardava pelo relatório completo, que os jordanianos supostamente apresentariam no final de setembro. Eles já forneceram ao banco as leituras de aproximadamente metade dos poços, que, segundo o BEI, mostram que a dose média anual de radioatividade “ainda está acima do limite permitido”.

Já há sinais iniciais de possíveis consequências à saúde. Em 2010, a Universidade Rei Saud examinou 10 homens que mudavam os filtros dos poços subterrâneos. Foi encontrado no sangue deles 11 vezes mais danos cromossômicos do que nos pacientes de controle, segundo artigo publicado na revista “Radiation Protection Dosimetry”. Essas mudanças no material genético podem causar câncer e doenças nos filhos.

Ainda assim, o uso da água subterrânea poderia ser o menor de dois males. Apesar de parte da água conter níveis elevados de radiação, ela é considerada muito limpa e livre de bactérias. “O que aconteceria se as pessoas consumissem água de pior qualidade biológica em seu lugar?” pergunta Clemens Walther, do Instituto de Radioecologia e Proteção contra Radiação, da Universidade de Hanover, no norte da Alemanha. Segundo Walther, isso provocaria muito mais mortes do que as resultantes por radiação, em parte pelo número elevado de diarreias perigosas em crianças.

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