quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Extremistas retornam aos púlpitos da Tunísia
Na sexta-feira seguinte à queda do presidente da Tunísia, Mohamed al Khelif subiu ao púlpito da histórica Grande Mesquita de Kairouan para lançar um ataque frontal à cultura de corrupção no país, condenar os vínculos da Tunísia com o Ocidente e exigir que uma nova Constituição implemente a sharia, ou a lei islâmica.
"Massacraram o islã!", trovejou Khalif, que o governo deposto impediu de pregar por 20 anos. "Quem combate o islã e implementa os planos ocidentais torna-se, aos olhos dos políticos ocidentais, um líder e reformista abençoado, mesmo que tenha sido o líder mais criminoso possível."
Mesquitas em toda a Tunísia fervilharam com sermões semelhantes naquele dia de janeiro de 2011 e, na realidade, o vêm fazendo todas as sextas-feiras desde então na batalha dos púlpitos -uma disputa acirrada para definir a identidade religiosa e política da Tunísia.
A batalha pelas mesquitas da Tunísia é uma das frentes de uma luta mais ampla, na medida em que bolsões de extremismo se entranham na região. Governos islâmicos novos triunfaram sobre seus rivais seculares em eleições pós-revolucionárias. Mas esses novos governos estão travando uma disputa acirrada, em alguns casos violenta, com a ala de linha mais dura dos movimentos políticos islâmicos, em torno do limite que existe entre a fé e a democracia e dos próprios fundamentos da identidade religiosa. Essa disputa é especialmente significativa na Tunísia, antes o mais secular dos países árabes.
A revolução libertou as estimadas 5.000 mesquitas dos controles rígidos do governo, que nomeava cada pregador e definia os tópicos dos sermões. O sistema incentivava um modelo de islã moderado e apolítico, que evitava entrar em confronto com a ditadura. Quando esse sistema caiu, salafistas ultraconservadores tomaram o controle de até 500 mesquitas. O governo, defensor de um islã político mais moderado, diz que, desde então, retomou o controle de todas, menos 70 das mesquitas, mas reconhece que ainda não afastou os extremistas.
"Antes o Estado sufocava a religião ao controlar os imãs, os sermões e as mesquitas", disse o xeque Tai'eb al Ghozzi, 70, líder das orações de sexta-feira na Grande Mesquita de Kairouan. "Agora tudo está fora de controle. A situação está melhor, mas requer controle."
Clérigos salafistas como Khelif, que defendem uma interpretação puritana e ortodoxa do islã, enfatizam temas que incluem colocar a lei islâmica em vigor imediatamente, impor o uso do véu pelas mulheres, proibir o álcool, rejeitar o Ocidente e participar da jihad na Síria. A democracia, para eles, não é compatível com o islã.
"Se a maioria ignora a instrução religiosa, está contra Deus", disse o xeque Khatib al Idrissi, 60, o guia espiritual dos salafistas tunisianos.
Alguns analistas vinculam o assertivo movimento salafista tunisiano ao que veem como sendo um preocupante alastramento do extremismo violento pelo norte da África. Isso inclui o ataque contra a missão diplomática americana em Benghazi, na Líbia, que resultou na morte do embaixador, e o ataque de uma multidão que saqueou partes da Embaixada dos Estados Unidos em Túnis.
Altos funcionários governamentais disseram que diversos grupos compartilham uma ideologia e mantêm contato uns com os outros. Por exemplo, segundo o ministro do Interior, Ali Laarayedh, já houve vários incidentes de jihadistas flagrados contrabandeando armas pequenas da Líbia para o Mali ou a Argélia, passando pela Tunísia.
O presidente Moncef Marzouki culpou o governo deposto pelo alastramento do extremismo islâmico, dizendo que nos últimos 50 anos ele destruiu o ensino religioso tradicional. O governo, que é dominado pelo Partido da Renascença, procura conter o problema sem recorrer aos métodos brutais da ditadura deposta.
De acordo com o ministro dos Direitos Humanos, Samir Dilou, cerca de 800 salafistas foram detidos, e as prisões dos que advogam a violência se aceleraram depois que manifestantes saquearam a embaixada americana em 14 de setembro, em resposta a um vídeo que satirizava o profeta Maomé.
A palavra "salafista" engloba um amplo espectro de fundamentalistas sunitas, cuja meta comum é trazer de volta o islã conforme praticado pelo profeta Maomé quando ele fundou a religião, no século 7. Os salafistas abrangem desde pessoas que difundem o islã por meios pacíficos até as que o fazem pela força.
Em Kairouan, a 160 km ao sul de Túnis, salafistas controlam cinco das 35 mesquitas da cidade, segundo o xeque Ghozzi, líder das orações na Grande Mesquita.
"Os salafistas sentem que tem o poder porque não enfrentam nenhuma resistência por parte do governo", disse.
A Grande Mesquita, uma cidadela construída de arenito, reflete as origens marciais de Kairouan, capital do primeiro Exército muçulmano a capturar o norte da África. É a mesquita mais antiga da Tunísia. O xeque Ghozzi e outros críticos acusam os extremistas de promoverem uma versão muito menos tolerante do islã do que aquela que é praticada há muito tempo na Tunísia.
"Eles querem seus próprios imãs, que usam suas palavras e falam sua língua", disse o xeque Ghozzi. Segundo ele, foram os fiéis que pediram a Khelif que não retornasse após aquela primeira sexta-feira.
Mas Khelif, 60, filho de um imã famoso da Grande Mesquita, falou que apenas tunisianos iludidos vêem suas pregações como sendo estranhas a eles.
Em Túnis, em outubro, cinco homens atearam fogo ao santuário de Leila Manoubia, uma santa do século 13. Jovens tunisianas tinham o costume de escrever seus nomes nas paredes do santuário quando queriam se casar ou engravidar. Os salafistas condenam esses pedidos, que veem como idolatria.
"Quero que a Tunísia seja um país onde uma mulher possa decidir se irá usar o véu, onde as pessoas não sejam obrigadas a orar", declarou Asma Ahmadi, 34, contando que visita o santuário desde os 15 anos. "Estão tentando substituir nossa identidade por algo que não conhecemos."
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