Sede nº1 do FMI em IMF Washington, EUA |
Junto com Hosni Mubarak e sua odiada polícia secreta, o alvo principal dos protestos maciços no Egito no início de 2011 foram os programas de ajustes implementados nos anos 1990 sob a supervisão do Fundo Monetário Internacional (FMI). Três anos antes, o FMI havia qualificado o Egito de "um caso de êxito emergente", citando o crescimento econômico superior a 7% sem se importar muito com os níveis recordes de desigualdade econômica e desemprego juvenil. Depois da revolução da praça Tahrir, em fevereiro do ano passado, o FMI se transformou em objeto de desprezo dos líderes do protesto.
Esam el Erian, então porta-voz da Irmandade Muçulmana, disse a este jornal em junho do ano passado que "o FMI deveria ser julgado no Tribunal Internacional de Direitos Humanos por crimes contra a humanidade". Os programas de privatização e desregulamentação efetuados sob a supervisão do FMI e do Banco Mundial foram questionados. O ex-ministro de Mubarak Mahmud Mohieldin foi processado por supostas irregularidades - colocar preços muito inferiores a seu valor - na privatização da rede estatal de grandes lojas Omar Efendi.
Só evitou um julgamento no Cairo graças ao fato de ter sido nomeado diretor-gerente do Banco Mundial, cujo ramo de investimento privado - a Corporação Financeira Internacional - havia assumido uma participação na rede privatizada. Consciente da rejeição às instituições de Washington nas ruas do Egito, o governo militar rejeitou um pacote de créditos de 2,36 bilhões de euros do FMI oferecido sem condições pelo então diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn. "O FMI é nosso inimigo", disse Wael Ghonim, o jovem executivo da Google e ativista dos protestos da praça Tahrir durante um debate com Strauss-Kahn na sede do FMI em Washington em abril de 2011.
Um ano e meio depois, tudo acontece ao contrário. O Egito atravessa uma grave crise de financiamento depois de meses de baixo crescimento - 1,8% em 2011 - e o desemprego juvenil é ainda pior que com Mubarak. As reservas de divisas caíram pela metade e o Egito carece de fundos para financiar seu déficit de conta corrente. O governo da Irmandade Muçulmana, presidido por Mohamed Mursi, tenta desde sua vitória eleitoral em agosto negociar um empréstimo com o FMI no valor de 3,77 bilhões de euros. Este abriria a porta para duas linhas de crédito de 768 milhões de euros do Banco Mundial e do Banco de Desenvolvimento Africano e 393 milhões de euros da UE. Os EUA podem indultar outros 768 milhões de euros de dívida. Tudo isso depende de um acordo com o FMI.
Mas o fundo já não se mostra tão generoso com a Primavera Egípcia quanto no ano passado. O órgão pretende condicionar qualquer pacote de financiamento a uma série de medidas de austeridade para reduzir o déficit público, de 11% do PIB. Essas medidas incluem cortes de subsídios ao combustível e alimentos. As subvenções ao petróleo - que equivalem a um terço do gasto público - são consideradas um desperdício em Washington. "Não são uma forma eficaz de ajudar os pobres; há necessidade de políticas mais concretamente dirigidas às camadas sociais necessitadas", disse Masud Ahmen, o diretor do FMI no Oriente Médio durante a assembleia do órgão em Tóquio no mês passado.
"A subvenções aos alimentos devem ser reduzidas porque distorcem o sistema agrícola e engordam o déficit orçamentário", explica Mohsin Kahn, do Centro Rafik Hariri para o Oriente Médio, em Washington. Mursi tentou se distanciar das posições anti-FMI da Irmandade Muçulmana. Mas o dilema é óbvio para o governo. Nem sequer Mubarak se atreveu a desafiar a população egípcia retirando a ajuda à compra de produtos básicos em um momento - como o atual - de preços de petróleo e de alimentos disparados.
O aumento drástico dos preços dos alimentos básicos nos mercados internacionais em 2008 desencadeou distúrbios que são considerados os precursores dos protestos da Praça Tahrir. Então, só os subsídios ao preço do pão conseguiram manter a paz.
Depois das secas nos EUA, o preço internacional do trigo voltou a disparar este ano, provocando alarme no Egito, onde se importa um terço do trigo consumido. O FMI também pede aumentos do IVA, apesar de a inflação estar em torno de 11%. Os grupos da sociedade civil que participaram dos protestos insistem que o Egito deve dizer não mais uma vez ao FMI.
"O governo deveria forçar as multinacionais a reinvestir seus lucros, em vez de repatriá-los", afirma um porta-voz da campanha a favor de não pagar a dívida externa do Egito. Uma equipe do FMI já está negociando no Cairo. Prevê-se que sua diretora-gerente, Christine Lagarde, visite o Egito nas próximas semanas. Mas qualquer acordo dificilmente será digerido pela população egípcia. Perguntado por "El País" há alguns dias em Tóquio sobre se o FMI aprendeu a lição no Egito, Masud Ahmen disse: "Isso foi há muito tempo, mas permanece na mente das pessoas e aprendemos a lição de que os lucros do crescimento econômico devem ser compartilhados amplamente na sociedade".
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