Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Soldado americano vai a julgamento pelo "Massacre de Kandahar"

O presidente dos EUA, Barack Obama, liga para o presidente afegão Hamid Karzai depois de saber do massacre

As 33 contas de oração deslizam pela mão do homem; 33 repetições de “Allahu Akbar”, “Deus é grande”.

“Meu nome é Mohammed Wazir”, ele diz. “Eu não choro. Eu tenho 10 dedos em minhas mãos. Minha dor foi assim naquele dia, como se alguém tivesse cortado todos os meus 10 dedos. Eu tinha sete filhos. Agora só me restou um. Chorar não trará os mortos de volta.”

Então ele sorri sem motivo aparente. Uma de suas mãos exibe uma tatuagem de duas espadas cruzadas. “Eu não pergunto a Alá, ‘por que Você fez isso?’ ele diz. “Eu preciso ser paciente. O Profeta me recompensará no paraíso.”

Wazir, 35 anos, com seu turbante enrolado ao modo pashtun, está respondendo perguntas no jardim de um hotel em Cabul. A busca por traços de desespero em seu rosto, ou de tristeza em seus olhos escuros, dá em nada. Três outros homens estão aqui com ele e concordam com a cabeça com suas respostas em sentenças lentas. Todos esses homens voarão amanhã para Meca a fim de participar da Hajj, a grande peregrinação que é obrigação religiosa para todos os muçulmanos.

Sob a cobertura da escuridão na madrugada de domingo, 11 de março de 2012, por volta das 2h30 da manhã, um homem se aproximou da casa onde Wazir vivia com sua família, no vilarejo de Najiban, na província de Kandahar, Afeganistão, um local de guerra sem fim. O homem, segundo os promotores, era Robert Bales, 39 anos, um sargento da 3ª Brigada Stryker, 2ª Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos.

Na casa estavam seis filhos de Wazir, assim como sua esposa, mãe, irmão, cunhada e sobrinho. Wazir não estava em casa. Ele levou seu filho mais novo para visitar parentes.

“Por que o assassino não esperou por mim?” ele pergunta. “Por que matou meus filhos, mas não esperou por mim?”

‘Atraído pelo impossível’
O mundo logo soube o que aconteceu naquela noite na casa de Wazir e em outras duas casas, nos vilarejos de Najiban e Alkozai. O crime, agora conhecido como “Massacre de Kandahar”, já é considerado como o mais grave crime de guerra neste conflito mais recente no Afeganistão. Houve Haditha, no Iraque, My Lai, no Vietnã. E agora os 16 mortos nesses vilarejos próximos do Campo Belambay, uma base militar americana no distrito de Panjwai, na província de Kandahar. Os parentes das vítimas usam o termo “Ghamgina Wraz”, ou “dia triste”, para se referirem a 11 de março de 2012 –ou no calendário afegão, o 21º dia do 12º mês do ano de 1390, como calculado a partir da data da migração do Profeta Maomé para Medina.

“Primeiro, vamos ver o quanto eles poderão provar”, diz o advogado, John Henry Browne. Browne também tem uma tatuagem –um anel de arame farpado estilizado em torno do seu braço.

Browne, 66 anos, com sua cabeleira e passado hippie, já se divorciou seis vezes e é visto como uma espécie de astro do rock entre os advogados americanos. Ele passou sua vida representando estupradores e assassinos, tipos de casos que costumam atrair as câmeras e microfones. Ele também gosta de motos e já tocou em uma banda que abriu para o The Doors. Ele ganhou renome nos anos 70 como um dos advogados do assassino em série Ted Bundy. Ao descrever sua motivação, Browne diz: “legalmente falando, eu sou atraído pelo impossível”.

Ele dobra seu corpo de dois metros em seu carro alugado, um utilitário esportivo branco, e é levado até a prisão do Forte Leavenworth para uma reunião com seu cliente. Equilibrando seu notebook sobre as pernas, ele rola um documento de 5 mil páginas, as conclusões de uma investigação militar do caso de Robert Bales. O documento lista 34 violações da lei criminal militar americana, incluindo 16 casos de homicídio, seis tentativas de homicídio, vários casos de cremação dos corpos e abuso tanto de álcool quanto do esteróide anabolizante chamado Stanozolol.

A estratégia de Browne no tribunal permanece inalterada por décadas. Ele a utilizou de novo no ano passado, para obter uma sentença leve para o ladrão de avião Colton Harris-Moore, conhecido como o “Bandido Descalço”. No tribunal, Browne desviou a atenção do crime em si, colocando o foco nas circunstâncias de vida difíceis do réu. Assim que Browne pegou o caso de Bales, ele começou a dizer aos repórteres sobre as experiências de guerra devastadoras do sargento, seus três períodos de serviço no Iraque, a contusão que sofreu no cumprimento do dever e seus sintomas de transtorno por estresse pós-traumático.

‘Frankenstein não era o monstro’
Referindo-se a soldados como Bales, Browne disse ao “Seattle Times”: “pessoas como essas são quebradas e fomos nós que as quebramos”. Ele disse ao “New York Times”: “Frankentein não era o monstro. O monstro era o Dr. Frankenstein, que criou o Frankenstein”. Ele disse para a “NBC”: “eu acho que a guerra está sendo julgada.” O público em breve ouvirá mais declarações como essas do advogado, quando as audiências iniciais tiverem início na segunda-feira em Seattle e em Kandahar para um caso que Browne considera o mais importante de sua carreira.

A guarnição do Forte Leavenworth já foi símbolo do poderio militar dos Estados Unidos. Agora, entretanto, ela é frequentemente associada a certos nomes que trouxeram desgraça ao exército americano e ao país como um todo. Charles Graner, um dos torturadores de Abu Ghraib, cumpriu sua pena aqui. Bradley Manning, o suposto traidor e fonte dos documentos vazados para o WikiLeaks, também foi por muito tempo mantido aqui.

A instalação fica localizada atrás de uma colina, espalhada pela paisagem plana. Do alto de muros de concreto, arame farpado cintila sob o sol quente do Kansas. E em algum lugar lá dentro se encontra Robert Bales, o homem que a Internet apelidou de “O Assassino de Kandahar” e que sua esposa Kari chama de “o melhor marido do mundo”. Em uma visita ao Forte Leavenworth com os dois filhos do casal, Quincy, 5 anos, e Bobby, 2, Kari celebrou com seu marido um pequeno marco familiar: o pequeno Bobby usou o “troninho” pela primeira vez.

Testemunhas não encontraram ferimentos de bala nos cadáveres das duas vítimas mais jovens em Najiban: Nabia, 4 anos, e Palwasha, 1. O assassino supostamente as queimou vivas ou as deixou sufocarem: ele empilhou suas vítimas juntas, as cobriu com cobertores e colocou fogo em tudo.

Quando Wazir descreve seus filhos assassinados, ele os conta em seus dedos. “Esmatullah era meu filho mais velho. Ele tinha quase 15 anos. Ele ia à escola corânica na mesquita. Ele sabia ler e escrever. Nós estávamos planejando um casamento para ele. Faizullah tinha quase 11. Ele gostava de andar de bicicleta. Ele nos trazia chá quando trabalhávamos no campo. Masooma tinha nove. Seu nome significa ‘inocência’. Ela fazia pequenas bonecas e costurava rostos para elas. Farida tinha sete anos. Ela ajudava sua mãe. Nabia tinha quase quatro. Palwasha era ainda muito pequena.”

Buscando acalmar o coração
Para o advogado Browne, um julgamento justo é vital. Ele define justiça como: “igualdade aos olhos da lei. Esse é o motivo para eu defender as pessoas que estão à margem, os indefensáveis, como Bales”, ele diz. “Se o governo os abandonar e os sentenciar à morte arbitrariamente, então toda nossa Constituição não vale nada.”

Mohammed Wazir, sem causar surpresa, vê as coisas de modo diferente. “Nós queremos ver esse homem enforcado”, ele diz. “Eu não direi seu nome, eu não quero sujar minha boca. Eu gostaria de enforcá-lo pessoalmente. Eu irei aos Estados Unidos para o “Mahkama”, ao grande tribunal, para vê-lo enforcado. Então meu coração ficará calmo.” Os homens que o acompanham balançam a cabeça concordando.

“Mahkama” é a palavra pashtun para tribunal. É como Mohammed Wazir se refere ao corpo perante o qual deseja comparecer.

“Audiência do artigo 32” é como John Henry Browne e a Justiça militar americana se referem à audiência que terá início em 5 de novembro. O propósito da audiência é determinar se o caso deve seguir para um julgamento criminal, e em caso afirmativo, de que tipo. A audiência ocorrerá simultaneamente em Tacoma, perto de Seattle, e em Kandahar. A promotoria apresentará suas conclusões e o depoimento dos sobreviventes será transmitido ao vivo para a sala do tribunal na Costa Oeste dos Estados Unidos. O sargento Robert Bales estará presente.

Na conclusão da audiência, o oficial da audiência decidirá se os investigadores reuniram evidência incriminatória suficiente para uma corte marcial geral. O oficial também decidirá se o julgamento resultará em uma possível pena de morte, que a promotoria sem dúvida pedirá. Poderá levar anos para se chegar ao veredicto.

Wazir limpa sua garganta e cospe tabaco mascado no chão. “O tribunal na América considerará o assassino culpado”, ele diz. E então, ele acredita, eles perguntarão a ele e a outros familiares das vítimas como o perpetrador deve ser penalizado. Fuzilamento, diz Wazir, não é doloroso o bastante. Como se o seu desejo não fosse claro, Mohammed Wazir gesticula sua punição preferida, colocando um nó invisível em torno de seu pescoço e apertando firme.

Um comentário:

  1. Total/ proforma, dentro de 6 meses vão estar livres...se fossem pelas leis do país onde ocorrem os crimes...Quem viver verá.Sds.

    ResponderExcluir