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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Afegãos, preocupados com o futuro, discutem visão sobre fronteira


Talvez seja uma amostra da ansiedade crescente no Afeganistão o fato de que os comentários aparentemente inofensivos de um enviado dos EUA sobre uma primeira fronteira estabelecida no século 19 tenham provocado uma semana de cartas desafiadoras por parte de funcionários afegãos e burburinhos temerosos sobre conspirações sendo incubadas em Washington e Islamabad.

Ahmed Barakzai, um joalheiro Cabul, resumiu bem: com a saída dos EUA se aproximando, os afegãos "sabem que estão entrando num momento perigoso", disse entre garfadas de peixe num restaurante lotado. Os homens à sua volta concordaram.

A "questão da linha", como ele chamou a fronteira, pode ser menor para o resto do mundo. Mas nos "mostra que temos amigos em quem não podemos confiar", disse Barakzai, 43. Todos que ouviam sabiam que ele estava falando dos EUA, e continuaram concordando.

A fronteira, é claro, não é um limite simples: é a Linha Durand, que leva o nome do oficial colonial britânico que a desenhou para separar as posses do Império Britânico das do Afeganistão – dividindo terras tradicionalmente pashtun entre o Afeganistão e que mais tarde se tornaria o Paquistão. Hoje, para a maior parte do mundo, a linha, apesar de controversa, é oficial.

Só não diga isso para os afegãos. O embaixador Marc Grossman, representante especial dos EUA para o Afeganistão e Paquistão, descobriu isso da maneira mais difícil, na semana passada, quando questionado por um repórter da televisão afegã se os EUA concordavam que "as terras para além dessa fronteira, a Linha Durand, são terras do Afeganistão."

A resposta de Grossman – "a fronteira é a fronteira internacional" – refletiu a política dos EUA há décadas. A reivindicação do Afeganistão por uma parte do noroeste do Paquistão, que acredita que os britânicos roubaram, só é levada a sério no Afeganistão.

Então Grossman seguiu em frente, passando a falar sobre a necessidade de mais cooperação regional – que na linguagem diplomática significa melhorar as relações entre o Afeganistão e o Paquistão.

Como se fosse fácil. Os comentários de Grossman logo se tornaram manchetes no Afeganistão, e assim foi por alguns dias. O Ministério das Relações Exteriores, que sabia que Grossman não tinha dito nada de novo, mesmo assim reagiu aos comentários, chamando a posição de Washington de "irrelevante".

"O status da Linha Durand é uma questão de importância histórica para o povo afegão", disse num comunicado.

O porta-voz do presidente Hamid Karzai, Aimal Faizi, também expressou ressentimento numa mensagem no dia de Eid al-Adha, o feriado islâmico, que começou no dia 19.

“Que Deus todo poderoso traga segurança, paz e unidade para o Afeganistão, em particular para os dois lados da Linha Durand”, disse o gabinete do porta-voz numa declaração.

Os comentários de Grossman, feitos num momento em que os afegãos estão particularmente apreensivos sobre o futuro do país, atingiram um ponto sensível. Cada vez mais, e mais abertamente, os afegãos têm debatido os limites do que podem esperar dos EUA, um aliado que costuma ser tanto vilificado quanto visto como um benfeitor necessário e protetor.

Para agravar o insulto, do ponto de vista do Afeganistão, os EUA estão tomando o lado do Paquistão, cujo governo estaria supostamente abrigando e auxiliando o Talibã e militantes Haqqani, que comandam a insurgência no Afeganistão e que estão abrigados nos territórios cortados pela Linha Durand.

"Para o lado afegão, sempre houve essa expectativa que se envolvêssemos os EUA mais profundamente nas questões do Afeganistão, isso levaria a uma solução do problema do extremismo militante do Paquistão", disse Haseeb Humayoon da Qara Consulting, uma firma de consultoria política em Cabul.

Mas agora, acrescentou, os EUA estão voltando atrás, e “o problema permanece”.

A sensação de expectativas frustradas é palpável, e as esperanças estão cada vez mais sendo substituídas por teorias de conspiração. Embora essas teorias – que espelham as teorias ouvidas com frequência sobre os EUA do lado paquistanês da fronteira, embora um tanto menos enérgicas – sempre tenham sido sussurradas aqui, eles estão ganhando volume à medida que a retirada dos EUA se aproxima.

Barakzai, o joalheiro, especulou que os comentários de Grossman resultaram de um acordo secreto entre Washington e Islamabad para subjugar o Afeganistão – uma virada da paranoia paquistanesa de que a guerra dos EUA no Afeganistão não foi nada mais do que um pretexto para privar o Paquistão de seu arsenal nuclear.

Se ele acredita nisso? Ele disse não ter certeza, nem os outros homens que se juntaram na conversa. Mas tinham dúvidas: os EUA estão de fato partindo? O que, então, Washington quer deixar para trás? Quem os norte-americanos estão "realmente ouvindo?"

A maioria insistiu que estava entre os afegãos que haviam recebido bem a intervenção dos EUA contra o Talibã em 2001. Eles certamente eram da classe que tinha se beneficiado com a prosperidade resultante, financiada pelos EUA, que pode ser pouca para os padrões ocidentais, mas era inimaginável aqui há pouco tempo atrás.

Mas agora os afegãos "não sabem o que é o verdadeiro plano dos Estados Unidos para o nosso país", disse outro homem.

Talvez não haja nenhum plano? Não, todos eles concordaram, não é possível: os EUA são poderosos demais para estarem atuando sem um plano.

A conversa foi mais do que um bate-papo à toa numa kebaberia. Abdul Hamid Mubariz, ex-vice-ministro de informação e cultura que dificilmente se encaixa na idéia de um incendiário anti-americano, disse que especulações semelhantes também são abundante dentro dos círculos do governo.

“Não sabemos o que os americanos estão fazendo interferindo na questão da Linha Durand”, disse ele. "Há um plano oculto por trás disso? Os afegãos estão se sentindo traídos.”

Ele não acredita numa conspiração ativa contra o Afeganistão. Em vez disso, em sua opinião, as autoridades norte-americanas, ignorando os detalhes por trás das reivindicações do Afeganistão, “foram incentivadas e convencidas pelo Paquistão a levantar a questão da Linha Durand e anunciá-la internacionalmente”.

Afinal, diz Mubariz, Grossman tinha parado no Paquistão antes de ir para o Afeganistão. Não importa qual seja a intenção dos EUA, a conclusão é óbvia para os afegãos: os EUA “não são confiáveis”, disse ele. “Agora nós entendemos que qualquer coisa que o presidente Karzai estivesse fazendo ou dizendo contra o Ocidente, ele estava certo.”    

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