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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Frio atinge campo de refugiados no Afeganistão


Homem tenta aquecer seu filho em meio a inverno rigoroso no campo de refugiados de Nasaji Bagrami em Cabul, no Afeganistão


As seguintes crianças morreram congeladas em Cabul nas últimas três semanas, depois que suas famílias fugiram das zonas de guerra no Afeganistão para os campos de refugiados daqui:

–Mirwais, filho de Hayatullah Haideri. Ele tinha um ano e meio de idade e tinha acabado de aprender a andar, se agarrando cambaleante à armação da tenda da família antes de cair nas lâminas congeladas do chão lamacento.

–Abdul Hadi, filho de Abdul Ghani. Ele não tinha nem mesmo um ano e já estava tentando ficar em pé, apesar de seu pai ter dito que nos últimos dias ele parecia mais trêmulo do que o normal.

–Naghma e Nazia, as filhas gêmeas de Musa Jan. Elas só tinham 3 meses e estavam começando a se virar.

–Ismail, filho de Juma Gul. “Ele nunca sentiu calor em toda sua vida”, disse Gul. “Nenhuma vez.”. A vida dele foi breve, apenas 30 dias.

Essas crianças estão entre as pelo menos 22 que morreram no mês passado, uma época de forte frio incomum e tempestades de neve. As duas vítimas mais recentes morreram na quinta-feira.

As mortes, que as autoridades do governo buscaram suprimir ou minimizar, provocaram autoanálise entre os agentes de ajuda humanitária daqui.

Após 10 anos de grande presença internacional, totalizando cerca de 2.000 grupos de ajuda, pelo menos US$ 3,5 bilhões em ajuda humanitária e US$ 58 bilhões em assistência para desenvolvimento, como crianças podem morrer de algo tão previsível –e administrável– como o frio?

“O fato de haver inverno todo ano não deveria causar surpresa”, disse Federico Motka, cujo grupo de ajuda alemão, Welthungerhilfe, é um dos poucos que atuam nesses campos, que os agentes de ajuda humanitária chamam de assentamentos informais de Cabul –já que descrever o que de fato são, campos para pessoas deslocadas ou refugiados de guerra, é politicamente sensível. O governo afegão insiste que os moradores deveriam e poderiam voltar para seus lares originais; os moradores dizem que é perigoso demais fazê-lo.

As mortes ocorreram em dois dos maiores campos, Charahi Qambar (oito mortes relacionadas ao frio) e Nasaji Bagrami (14 mortes). Ambos os campos são habitados principalmente por refugiados que fugiram do combate em áreas como a província de Helmand, no sul. Algumas pessoas estão nos campos há sete anos; outras chegaram ano passado.

“Há 35 mil pessoas nesses campos no meio de Cabul, sem calor ou eletricidade no meio do inverno; essa é uma crise humanitária”, disse Michael Keating, o coordenador humanitário da ONU no Afeganistão. “Eu acho que a história humanitária não é suficientemente entendida aqui. Realmente existem muitas pessoas que estão em apuros.”

A ONU e os maiores grupos de ajuda humanitária iniciaram no último sábado o que está sendo chamado de Apelo Humanitário Consolidado, pedindo a grupos doadores e governos US$ 452 milhões em ajuda para o próximo ano, uma redução de 22% em comparação ao pedido do ano passado, de US$ 582 milhões.

Fundos bem maiores estão disponíveis separadamente para ajuda para o desenvolvimento –assistência não emergencial para fazer coisas como construção de escolas e infraestrutura.

Para muitas das pessoas deslocadas nos campos de Cabul, entretanto, a política humanitária internacional as deixa em uma cruel situação sem saída.

Os campos não se qualificam para ajuda para desenvolvimento porque são vistos como instalações temporárias –e muitas autoridades afegãs são contrárias à presença delas. De modo prático, fornecer ajuda aos campos encorajaria as pessoas a permanecerem neles e talvez atrair ainda mais pessoas.

Por outro lado, como os campos estão em um estado de “emergência crônica”, a maioria dos doadores de ajuda, por sua vez, deixam de vê-la como uma crise humanitária.

“As pessoas pensam que você não pode mais chamar de emergência se está ocorrendo há 10 anos, mas é o que é”, disse Julie Bara, da Solidarites International, um grupo francês que mantém um programa limitado de ajuda alimentar de emergência e saneamento nos campos.

A organização dela fez um levantamento das taxas de mortalidade nos campos nos últimos meses. Entre as crianças com menos de 5 anos, disse Bara, a taxa de mortalidade nos campos é de 144 entre 1.000 crianças, uma taxa extremamente alta até mesmo para o Afeganistão, que já conta com a terceira mais alta taxa de mortalidade infantil do mundo. Isso significa que 1 entre 7 crianças nos campos de Cabul não sobreviverão até seu sexto aniversário.  Todas as 22 crianças que morreram tinham menos de 5 anos.

Normalmente, os invernos de Cabul são brandos para uma cidade em um país montanhoso, mas não neste ano. Este foi o janeiro mais frio em 20 anos, segundo Mohammad Aslam Fazaz, vice-diretor do escritório nacional de desastre. Na maioria das noites, a temperatura caiu abaixo de 6ºC negativos.

“Não há uma estratégia clara para ajudar essas pessoas”, disse Mohammad Yousef, diretor geral do Aschiana, um respeitado grupo de ajuda humanitária afegão que fornece educação e outros serviços em 13 dos campos. “Eles não têm acesso a nada –saúde, educação, alimento, saneamento, água. Eles não têm nem mesmo uma oportunidade de sobrevivência.”

O Aschiana fornece quatro professores ao campo Charahi Qambar, onde eles são a única presença humanitária regular. Os moradores dizem que costumava haver distribuição de alimentos pelo Programa Mundial de Alimentação, mas ela parou no ano passado. Uma porta-voz do programa, Silke Buhr, disse que a agência atualmente envia alimentos em Cabul para grupos vulneráveis, como viúvas e inválidos.

Nos campos em pior situação, até mesmo se os homens conseguirem encontrar emprego como diaristas ou atuarem como vendedores ambulantes, o que eles ganham é tão pouco que precisam escolher entre comprar alimento ou combustível, geralmente lenha.

“Você não morre de fome, mas morre de frio”, como disse um pai.

Mas quando se trata das crianças, isso não é exatamente verdade. As crianças subnutridas apresentam maior probabilidade de sucumbirem de hipotermia e doença.

Cabul sofreu duas tempestades de neve pesadas, em 15 e 22 de janeiro, que adicionaram tempo úmido às misérias dos moradores dos campos, já que suas habitações são tendas ou barracões com paredes de barro, mas com teto de lona ou plástico.  A combinação de umidade e frio provou ser mortal.

O pai de Mirwais, Hayatullah Haideri, foi acordado às 5 horas da manhã pelo chamado à oração no campo Charahi Qambar, em 15 de janeiro, e encontrou seu filho rígido como uma tábua.

“Sua cor era escura, como quando uma folha congela; você sabe que está congelada só de olhar para ela”, ele disse.

Ele e sua esposa têm cinco filhos pequenos sobreviventes.

“Minha esposa fica me dizendo: ‘Você precisa fazer algo para salvar nossas outras crianças, que morrerão neste frio’”, ele disse. “Mas o que posso fazer?”

Naquele mesmo dia no mesmo campo, Abdul Ghani encontrou seu filho, Abdul Hadi, com febre; quando eles pediram uma ambulância, os funcionários de resgate se recusaram a vir.

“Eles me disseram que estava frio demais”, ele disse. Abdul Hadi foi colocado sob um cobertor com sua mãe, mas não havia aquecimento na cabana deles, e o barro sob eles estava úmido. Quando seus pais tentaram despertá-lo mais tarde naquela noite, disse Abdul Ghani, “ele estava congelado”.

No campo Nasaji Bagrami, onde 14 mortes por frio foram informadas, segundo um representante do campo, Mohammad Ibrahim, havia duas famílias que perderam dois filhos cada. Nascidas no mesmo dia, as gêmeas idênticas Naghma e Nazia morreram na mesma noite, entre 15 e 16 de janeiro.

As crianças que morreram estavam sob cobertores, dormindo com seus familiares. Mas os moradores do campo explicaram que o que acontece é que as crianças muito pequenas frequentemente são incapazes de manter os cobertores as envolvendo bem, e são pequenas demais para pedir ajuda. Então se não há fogueira e adormecem, elas morrem.

“Os adultos sabem como se manter aquecidos, mas os pequeninos não”, disse Mualavi Musafer, um mulá do campo Charahi Qambar. Seu sobrinho foi uma das crianças que morreram de frio, ele disse.

Mohammad Ismail, um refugiado do distrito de Sangin, um dos piores lugares na província de Helmand, também perdeu dois filhos, um na primeira tempestade de neve –sua filha Fawzia, 3 anos– e um na segunda –seu filho Janan, de 5 anos. Agora ele e sua esposa têm dois filhos sobreviventes, um bebê e a filha mais velha deles, Tila, de 7 anos.

“Eles choram a noite toda por causa do frio”, disse Ismail. “Tila, em especial, sente falta do irmão.”

Os irmãos dela estão enterrados sem lápides formais em um terreno baldio que se tornou o cemitério do campo Nasaji Bagrami. Tila conhece o local.  “Ela vai lá todo dia para visitar o irmão”, disse o pai dela.

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