Bandeira escocesa |
Em maio do ano passado houve um momento em Edimburgo que se constitui em um símbolo de como a Escócia se afasta da Inglaterra. Os parlamentares recém-eleitos da Escócia estavam sendo abençoados na Catedral de Saint Giles, no histórico Royal Mile, situado a meio caminho entre o Castelo de Edimburgo e o Parlamente Escocês. O príncipe Edward, representando a rainha, foi recebido com silêncio. Mas quando Alex Salmond, o herói conquistador, chegou, ele foi recebido com ovações.
O líder do Partido Nacional Escocês, um indivíduo corpulento e de roupas amarrotadas, acabara de surpreender a todos, incluindo a si próprio, ao conquistar a primeira maioria geral desde a criação do parlamento escocês em 1999, sem se deixar afetar por uma recessão internacional que, segundo os economistas, prejudicará a causa separatista, ou por questões delicadas relativas ao futuro de uma Escócia independente, como por exemplo, a defesa nacional.
Presenciar Salmond entoando “God Save the Queen” e ser tratado com deferência pelos clérigos, pelos rivais políticos e por um membro da família real naquele dia do ano passado foi testemunhar os resultados da notável jornada pessoal desse político britânico.
Nascido no Hogmanay (conforme os escoceses chamam o último dia do ano) em 1954, esse escocês de Linlighgow, que é ao mesmo tempo uma figura comum e excepcional, transformou-se de rebelde nacionalista – que em várias ocasiões foi expulso do seu próprio partido, bem como da Câmara dos Comuns – em líder do Partido Nacional Escocês e, finalmente, no expoente do novo Establishment Escocês. A situação se inverteu.
Atualmente Salmond está dando conta de maneira talentosa do maior teste que enfrentou em sua longa carreira – um referendo sobre a independência que, segundo pesquisas consistentes, ainda enfrenta a oposição de cerca de metade dos escoceses.
Quando o primeiro-ministro britânico David Cameron tentou no mês passado torpedear a estratégia de Salmond ao exigir uma eleição para que a Escócia chegasse a uma decisão do tipo “permanecer na União ou sair” “o mais cedo possível”, ele foi rapidamente driblado pelo líder do Partido Nacional Escocês, que fez uma pausa de vários dias, permitiu que tivesse início uma discussão acalorada em torno do “intrometimento de Westminster” e, a seguir, durante a sessão para a discussão de questões escocesas na Câmara dos Comuns, anunciou quase que casualmente que a data seria 2014. Naquele ano tanto a Copa Ryder quanto os Jogos do Commonwealth ocorrerão na Escócia, e aquele será também o 700º aniversário da vitória da Escócia sobre a Inglaterra na Batalha de Bannockburn.
Agora até mesmo os mais ferrenhos unionistas admitem que a ruptura da Grã-Bretanha parece ser inevitável, se não agora pelo menos daqui a alguns anos. Previsões relativas a um futuro fim da União não parecem ser exagerados.
Existe uma resposta – impopular – para a questão, “Como foi que se chegou a esse ponto?”: a devolução dos poderes do Parlamento Escocês em 1998. Durante décadas um Partido Nacional Escocês de menor dimensão procurou determinar se a devolução seria a pedra fundamental para a independência. Salmond, que sempre se classificou como um “gradualista”, estava convencido que sim.
Manifestando aquilo que agora se revelou uma presciência notável, o intelectual trabalhista Tam Dalyell expôs os perigos no seu livro de 1977 “Devolution: The End of Britain?” (“Devolução: O Fim da Grã-Bretanha?”). Dalyell argumentou que os problemas dos pobres de Glasgow não eram radicalmente diferentes dos problemas dos pobres de Londres. Mas ele previu a emergência de uma questão insolúvel após a devolução: por que os membros escoceses do Parlamento Britânico deveriam continuar a influir nas questões inglesas se os parlamentares ingleses perdessem a sua influência sobre a governança escocesa? Esse impasse passou a ser conhecido como “a questão de West Lothian”, em uma referência ao distrito eleitoral de Dalyell.
Dalyell também questionou os motivos de um Partido Trabalhista cada vez mais desesperado por derrotar o Partido Nacional Escocês nos distritos eleitorais escoceses. A perspectiva de independência só foi adiada pelo polêmico resultado do plebiscito de março de 1979 sobre a Gestão Interna, no qual apenas um terço dos escoceses votou pela separação.
Vinte anos mais tarde, o recém-eleito primeiro-ministro, Tony Blair, implementou a política que havia herdado do líder trabalhista John Smith, afirmando que a criação de um parlamento escocês com poderes nas áreas de saúde e educação “lancetaria o tumor” do movimento pela independência.
Quando eu mencionei esse fato, Salmond riu e disse que “o melhor comentário foi o de George Robertson, que disse que essa medida 'fulminaria o nacionalismo'”.
Se a União estiver de fato condenada, o Partido Trabalhista precisará assumir a sua parcela de culpa. Afinal de contas, Blair poderia ter arquivado a devolução na esperança de que os escoceses se satisfizessem com um governo britânico social-democrata após vários anos nos quais a Escócia votou nos trabalhistas, mas acabou inevitavelmente tendo que engolir os conservadores.
E isso faz com que se pense no motivo pelo qual os conservadores também carregam uma responsabilidade pelo menos igual pelo fato de a União britânica encontrar-se ameaçada. A preferência de Margaret Thatcher pela inflação baixa ao custo do aumento do desemprego, e pelas reduções de impostos e gastos, atingiu duramente a Escócia. O consenso monetarista, que teve início na década de oitenta e que continua existindo, vai de encontro àquilo que Salmond passou a chamar de “valores escoceses” de social-democracia e comunidade.
Nos primeiros dois anos do governo Thatcher, a Escócia perdeu um quinto da sua força de trabalho devido a uma investida contra as indústrias de carvão e de tecidos e o fechamento de minas em todo o país. A gota final foi o fato de Thatcher ter usado a Escócia em 1989 como cobaia para uma política que acabou provocando a sua derrocada: o chamado “poll tax” (“imposto comunitário”).
A atitude desdenhosa em relação à Escócia sobreviveu em meio a alguns conservadores modernos, ansiosos por colher os benefícios das eleições de Westminster determinadas apenas por eleitores ingleses conservadores.
Na Escócia, aquele que é tradicionalmente chamado de Partido Conservador e Unionista deixou de ser a sigla majoritária da década de cinquenta para ser liquidado na era pós-Thatcher, tendo ficado reduzido a apenas uma única cadeira parlamentar, o que levou Salmond a observar que atualmente há mais ursos pandas na Escócia (dois) do que parlamentares conservadores.
Agora caberá aos unionistas fazer campanha pela preservação do Reino Unido como nós o conhecemos. Para eles, o fim – irreversível – de mais de três séculos de integração cultural, política e econômica bem-sucedida não constituir-se-á em nenhum progresso, mas sim em um passo para trás.
A União é maior do que a soma das suas partes, e aqueles indivíduos que se consideram britânicos, e não ingleses, devido à raça ou à herança cultural, perderiam o seu lar espiritual. Para os nacionalistas de Salmond, o prêmio refulgente – o sonho romântico de independência da Escócia do seu antigo inimigo, a Inglaterra – está finalmente à vista.
É verdade que Salmond, durante décadas de “gradualismo”, impôs essa questão contra a vontade de uma maioria silenciosa de escoceses. Mas os políticos que deveriam ter defendido a União durante o mesmo período são culpados, seja por complacência ou por motivos torpes, de terem abandonado a causa.
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