O maior atirador da história da Marinha dos EUA lança um best-seller sobre suas ações no Iraque e conta como escolhia as vítimas
Chris Kyle |
O sonho de Chris Kyle, 37 anos, o maior atirador da história da Marinha americana, era ser caubói. Mas a queda de um cavalo bravo, num rodeio em Rendon, no Texas, abreviou sua carreira esportiva. Kyle, aos 18 anos, teve o ombro deslocado, as costelas quebradas, rins e pulmões feridos e precisou receber dois pinos de metal no pulso. Os danos causados pelo revés nos picadeiros, porém, não atrapalharam sua vida de soldado. Na Marinha, Kyle conseguiu chegar à elite dos US Navy Seals (força especial formada por homens treinados a realizar operações no mar, ar e terra) e ainda acabar reconhecido como o mais letal deles. Pelas contas do Pentágono, ele foi algoz de 160 vítimas, durante quatro missões no Iraque. Em sua contabilidade extraoficial, Kyle acha que o número é maior: 255 mortos, um deles atingido por um tiro disparado a quase dois quilômetros de distância. Em Ramadi, no Iraque, os insurgentes o chamavam de al-Shaitan (“o diabo”) e ofereciam uma recompensa de US$ 20 mil por sua cabeça. Já seus parceiros militares o aclamavam como “a lenda”. Kyle encerrou a carreira em 2009. Sua autobiografia “American Sniper” (“Atirador Americano”), lançada no mês passado nos Estados Unidos, foi imediatamente alçada à lista dos livros mais vendidos no país. Em entrevista à ISTOÉ, ele fala sobre seu trabalho com a tranquilidade de um pacato vendedor de seguros: “Me desculpem, mas não me arrependo de nada. Me sinto completamente justificado.”
Istoé - O que passa por sua cabeça quando atira em alguém?
Chris Kyle – A única coisa em que penso é tentar salvar aquelas pessoas que meu alvo quer matar ou ferir. Não tenho tempo de hesitar. Mas também não saí por aí atirando em qualquer um. Os alvos tinham que estar fazendo um ato de violência contra os americanos, nossos aliados, ou iraquianos inocentes.
Istoé - O sr. sentia prazer ao matar?
Chris Kyle - Não, acho que ninguém consegue sentir prazer nessa situação. Eu me sentia bem em ficar seguro de que meus amigos estavam bem. Mas matar alguém não é algo para se comemorar.
Istoé - O sr. diz que a maioria das pessoas pensa que atiradores alvejam a cabeça das vítimas, mas que o sr. preferia mirar no meio do corpo e que foi ficando “mais criativo” nesse trabalho. O que, afinal, o sr. leva em conta na hora de atirar?
Chris Kyle - A vítima deve mostrar intenção de ferir ou matar alguém. É nesse momento que posso participar ativamente. Se ela não está fazendo algo que se encaixe nas minhas regras de conduta, então não posso atirar. Mas quando o faço, prefiro mirar no centro da massa, pois, não importa onde acerte, o cara vai cair na hora e deixar de representar uma ameaça.
Istoé - O sr. se sente cobrado para se arrepender das mortes que cometeu?
Chris Kyle - Há pessoas por aí que querem que eu me sinta mal pelo que fiz. Mas eu me sinto completamente justificado por todo mundo que matei, porque o fiz na tentativa de salvar outras pessoas. Acredito na “Bíblia” e, nela, Deus diz “não matarás” no sentido de assassinar alguém. Na justiça de Deus, isso não cabe às pessoas que estão em guerra. Então eu repito: me desculpem, mas não me arrependo de nada. Aquelas pessoas mereceram morrer. Os únicos remorsos que tenho são por aqueles companheiros que não consegui salvar. É deles que sempre me lembro. São esses rostos e situações que permanecerão comigo para sempre, infelizmente.
Istoé - O sr. diz que só podia atirar em alguém quando flagrava o sujeito fazendo algo de errado. Qual a garantia de que não cometeu abusos?
Chris Kyle - A questão é que, lá no fundo, eu vivia sob constante ameaça: essa será uma morte justificável? Porque, se não for, eu não vou atirar. O que me fazia andar na linha era o medo de ser processado. Não queria ter de voltar para casa para ser julgado e passar o resto da minha vida na cadeia.Se eu atirasse num homem e ele caísse no chão e se arrastasse, mas não morresse ali, eu não podia registrar oficialmente esta morte. Mas eu sabia onde havia acertado e sabia que ele iria morrer. Por isso há diferença entre os números do Pentágono (160) e os meus (255), extraoficiais.
Istoé - O slogan de sua escola de atiradores, a Craft International, é: “Apesar do que sua mãe lhe disse, violência resolve, sim, problemas”. O sr. usa a violência para resolver seus próprios problemas?
Chris Kyle - Não, senhora. Este slogan é uma homenagem a Ryan Job (um dos amigos a quem Kyle dedica o livro). Nosso símbolo foi desenhado depois que ele morreu. O logo da minha companhia é inspirado no Justiceiro (personagem da Marvel Comics) com uma cruz sobre o olho direito. Foi nesse olho que Ryan levou um tiro que o cegou para sempre. Ele viveu três anos depois disso, mas morreu por complicações durante uma cirurgia. Antes disso, em 2009, depois que uma equipe de Seals invadiu um navio tomado por piratas somalis e os matou, Ryan foi entrevistado por um canal de tevê local e perguntaram a ele: “O que você pensa de seus rapazes por aí matando piratas?” E ele respondeu: “Apesar do que sua mãe lhe disse, violência resolve, sim, problemas.” Ele era um homem tão bom e, desde que o conheci, tento viver minha vida de uma forma que o deixe orgulhoso.
Istoé - Que informações o sr. tinha sobre o Iraque antes de ir para lá?
Chris Kyle - Aprendemos sobre as divisões da religião, as diferentes culturas, como se dá a separação entre curdos, sunitas, xiitas e cristãos. Aprendemos também sobre a geografia local, onde ficavam as partes pobres e as partes ricas das cidades. Ainda estudamos um pouco do idioma e também nos passaram os diversos gestos e sinais que poderiam ser ofensivos e que deveríamos evitar.
Istoé - O sr. chama os iraquianos de “selvagens”. Em que sentido eles são menos civilizados do que os ocidentais?
Chris Kyle - Quem eu chamo de selvagens são os terroristas e insurgentes. E alguns deles são iraquianos. A primeira pessoa que matei foi uma mulher, em março de 2003, em Nasiriya. Ela levava uma criança em uma mão e uma granada em outra, e andava na direção de um pelotão da Marinha. Ela estava tão cega pelo demônio que só queria matar americanos, não se importava se a explosão da granada mataria seu filho ou outras crianças que estavam por ali. Não acho que isso seja civilizado, é coisa de selvagem.
Istoé - O sr. afirma: “Nunca realmente acreditei que os iraquianos transformariam o país numa verdadeira democracia funcional, mas pensei, em algum ponto, que havia uma chance. Não sei se acredito nisso agora. É um lugar muito corrupto”. O Iraque melhorou?
Chris Kyle - Sinceramente, não sei. Não voltei para o Iraque desde minha última missão em 2009. Lá, com certeza, ainda existe muita corrupção, mas também há muita corrupção nos Estados Unidos. Em geral, onde há políticos, há corrupção.
Istoé - Depois de quase nove anos, mais de quatro mil americanos morreram na Guerra do Iraque, milhares voltaram para casa com sequelas, cerca de US$ 800 bilhões foram gastos e ficou provado que não havia no país as armas de destruição em massa como alegava o presidente George W. Bush. Valeu a pena?
Chris Kyle - Cada vez que se perde a vida de um americano é difícil dizer que valeu a pena. Mas nós fomos lá e removemos um líder sanguinário, que assassinava milhares de curdos por dia e ameaçava os EUA. E, apesar do que as pessoas possam dizer sobre as armas de destruição em massa, acredite ou não, nós encontramos diferentes agentes químicos, matéria-prima para a construção dessas armas. Nós demos tantos avisos antes de invadirmos que Saddam teve tempo para esconder e enterrar toneladas de material.
Istoé - Para o sr., qual foi o momento mais difícil?
Chris Kyle - Certamente foi perder dois companheiros que eram como irmãos para mim. Numa mesma missão em Ramadi, em agosto de 2006, Ryan foi atingido pelos insurgentes com o tiro no olho e Marc Lee, não muito longe dali, levou um tiro na boca. Foi bem no momento em que ele ia nos avisar de que havia terroristas no andar superior de uma casa que havíamos invadido. Mas não deu tempo. Rezei muito para Deus naquele período e passei a ler a “Bíblia” com regularidade.
Istoé - No livro, o sr. critica a cobertura da imprensa sobre a guerra. A presença de jornalistas chegou a atrapalhar algumas missões?
Chris Kyle - Sim. É claro que, quando a mídia estava lá, sempre olhávamos sobre nossos ombros, pensando: “O que será que eles estão tentando filmar? Será que eles realmente estão do nosso lado?” E, ao mesmo tempo, tínhamos que nos tornar seguranças deles.
Istoé - O sr. ficou viciado em adrenalina? Como supre essa necessidade hoje em dia?
Chris Kyle - Hoje não me considero um viciado em adrenalina. Sinto que minha vida está completa por eu apoiar minha família, amar meus filhos e minha esposa, e simplesmente estar lá para quando eles precisarem.
Istoé - O sr. se diz livre de sintomas de estresse pós-traumático. Mas como observa isso em seus companheiros de guerra?
Chris Kyle - Há muitos caras que voltam para casa e têm problemas. Alguns têm pesadelos, não gostam nem de sair de casa, começam a beber e se afogar no alcoolismo e em outras drogas. Mas tento ajudá-los, por meio da Craft International, junto com uma organização chamada Troops First. Nós saímos para caçar, colocamos aparelhos de ginástica em suas casas e aliamos treinamento a terapia. Porque, se eles tiverem seus corpos e condicionamento físico de volta, suas mentes irão acompanhar. Tudo que os veteranos de guerra não precisam é de compaixão.
Istoé - Como os atentados de 11 de Setembro mudaram as Forças Armadas americanas?
Chris Kyle - Os atentados definitivamente nos despertaram a consciência de que há pessoas perigosas por aí e que devemos ficar ainda mais atentos. As Forças Armadas ganharam em tamanho e importância, mas agora estamos perdendo isso.
Istoé - No mês passado, o presidente Barack Obama reduziu o orçamento militar para os próximos dez anos em US$ 450 bilhões. O que o sr. pensa disso?
Chris Kyle - Isso é um desastre. Não podemos nos dar ao luxo de baixar a guarda agora.
Istoé - Qual é o seu sentimento quando ouve essa relação de nomes: George W. Bush (ex-presidente dos EUA), Dick Cheney (ex-vice-presidente), Donald Rumsfeld (ex-secretário da Defesa), Karl Rove (ex-assessor de Bush)?
Chris Kyle - Tenho sentimentos diferentes em relação a cada um deles. Não sei... Mas, enfim, são todos políticos e não me interesso muito por política. De qualquer forma, não tenho problemas com o presidente Bush.
Istoé - Vamos fazer um jogo rápido. Eu digo uma palavra e o sr. me diz a primeira coisa que lhe vem à cabeça: estrelas.
Chris Kyle - Bandeira.
Istoé - Comunismo.
Chris Kyle - Organização.
Istoé - Petróleo.
Chris Kyle - Combustível.
Istoé - Coração.
Chris Kyle - Sangue.
Istoé - América Latina.
Chris Kyle - Belas praias.
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