Robert Nixon |
Em um romance político furtivamente na mosca, Thomas Mallon investe no caso Watergate com toda pompa, glamour, graça e sutileza que ele não costuma receber. Seu habilmente contraintuitivo “Watergate” conta até mesmo com o topete da citação de nomes como em programa que conta tudo em Hollywood. Em um episódio tipicamente bem narrado, entre os convidados de uma festa de aniversário, em 20 de outubro de 1973 para o colunista Art Buchwald, estão o editor do “Washington Post”, Ben Bradlee, “com uma namorada atraente, de olhar penetrante, aparentemente uma repórter”, “o pequeno poodle de Lyndon, Jack Valenti –agora uma versão miniatura, de cabelos grisalhos, do leão da MGM, promovendo a indústria cinematográfica”, a anciã Alice Roosevelt Longworth, a convidada mais cáustica na cidade; e o âncora de televisão Roger Mudd.
Apenas quando um alto-falante começa a mencionar Mudd é que fica aparente que esta é aquela noite de sábado: a noite em que o presidente Richard Nixon afastou Archibald Cox, o promotor especial de Watergate; Elliot Richardson, o secretário de Justiça; e William Ruckelshaus, o vice-secretário de Justiça. Esses eventos, que foram apelidados de “Massacre de Sábado à Noite”, transcorrem quase casualmente em meio ao bom quadro histórico de Mallon.
Quão preciso algumas pessoas considerarão este episódio? “O texto contém desvios dos fatos que alguns leitores considerarão imperdoáveis e outros considerarão indignos de nota”, Mallon escreve alegremente no posfácio. Assim, os leitores que considerarem as liberdades do livro como sendo excessivas podem voltar à tonelada de livros de memórias, transcrições, reportagens investigativas e notas marginais sobre Watergate. Tipos que gostam mais de diversão poderão encarar “Watergate” como um drama animado, espirituoso, e fazer vista grossa em relação à checagem exaustiva de fatos que a história poderia exigir.
Mallon, diretor do programa de escrita criativa da Universidade George Washington, conversou recentemente com o jornal dos estudantes dali a respeito de seu processo de pesquisa. A certa altura ele começou a investigar com base na necessidade de saber, por temer se atolar em detalhes e dar a “Watergate” um ar de dissertação.
Ele também se sentiu livre para inventar coisas, de modo que alguns poucos personagens –com uma velha paixão da primeira-dama, Pat Nixon– são claramente inventados. Mas em grande parte do tempo o livro é amarrado tão bem que é impossível dizer ao certo quando a realidade desaparece e a invenção começa.
Dois conceitos táticos funcionam muito bem aqui. Um é a decisão de Mallon de se concentrar nos personagens mais pitorescos e dar a cada um deles um ponto de vista distinto. A maioria deles é do sexo feminino: até mesmo quando o livro segue os pensamentos preocupados do secretário de Justiça, John Mitchell, ele oferece uma descrição triste, porém hilariante, de sua esposa sem freios, Martha, com a qual ainda está profunda e romanticamente ligado.
Mas sem dúvida a estrela do livro é Longworth, que se recorda do escândalo do Teapot Dome e certamente sabe colocar este em perspectiva, e que nunca fica sem uma frase de efeito. “Eu acho que ela será devolvida à mata após a bênção”, ela diz sobre a cantora Ethel Merman. A gentileza com que Longworth deixa Nixon confiante e tenta ajudá-lo é especialmente tocante, diante do demônio que ela é para todas as demais pessoas.
Mallon também ressuscita Rose Mary Woods, a leal secretária do presidente, cuja forma de lidar com o gravador se tornou um elemento central da investigação de Watergate. Aqui ela é bastante humana: fã de diversão levemente embriagada, fácil de lisonjear e com opiniões fortes sobre outros funcionários da Casa Branca. (Ela odeia H.R. Haldeman, mas adora o bom humor de macho de Alexander Haig.) Dorothy Hunt, a esposa durona e teimosa do ex-homem da CIA, E. Howard Hunt, também ganha tridimensionalidade, e a dor do seu marido com a morte dela se torna palpável na página. Uma nota refrescante: os próprios ladrões de Watergate, com tanta frequência uma fonte de confusão no desenrolar dos aspectos criminais da história, são meros figurantes para Mallon. G. Gordon Liddy, um personagem que poderia desgastar sua presença bem-vinda rapidamente, é apenas alvo de piadas ocasionais.
A outra tática inteligente em exibição em “Watergate” é o modo discreto de Mallon de inserir informação vital em seu relato. Eventos importantes –como a descoberta de que Woods de alguma forma apagou parte de uma gravação crucial da Casa Branca– são mencionados quase que de passagem. (“A história do trecho em branco foi noticiada ontem”, apenas diz o livro.)
Observadores veteranos de Watergate também notarão o modo incomum de Mallon lidar com a imprensa: ele a ignora. Há uma referência a “Bernstein e Woodward”, que não eram nomes conhecidos pela Casa Branca na época. E há um tapa nos jornalistas de televisão pelo uso do termo “sem precedente” até “parecer um sinônimo de ‘rotina’”. Em “Watergate”, a mídia está mais viva nos sonhos impossíveis dos personagens que imaginam os louros que os aguardam após a passagem deste pequeno soluço histórico. Aquele que é retratado de modo mais perverso é Richardson, também conhecido como “o ex-tudo”, devido a todos os cargos de Gabinete que ocupou. É ele que, apesar de sua cordialidade aristocrática e falsa modéstia, nutre mais vaidade e ambição nesta história. Mallon zomba dele impiedosamente, nunca tanto como em quando Richardson se permite o hábito de pintar aquarelas de pássaros enquanto Roma, figurativamente, queima.
Richardson está no outro extremo da escala de simpatia de Fred LaRue, o apoiador financeiro do Mississippi que serviu como vice-diretor do infame Comitê para Reeleição do Presidente. LaRue é retratado como um ingênuo desafortunado que foi flagrado no escândalo em uma escala que nunca poderia imaginar. Um envelope dele, rotulado como “discutível”, serve como o “Rosebud” da história de Mallon.
E há, é claro, o próprio Nixon. Mallon não perde tempo nas caricaturas familiares de um presidente desajeitado e boca suja e sua esposa sem expressão. Seus Nixons são um casal afetuoso, surpreendentemente à vontade (ela o chama de “colega”) e íntimos após três décadas de casamento. E a inabilidade pública do presidente mascara algo mais humano.
“A autopiedade de Nixon era apenas um envoltório, uma espécie de transparência plástica protegendo a angústia autêntica visível abaixo”, escreve Mallon. Até mesmo as capas em seus dentes parecem ser comoventemente “mais brancas, e curiosamente mais sinceras, do que o restante de seu sorriso”.
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