Rei Hamad bin Isa Al Khalifa |
No dia 14 de fevereiro de 2011, alguns milhares de manifestantes reuniram-se na capital bareinita de Manama para exigir uma maior participação popular e reformas políticas. Esse foi o primeiro sinal de que a “Primavera Árabe” estava se espalhando pela região do Golfo Pérsico. Desde o início dos protestos, as forças policiais bareinitas recorreram à violência na tentativa de acabar com as manifestações realizadas na Praça da Pérola.
Em 15 de março, o rei Hamad bin Isa Al Khalifa, declarou estado de emergência. No dia anterior, tanques da Força de Proteção da Península, uma espécie de força militar de resposta rápida criada pelas seis monarquias do Golfo Pérsico, deslocaram-se da Arábia Saudita para o Bahrein. Em nenhum outro lugar os protestos da Primavera Árabe foram esmagados de forma tão rápida e meticulosa quanto no Bahrein. Ao todo, 46 pessoas, incluindo policiais e imigrantes, morreram nas manifestações, sendo que cinco delas foram vítimas de torturas. Cerca de 3.000 pessoas foram presas e 700 delas ainda estavam atrás das grades no final do ano passado. Mais de 4.000 trabalhadores perderam os seus empregos por terem participado das manifestações.
A maioria da população do Bahrein é composta de xiitas, mas a família real sunita Al Khalifa controla o poder no país há 200 anos. Grande parte da população xiita encontra-se excluída dos quadros das forças armadas e policiais. Até fevereiro de 2011 o reino de Hamad era considerado um país modelo na região.
Além de várias igrejas, Manama tem também uma sinagoga. Hamad bin Isa, 62, assumiu o trono em 1999. Ele ampliou os direitos das mulheres, modernizou o país e consolidou o Bahrein como um centro financeiro da região.
Na verdade, os protestos inicialmente não tinham como alvo o regime de Hamad bin Isa. O foco da fúria dos manifestantes era o tio dele, o primeiro-ministro de linha dura Sheikh Khalifa, que ocupa o cargo desde 1971.
Em junho do ano passado, o rei contratou o especialista egípcio-americano em direitos humanos, Cherif Bassiouni, para realizar uma análise sobre os protestos e a violência resultante. O rei prometeu implementar as recomendações de Bassiouni referentes a reformas do sistema policial e do poder judiciário.
Der Spiegel: Majestade, há um ano teve início o movimento oposicionista no Bahrein. Muitos dos seus súditos guardam memórias amargas daqueles dias.
Hamad: Conforme já afirmei antes, eu lamento os acontecimentos do ano passado. De certa forma, não existe nenhuma “oposição”, no Bahrein, já que a frase implica um bloco unificado com os mesmos pontos de vista. Esse termo não faz parte da nossa Constituição, ao contrário do que ocorre, digamos, no Reino Unido. Aqui nós só temos pessoas com pontos de vista diferentes, e não há problema nenhum quanto a isso. E agora esses indivíduos estão conversando com os seus irmãos bareinitas.
Der Spiegel: Líderes da maioria xiita no Bahrein, tais como Sheikh Ali Salman, estão pedindo que seja instituída aqui uma monarquia constitucional similar àquela que existe no Marrocos. Qual é o problema com esta ideia?
Hamad: Nós somos uma monarquia constitucional. Eu não imponho leis, eu as proponho. O artigo 35 da nossa Constituição afirma que o rei só pode recusar uma vez um projeto de lei redigido pelo Parlamento, e depois é obrigado a assiná-lo, transformando-o em lei, caso o projeto seja apoiado por uma maioria de dois terços em ambas as casas parlamentares. Nenhum rei deve governar de forma absoluta, como um ditador.
Der Spiegel: O senhor sabe quantos prisioneiros políticos encontram-se em centros de detenção do país?
Hamad: Não existem “prisioneiros políticos” no Bahrein. Aqui as pessoas não são presas por expressarem as suas ideias. Nas nossas prisões só há criminosos. Você poderia me dar o nome de alguns desses supostos prisioneiros políticos?
Der Spiegel: Fadila Mubarak, uma mulher de meia idade, está detida há 18 meses, e segundo a Anistia Internacional ela sofreu maus tratos por ouvir música revolucionária no carro.
Hamad: Você há de compreender que eu não acompanho casos individuais (ele volta-se para o ministro da Informação para indagar sobre o caso citado). Ela foi libertada.
Der Spiegel: Majestade, o que aconteceria se alguém gritasse: “Abaixo o rei!”?
Hamad: Eles gritam essa frase nas ruas. Conforme eu frisei no meu discurso no ano passado, isso não é motivo para prender ninguém. É apenas uma questão de educação. Mas quando alguém grita, “Abaixo o rei e viva Khomeini”, estamos falando de um problema para a unidade nacional.
Der Spiegel: Está ocorrendo algum diálogo entre o senhor e a oposição?
Hamad: Já houve ofertas de diálogos diversas vezes, mas elas foram rejeitadas. A minha porta estará sempre aberta e eu apoiarei qualquer consenso ao qual o povo chegue. Mas, para que isso ocorra, eles terão de conversar entre si. A Constituição diz que os indivíduos devem conversar com os seus irmãos, e não com o rei. Por um lado, as pessoas dizem querer uma monarquia constitucional. Mas por outro lado elas querem que o rei dê ordens. Eu não gosto de contradições.
Der Spiegel: Qual é então o papel do rei?
Hamad: Eu proporciono o ambiente e a mesa para que seja estabelecido o diálogo. Mas, primeiro, as pessoas precisam chegar a um consenso que possa ser, a seguir, apoiado por mim.
Der Spiegel: Qual a sua opinião sobre a expressão “Primavera Árabe”?
Hamad: Primavera árabe? Esse é um assunto que diz respeito a outros países, não a nós. Se por “Primavera Árabe” você se refere à reforma democrática, nós demos início a esse processo dez anos atrás. Nós fomos um dos primeiros a instituir eleições democráticas no mundo árabe. E isso funcionou.
Der Spiegel: O senhor acha que a democracia poderia funcionar no Bahrein?
Hamad: Sim, mas teria de ser uma democracia criada no próprio país. Não se pode transferir o sistema norte-americano para a Turquia, nem o sistema turco para a França. É preciso entender o povo e a sua cultura. Isso é liderança.
Der Spiegel: O filósofo francês Alexis de Tocqueville disse certa vez que o momento mais crítico para um regime ocorre quando ele está prestes a instituir reformas. Concorda com isso?
Hamad: Sim. Eu sou piloto de helicóptero. Conheço a chamada “virada mortal” - uma expressão que descreve uma mudança de rumo drástica. Isso é algo de muito crítico, o momento de transição entre dois movimentos. Quando eu dei início às reformas, há dez anos, achei que seria mais fácil.
Der Spiegel: Quais são as dificuldades?
Hamad: Conforme eu já disse, ao instituir a democracia, nós precisamos ser sensíveis em relação ao contexto regional e nacional. Democracia significa também garantir os direitos das minorias. Essa é a minha função como rei. Por exemplo, nós possuímos um embaixador judeu nos Estados Unidos e um cristão no Reino Unido.
Der Spiegel: Por que foi declarado um estado de segurança nacional em 15 de março do ano passado, quatro semanas após o início dos protestos?
Hamad: O Bahrein ficou paralisado, havia violência com motivações raciais, pessoas foram feridas e mortas, escolas e universidades foram invadidas e o nosso principal hospital foi tomado. Além disso, as nossas mulheres estavam apavoradas, e é dever de um cavalheiro defender as mulheres, de forma que eu tive de protegê-las.
Der Spiegel: Na verdade, majestade, este é exatamente o mesmo argumento que foi utilizado recentemente pelo clérigo xiita bareinita Issa Kassim. Ele disse que se a polícia maltratasse mulheres, o povo deveria atacar os policiais.
Hamad: As mulheres não foram atacadas por policiais. Eu não conheço nenhum caso desse tipo. Mas se uma mulher for atacada, ela pode levar o caso à Justiça. Nós não concordamos com a violência. O meu governo criou um fundo de indenização para vítimas, uma iniciativa única no mundo árabe.
Der Spiegel: Por que o senhor pediu que tropas do Conselho de Cooperação do Golfo entrassem no Bahrein? Isso nunca tinha ocorrido antes.
Hamad: E quanto ao Kwait? Você se esqueceu do que aconteceu lá em 1990? Nós convidamos as tropas do Conselho de Cooperação do Golfo a vir para cá a fim de proteger as nossas instalações estratégicas caso o Irã se tornasse mais agressivo. Essas tropas não eram visíveis nas ruas, conforme confirmou o especialista em direitos humanos Chrif Bassiouni.
Der Spiegel: Como andam suas relações com o Irã?
Hamad: É importante manter boas relações com os vizinhos, e é isso que nós estamos procurando fazer.
Der Spiegel: Acredita que o Irã esteja influenciando as tensões no Bahrein?
Hamad: Não há dúvida que certas pessoas no Irã têm uma postura ruim em relação ao Bahrein, conforme mostram alguns canais de notícias. Mas o nosso foco incide sobre as questões do Bahrein.
Der Spiegel: A apenas alguns quilômetros daqui está o quartel general da Quinta Frota dos Estados Unidos. Recentemente, o comandante iraniano, Hossein Salami, afirmou que o Irã consideraria como inimigo e alvo potencial qualquer país do Golfo Pérsico que tivesse bases dos Estados Unidos ou permitisse sobrevoos aos norte-americanos. Seria impossível ser mais explícito do que isso.
Hamad: Mas é ele quem toma as decisões? Eu não sei. Porém, ninguém nos ouvirá dizer que atacaremos o Irã. Tal afirmação seria anti-islâmica. Mas nós temos o direito à autodefesa.
Der Spiegel: O que o senhor diria ao presidente Bashar al Assad caso se reunisse com ele?
Hamad: O melhor conselho para ele é aquele dado pelo povo sírio.
Der Spiegel: O senhor acha que ele deveria renunciar?
Hamad: Quem sou eu para dizer a ele para renunciar? Cabe ao povo sírio decidir isso.
Der Spiegel: A divisão entre xiitas e sunitas no seu país está aumentando depois que os protestos foram esmagados um ano atrás.
Hamad: Não, eu não creio que isso esteja ocorrendo. Tenho certeza de que seremos capazes de atingir uma maior unidade por meio das reformas e iniciativas que implementamos a partir do ano passado. Mas há indivíduos que desejam mais? Tudo bem, eles têm então de chegar a um consenso e trazer as propostas a mim.
Der Spiegel: Acredita seriamente que, com tudo o que está ocorrendo neste momento no seu país, o Bahrein pode ser um modelo para outros países árabes?
Hamad: É importante entender que o teste de modernidade consiste em como responder a situações difíceis. Nós somos o número um dentre todos os países árabes no que diz respeito a reformas. Nós instituímos um Parlamento, de forma que uma ditadura seria algo de impossível no Bahrein. Os bareinitas estão em uma situação melhor do que os cidadãos de muitos outros árabes. Nós contamos com um Estado de bem-estar social, todos recebem um salário, independentemente de estarem ou não empregados. A eletricidade e os alimentos são subsidiados; os sistemas educacional e de saúde são gratuitos. E nós não diferenciamos entre bareinitas e estrangeiros. Nós temos muito orgulho disso.
Der Spiegel: Mas ao que parece, para alguns bareinitas um Estado de bem-estar social não é suficiente. Eles desejam maior participação e reformas políticas.
Hamad: Nós implementamos reformas políticas. Acabamos de aprovar várias emendas à nossa Constituição que permitem que o Parlamento dissolva o governo. Nós convidamos a todos com transparência. Mas algumas pessoas boicotaram a eleição, e outras simplesmente abandonaram o Parlamento. Quem desejar um sistema melhor precisa participar. As recomendações de Bassiouni...
Der Spiegel: … que apresentou os resultados da solicitação que você fez em novembro...
Hamad: … são boas recomendações, já que elas ajudam o Bahrein. Não existe nenhum motivo para rejeitá-las. Ele foi muito franco e eu aceitei publicamente o relatório dele.
Der Spiegel: Não é verdade que membros da família real ocupam cargos influentes no governo?
Hamad: Não. No Bahrein os membros da família real são cidadãos como qualquer outra pessoa. Existem alguns indivíduos que ocupam posições de influência e que não fazem parte da família real, incluindo o ministro do Petróleo e o vice-primeiro-ministro.
Der Spiegel: Pode ser. Mas, mesmo assim, vários cargos de ministro são dados a pessoas que trazem o sobrenome da sua família.
Hamad: Mas isso não é porque eles são membros da família real. É uma questão puramente de mérito. Mas, voltemos à situação no Bahrein. Se certos indivíduos acham que poderão atrair a minha atenção para brigas, eles estão enganados. Eu não estou perdendo o meu objetivo de vista. O nosso objetivo é implementar mais reformas.
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