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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"A busca por uma solução de dois Estados é uma fantasia", diz palestino sobre conflito no Oriente Médio

O proeminente filósofo palestino Sari Nusseibeh acredita que é tarde demais para uma solução de dois Estados para o conflito no Oriente Médio. Em uma entrevista para a “Spiegel”, ele expõe sua visão para uma confederação israelense-palestina e por que desconfia da nova posição moderada adotada pelo grupo militante islâmico Hamas.

Sari Nusseibeh


Spiegel: Sr. Nusseibeh, em seu novo livro o senhor alega que é tarde demais para um Estado palestino. Por quê?
Nusseibeh: Vocês estão sentados em meu escritório em Beit Hanina, em um lugar chamado Jerusalém Oriental. Se vocês olharem para oeste daqui, verão partes deste bairro árabe que estão separadas de nós. Se olharem lá para o leste, verão Pisgat Zeev, um enorme assentamento israelense que faz parte de Jerusalém. Mais além há Maale Adumim, um assentamento ainda maior de israelenses no que é chamado de Jerusalém Oriental. Não há mais Jerusalém Oriental. Jerusalém Oriental já se tornou um termo impróprio. Mas um Estado palestino sem Jerusalém Oriental como sua capital é inaceitável.

Spiegel: O senhor deseja desistir das fronteiras de 1967, que foram a base de todos os planos de paz?
Nusseibeh: É extremamente difícil até mesmo para o mais criativo entre nós conseguir redesenhar o mapa para nos dar, os palestinos, Jerusalém Oriental como capital. Além disso, há os colonos israelenses. É possível remover meio milhão de pessoas? Não, não é. Nada é impossível, matematicamente falando. Mas nós estamos falando sobre política, e na política nem tudo é possível.

Spiegel: Então devemos admitir que a solução de dois Estados está morta?
Nusseibeh: Matematicamente falando, uma solução de dois Estados é uma solução excelente. Ela causa dor mínima e é aceita por uma maioria em ambos os lados. Por causa disso, nós deveríamos tê-la adotado há muito tempo. Mas não o fizemos.

Spiegel: E de quem é a culpa por isso? 
Nusseibeh: Primeiro, Israel demorou demais para aceitar a existência de um povo palestino. Nós, palestinos, demoramos demais para aceitar que deveríamos reconhecer Israel como um Estado. O problema é que a história anda mais rapidamente do que as ideias. Quando o mundo acordou para o fato de que a solução de dois Estados era a melhor solução, nós já tínhamos centenas de milhares de israelenses vivendo além da Linha Verde (nota do editor: a Linha de Armistício de 1949, que forma a fronteira entre Israel e a Cisjordânia). Há um crescente fanatismo em ambos os lados. Hoje, a busca de uma solução de dois Estados parece buscar algo dentro de uma bolha de fantasia.

Spiegel: E quais são as alternativas? 
Nusseibeh: A forma política final não importa muito. O importante é que ambos os lados possam concordar a respeito e que os princípios básicos de igualdade e liberdade sejam mantidos. Eles podem ser mantidos no contexto de um Estado, de dois Estados, de três Estados, ou no contexto de uma federação ou confederação de Estados.

Spiegel: Em seu livro o senhor propõe que, em um único Estado conjunto, os palestinos devem ter direitos civis, mas não direitos políticos. “Os judeus podem administrar o país, enquanto os árabes poderiam ao menos desfrutar viver nele”, o senhor escreve. Isso funcionaria? 
Nusseibeh: Sim, como uma transição. Desde o início da ocupação, nos tem sido negados direitos civis básicos, sob a promessa de que uma solução ou Estado estava chegando. Isso nos foi prometido por 20 anos. Mas eles não deveriam manter os palestinos vivendo no porão até uma solução ser encontrada. Eu sugiro que nos deem direitos básicos, nos permitam liberdade de movimento, nos permitam viver e trabalhar onde quisermos, nos permitam respirar.

Spiegel: Onde o senhor deseja traçar as fronteiras? Segundo linhas étnicas? 
Nusseibeh: Sim, eu proponho uma federação entre Israel e um Estado palestino baseada no posicionamento demográfico da população no país.


Spiegel: E o senhor acha que os israelenses aceitariam isso?
Nusseibeh: Sim, eles adorariam. Os israelenses que desejam um Estado predominantemente judeu poderiam muito bem considerar esta uma solução razoável, porque mesmo se de alguma forma conseguissem se livrar dos árabes na Cisjordânia e em Gaza, que eles consideram um fardo demográfico, eles ainda sentem que têm um problema a longo prazo com os árabes em Israel. O que estou sugerindo não é totalmente insano. Essa ideia sempre esteve presente. Se vocês voltarem na história judaica, vocês encontrarão israelenses a sugerindo desde o início, como (o proeminente sionista intelectual e cultural) Martin Buber.

Spiegel: Qual seria o benefício para os palestinos em uma federação com Israel? 
Nusseibeh: Eles teriam liberdade de movimento – eles poderiam se estabelecer e trabalhar onde quisessem. Esse é um benefício imenso. E mais do que isso: segundo a solução clássica de dois Estados, não há retorno dos refugiados (palestinos) para Israel, apenas para a Cisjordânia ou Gaza. Mas em um futuro mapa traçado da forma como estou propondo, partes do que atualmente é Israel poderiam se tornar parte de um Estado palestino. E, portanto, muitos refugiados poderiam voltar exatamente para suas cidades de origem.

Spiegel: Em seu livro, o senhor descreve sua proposta como uma “terapia de choque para acordar os israelenses” e levá-los a encontrar uma solução. Isso significa que, no final, o senhor realmente não acredita no que está dizendo?
Nusseibeh: Pode ser ambos. Pode ser um alerta, um despertar. Eu quero que os israelenses vejam que eles têm um problema e que pensem: talvez devêssemos buscar a solução de dois Estados. Mas pode ser um sinal do que está por vir. Se não fizermos nada, futuramente as pessoas acordariam e descobririam que estão vivendo em uma espécie de confederação.

Spiegel: O senhor acredita que as coisas estão se movendo nessa direção por conta própria? 
Nusseibeh: Exatamente. Nós estamos constantemente deslizando nessa direção. Vejam as negociações. Elas apenas andam em círculos.

Spiegel: Em seu livro, o senhor descreve o processo de paz entre israelenses e palestinos mais ou menos como um jogo, “para ser jogado pelo tempo mais longo possível”. O senhor acredita que as negociações devem ser interrompidas?
Nusseibeh: Eu realmente não me importo se os negociadores de ambos os lados quiserem prosseguir conversando em Amã (a capital da Jordânia), como fizeram recentemente. Eles podem passar 48 horas conversando. Mas eu acredito que não chegarão a lugar nenhum. Eles só chegarão a algum lugar se apenas desistirem de tentar ser espertos uns com os outros. (O primeiro-ministro de Israel, Benjamin) Netanyahu é um bom vendedor, mas não me parece uma pessoa sábia.


Spiegel: E quanto ao presidente palestino, Mahmoud Abbas?
Nusseibeh: Bem, permita-me dizer: eu acho que é preciso ser previdente e se importar o suficiente.

Spiegel: A Autoridade Palestina (AP) deveria se dissolver em vez de continuar a administrar a ocupação?
Nusseibeh: Não, isso seria arriscado demais. Pelo contrário, a PA deve ser fortalecida, receber mais território e mais autoridade. E acho que a comunidade internacional deveria continuar a apoiá-la.

Spiegel: Isso poderia mudar rapidamente se o Hamas, o grupo militante islâmico que controla a Faixa de Gaza, e o movimento rival Fatah de Abbas, que controla a Cisjordânia, formarem um governo conjunto. O senhor acredita que a reconciliação deles funcionará?
Nusseibeh: É natural que o Hamas e o Fatah não lutem um contra o outro. Mas não brigar não significa automaticamente concordar. No momento, parece que eles estão tentando conciliar os pontos em desacordo. E eu não gosto disso. Eu acho que as pessoas devem ser claras a respeito de suas posições. E eu não sei ao certo o que Khaled Mashaal (nota do editor: o líder do Hamas em exílio) quer, para dizer a verdade.

Spiegel: Khaled Mashaal disse recentemente que o Hamas deve se concentrar em uma resistência não violenta. O senhor acredita nele? 
Nusseibeh: Eu me recordo de uma situação com ele, talvez há dez anos. Foi no auge da segunda intifada, e foi a primeira vez em que fui convidado para comentar na “Al Jazeera”. Eu tentei explicar por que ataques suicidas não eram bons, de que eles não conseguiriam nada. Eu inicialmente não percebi que Mashaal estava do outro lado. Ele respondeu que eu estava falando tolices e que os ataques suicidas eram ótimos, que atirar e matar era ótimo. Esse é o motivo para ficar irritado quando o ouço agora dizendo que deseja uma resistência civil. Por que está optando por isso agora, após 10 anos nos arruinando? Todo o muro (nota do editor: a barreira da Cisjordânia) não teria sido construído. As coisas seriam muito diferentes hoje.

Spiegel: O senhor acredita que haverá eleições na Cisjordânia e em Gaza em breve?
Nusseibeh: Eu não acho que eleições possam acontecer tão cedo. E para dizer a verdade, eu não sei ao certo se sou favorável a eleições no contexto atual. Eleições são uma coisa boa em certas circunstâncias, por exemplo, quando seu país é livre e as pessoas que você elege podem tomar as decisões a seu favor. Mas em nosso caso isso é uma fantasia. O que as pessoas que elegemos fizeram por nós? Nada. Se o próprio Abu Mazen (Mahmoud Abbas), o presidente deste país, quiser ir de um lugar para outro, ele precisa obter uma permissão.

Spiegel: Como poderia funcionar o tipo de federação que o senhor está propondo, se ao mesmo tempo a maioria dos palestinos votou no Hamas, cuja meta declarada é um Estado religioso?
Nusseibeh: Se você olhar para Gaza de cima a baixo, você vê o Hamas. Eu não vejo o Hamas em Gaza, pessoalmente. Eu vejo seres humanos normais: meus parentes, meus amigos, meus alunos. Eles não votaram no Hamas porque repentinamente acordaram e se transformaram em muçulmanos extremistas. Não, eles votaram no Hamas porque o processo de paz fracassou. Se o governo israelense abrisse hoje as fronteiras, o Hamas ficaria no caminho? E se ficasse no caminho, as pessoas dariam ouvido ao Hamas? Não, eu acredito que não. As pessoas querem vidas normais.

Spiegel: Nós estamos sentados aqui no campus da Universidade Al Quds. O que seus estudantes pensam a respeito de política –eles tendem a apoiar o Hamas ou o Fatah?
Nusseibeh: Os estudantes no campus são seres humanos individuais; eles não são ideologias ambulantes. Permitam-me contar uma história. Foi em 2003, quando os israelenses queriam construir o muro de separação, bem no meio de nosso campus. O que ocorreu imediatamente aos estudantes foi –e isso independia de serem a favor do Hamas, Fatah ou da Jihad Islâmica– vamos até lá atirar pedras contra os soldados israelenses. Mas eu lhes disse: ouçam, se fizerem isso, então um de vocês será morto. A universidade terá um mártir, mas será fechada no dia seguinte. E então permaneceram não violentos. No final, nós vencemos. Israel não construiu o muro no campus. O que quero dizer com esta história? Independente de como vocês os veem, independente da ideologia deles, os seres humanos são pessoas razoáveis.

Spiegel: Seus alunos ainda acreditam que este conflito pode ser resolvido? E o que pensam a respeito de uma federação entre Israel e Palestina?
Nusseibeh: Primeiro, eles acreditam que não há solução. Mas o que posso dizer é que as pessoas não têm mais convicção na ideia de dois Estados. Apenas alguns poucos ainda estão presos na ideia de identidade nacional, mas eles não acreditam que conseguirão o Estado que desejam. Outras pessoas estão se voltando para a religião. Ideias religiosas são o que importa agora.

Spiegel: O senhor é um professor de filosofia islâmica. O que o senhor pensa a respeito do papel da religião neste conflito?
Nusseibeh: Eu cresci com a ideia de um Islã muito tolerante. Minha família teve as chaves da Igreja do Santo Sepulcro (na Cidade Velha de Jerusalém) por centenas de anos e temos orgulho disso. Essa é nossa ligação com o cristianismo. Nossa reverência por Jesus é algo inerente em mim como muçulmano. Minha reverência pelos profetas judeus é inerente em mim como muçulmano.

Spiegel: Mas esse não é o Islã reverenciado por todos os muçulmanos.
Nusseibeh: No sentido verdadeiro, as religiões são na teoria formas de apoiar os valores humanos. Na medida em que as religiões passam a interferir no valores humanos, então elas se desviam na direção errada. E, infelizmente, é isso o que está acontecendo em muitas religiões, incluindo o Islã. Há alguns clérigos islâmicos de que gosto, mas eu desconfio de pessoas que se consideram guardiãs da religião.

Spiegel: O senhor frequenta a mesquita regularmente?
Nusseibeh: Não, eu quase nunca vou. Certa vez eu levei meus filhos à mesquita, mas o homem que conduzia a oração me fez ir embora. Ele falava sobre coisas totalmente insanas. Mesmo se você ignorar o conteúdo, é a forma como eles gritam. Você sente como se eles estivessem segurando um chicote e assustando as pessoas a aceitarem a verdade do Islã. Isso não é o Islã. Isso é meio que terrorismo. No meu entender, o Islã é uma religião dócil. E a mensagem do Islã é uma mensagem dócil.

Spiegel: O conflito entre israelenses e palestinos realmente parece menor em comparação a uma possível guerra com o Irã. O que acontecerá se Israel atacar o Irã?
Nusseibeh: Isso seria um grande erro. Tudo o que Israel faz para se afirmar por meio do uso de mais força é um passo para sua própria destruição. Há o ditado: “Aqueles que vivem pela espada morrerão pela espada”.

Spiegel: Uma escalada militar com o Irã poderia pressionar israelenses e palestinos a finalmente chegarem a uma solução?
Nusseibeh: Israel não nos leva a sério no momento. Eles nos manterão sob a tampa por um longo período. Se atacarem o Irã, eu não acho que isso os deixaria mais abertos em relação a nós. Eu certamente acredito que não nos deixaria mais abertos em relação a eles. E, sem dúvida, eu não acho que o mundo árabe estaria mais aberto em relação a eles.

Spiegel: Isso soa como um cenário bastante sombrio.
Nusseibeh: É o motivo para estar propondo este plano. Quantas pessoas vivem entre a Jordânia e o Mediterrâneo?

Spiegel: Aproximadamente 11 milhões.
Nusseibeh: Há cerca de 4 milhões de palestinos na Cisjordânia e Gaza, e 1 milhão em Israel, e há aproximadamente 6 milhões de judeus israelenses. Mas este é um lugar pequeno. Nós estamos dentro um do outro. Cedo ou tarde, nós teremos que encontrar um modo de convivermos uns com os outros. Meu filho vive em um subúrbio judeu de Jerusalém. Minha nora disse à professora de música judia que não quer que o filho dela cante canções religiosas judaicas. E a professora judia disse que tudo bem –quando fizermos isso, ele não precisa participar. Mas, fora isso, ele pode participar da festa.

Spiegel: É assim que seu Estado proposto poderia funcionar? Quando for uma questão judaica, então os palestinos ficariam de lado, mas, fora isso, participariam?
Nusseibeh: E vice-versa, porque não se pode esperar que os judeus apreciem canções palestinas. Mas convenhamos, muçulmanos e judeus conviveram amigavelmente por longos períodos de tempo. Nem tudo foi um mar de rosas, mas na verdade foi melhor do que na Europa por grande parte do tempo. Nós temos amizades entre judeus e árabes que são muito fortes e às vezes remontam gerações. Não é impossível.

Spiegel: Sr. Nusseibeh, obrigado pela entrevista.

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