Barack Obama (à dir.) e o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu |
“As Crises do Sionismo”, de Peter Beinart, é um livro importante recém-lançado que rejeita a manipulação da vitimização dos judeus para justificar a dominação de Israel sobre os palestinos, e afirma que a verdadeira questão para os judeus hoje não é o desafio da fraqueza, mas as demandas do poder.
“Estão pedindo para que perpetuemos uma narrativa de vitimização que foge da questão central dos judeus na nossa época: a questão de como usar eticamente o poder judeu”, escreve. Esse poder, há 45 anos, vem sendo exercito sobre milhões de palestinos que não desfrutam de direitos de cidadania e sofrem as humilhações de um povo ocupado.
Beinart, um importante jornalista liberal, está certo em inverter a lógica prejudicial da vitimização. Não se trata de revisitar 1938, ou mesmo 1967. Israel é hoje uma economia forte e vibrante e o único estado com armas nucleares no Oriente Médio. Seu firme aliado, os Estados Unidos, abriga uma comunidade judia que nunca foi tão integrada ou influente quanto agora. Estados árabes turbulentos estão concentrados em sua própria reinvenção, não em Israel; o principal aliado do Irã na região, a Síria, está numa situação muito difícil.
As ameaças persistem, é claro. A tendência aniquilacionista da ideologia palestina não desapareceu. O antissemitismo árabe se alastra, embora pelo menos na Tunísia ele esteja sendo debatido. O Hezbollah e o Hamas têm seus foguetes e mísseis. O Irã tem um programa nuclear que para e continua. Os terroristas podem atacar em Nova Déli ou Tbilisi.
Ainda assim, o maior perigo de todos para Israel é que o país desperdice oportunidades de poder ou vá longe demais militarmente (Irã) através do excesso de vitimização, mais do que qualquer coalizão imaginável de inimigos que possa dar um golpe debilitante.
Mas, como escreve Beinart, importantes organizações judaicas norte-americanas, com suas agendas frequentemente ditadas por alguns doadores ricos (como o magnata dos cassinos Sheldon Adelson), vêm em geral fazendo uma defesa pouco crítica de Israel – em vez de críticas construtivas – à base de suas políticas e viram o desvio da narrativa de vitimização como uma deserção inaceitável. Ele cita Abraham Foxman, diretor da Liga Anti-Difamação: “A democracia israelense deveria decidir; e os judeus norte-americanos deveriam apoiar.”
Essas instruções funcionaram quando Israel era pequeno e envolto em batalhas e para uma geração de sobreviventes do Holocausto; mas não são suficientes hoje. “Ao apoiar a interrupção do crescimento dos assentamentos e concordar com a crítica pública à política israelense, a massa de judeus norte-americanos está à esquerda das organizações que falam em seu nome, organizações que quase sempre se opõem à pressão norte-americana sobre os líderes israelenses e culpam os palestinos quase que exclusivamente pela falta de paz no Oriente Médio”, escreve Beinart.
Culpar os palestinos – pela falta de união, por chamarem atenção, por não buscarem as fronteiras de 1967 e sim o desaparecimento de Israel, é muito fácil, embora seja cada vez mais um exercício de péssima interpretação das principais mudanças palestinas durante o governo do primeiro-ministro Salam Fayyad.
O jogo da culpa teria, entretanto, bem mais credibilidade se o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mostrasse um interesse mínimo pela paz; o que não fez. A expansão de assentamentos subsidiados na Cisjordânia continua, uma reivindicação concreta da terra que Netanyahu chama de Judeia e Samária.
Beinart observa (e diplomatas israelenses com boas intenções, que gostariam de dar outro rótulo a Israel, anotam): “Israel não tem um problema de relações públicas; tem um problema de política. Não se pode advogar a ocupação numa era pós-colonial”. Essa ocupação, prolongada indefinidamente, significaria, como colocou o presidente Barack Obama, que o “sonho de um estado judeu e democrático não pode ser alcançado”.
O que Netanyahu e importantes organizações judaicas norte-americanas não entendem é que, nas palavras de Beinart, “quanto menos democrático o sionismo se torna na prática, mais pessoas no mundo todo questionarão a legitimidade do próprio sionismo”. Israel, ele afirma corretamente, é uma democracia dentro das fronteiras legítimas, “mas na Cisjordânia é uma etnocracia, um lugar onde os judeus desfrutam da cidadania e os palestinos não”.
Algumas das páginas mais fascinantes de “A Crise do Sionismo” traçam a origem do pano de fundo ideológico até o amargo confronto entre Obama e Netanyahu. Beinart demonstra a forte influência sionista liberal do rabino Arnold Jacob Wolf sobre Obama durante seus anos em Chicago. Wolf odiava a ideia de “Israel cercado por antissemitas”; seu ensinamento era “inter-religioso” e “integracionista”. Ele aderiu às raízes liberais do sionismo norte-americano e aos ensinamentos éticos dos profetas que, como expresso no Êxodo, exortavam os judeus a não oprimirem estrangeiros “uma vez que nós mesmos fomos estrangeiros nas terras do Egito”.
O contraste com Netanyahu – criado na vertente Jabotinsky do sionismo por um pai que via os árabes como “semi-bárbaros” e rejeitava um “moralismo castrado” em favor de uma nova linhagem judaica guerreira – quase não podia ser maior. Beinart pinta um retrato persuasivo de um Netanyahu dedicado ao extremo – apesar de mais tarde abraçar a solução de dois estados – a evitar qualquer estado palestino viável. Seu retrato da amizade de Netanyahu com Adelson e outros judeus de direita norte-americanos é particularmente intrigante – o próprio Adelson que recentemente vem financiando New Gingrich (que falou num “povo palestino inventado”).
É deprimente que Netanyahu ganhe. Obama, que começou dizendo que os assentamentos deveriam ser interrompidos, acabou vetando uma resolução do Conselho de Segurança da ONU nesse sentido. Ele precisa descartar seu sionismo liberal em prol da sobrevivência política norte-americana. Não pode haver uma demonstração mais clara do o porquê o livro de Beinart é tão importante e veio no momento certo para o futuro de Israel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário