Apesar de a Chancelaria da Alemanha estar aparentemente indignada com as táticas de espionagem empregadas pela National Security Agency (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos ou NSA, pela sigla em inglês) no país, a oposição duvida que as revelações sejam surpresa para a chanceler Angela Merkel. Que tipo de conhecimento Merkel tinha sobre o fato?
Merkel terá que ser muito clara com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, da próxima vez que eles se falarem por telefone. Essa é, pelo menos, uma suposição razoável, com base na raiva que ela manifestou em relação às operações de espionagem norte-americanas na União Europeia (UE) e na Alemanha.
"Eu exijo uma explicação, Barack", a chanceler poderá dizer. Afinal de contas, o presidente dos EUA defendeu eloquentemente o programa Prism em sua recente visita a Berlim. E as escutas, a espionagem eletrônica e a coleta indiscriminada e excessiva de dados levadas a cabo pelos norte-americanos em países europeus aliados – práticas que vieram à tona no fim de semana passado –, não fizeram parte das conversas durante a visita de Obama. Comenta-se que Merkel está bastante irritada.
Mas outros dizem que a chanceler provavelmente se mostrará amigável em relação a Obama durante a próxima conversa deles – e não porque seja esse o tipo de atitude que as convenções diplomáticas exigem, mesmo durante períodos de tensão. A amabilidade de Merkel teria a ver com dúvidas de que a irritação e o espanto de Berlim em relação à espionagem realizada pela NSA não sejam assim tão grandes quanto o governo apregoa. Será que parte dessa indignação é fingida? Será que as revelações realmente chocaram a chanceler? E, se as revelações realmente constituíram uma surpresa, será que os serviços de contraespionagem alemães falharam terrivelmente?
A oposição não acredita que Merkel não tinha conhecimento sobre a situação. Esta semana, em um editorial para o jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung", Sigmar Gabriel, presidente do Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, falou abertamente sobre suas suspeitas de que Merkel estava familiarizada com, pelo menos, parte das atividades de espionagem. O governo rejeitou veementemente essa acusação, tachando-a de grosseiras bravatas de campanha eleitoral. E essa afirmação não é totalmente injusta – a oposição aproveitou a oportunidade para retratar Merkel como uma traidora das liberdades dos cidadãos, uma estratégia que poderá ganhar apoio entre uma parcela da população particularmente sensível às questões relacionadas à proteção de dados.
Quem é informante de quem?
Campanha eleitoral à parte, existem bons motivos para fazermos perguntas importantes tanto para os norte-americanos quanto para o governo alemão. O especialista em inteligência Erich Schmidt-Eenboom diz que as suspeitas de Gabriel são "pelo menos parcialmente" corretas. "Em minha opinião, as autoridades sabiam sobre isso", disse Schmidt-Eenboom à emissora "Deutschlandfunk".
Isso porque o Departamento Federal de Segurança da Informação (BSI), que é responsável por proteger as redes governamentais da Alemanha, compila análises de ameaças para o Ministério do Interior. E entre os adversários estão "não apenas a China ou a Rússia, mas também os serviços anglo-saxões", disse Schmidt-Eenboom. Além disso, a agência de inteligência externa da Alemanha (BND) está familiarizada com as habilidades das agências de inteligência aliadas, acrescentou ele. Por sua vez, a BND fornece pareceres à Chancelaria – ou, mais precisamente, seu chefe de gabinete, Ronald Pofalla, responsável pela coordenação das agências de inteligência da Alemanha. Em seguida, ele compartilha essas informações com a chanceler quando considera apropriado.
Nesta quarta-feira, Pofalla se sentaria diante da Comissão de Controle Parlamentar do Bundestag para uma sessão de perguntas e respostas. Os chefes das três agências de inteligência alemãs – responsáveis pelos serviços de inteligência externo, nacional e militar – também foram convocados para a sessão especial. As perguntas feitas durante a sessão provavelmente seguirão a mesma linha de raciocínio já mencionada: quanto as agências alemãs sabiam sobre as atividades de seus colegas norte-americanos? Quanto elas gostariam de saber? E será que a contraespionagem alemã não está funcionando? O SPD, no entanto, não poderá se esconder atrás dos conservadores de Merkel. Afinal, o atual líder da oposição, Frank-Walter Steinmeier, era o ocupante do cargo de Pofalla entre 1999 e 2005, período delicado após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando as agências de inteligência dos EUA certamente não estavam ociosas.
Uma coisa é óbvia: ninguém acreditava que a NSA estava evitando espionar a Alemanha. Quando se trata da guerra contra o terror, a Alemanha se beneficiou com frequência do trabalho de espiões norte-americanos. A informação que levou à captura da chamada "célula de Sauerland", em 2007, veio da NSA e da CIA, que tinham interceptado telefonemas e e-mails. Mesmo que os serviços das agências parceiras geralmente não tenham acesso a dados brutos, os alemães deveriam ser capazes de intuir que os norte-americanos só poderiam coletar esse tipo de informação por meio de uma vigilância muito abrangente.
O telefonema de quarta-feira
Mas por que fazer perguntas se a cooperação está funcionando? Merkel sabe que os EUA são extremamente sensíveis quando se trata de segurança nacional. Mas ela também deve saber, pelo menos desde as revelações feitas pelo WikiLeaks, há três anos, que os norte-americanos não estão aqui apenas para procurar terroristas. Naquela época foi revelado que a Embaixada dos EUA trabalhava em parceria com insiders para obter informações sobre as negociações referentes à coalizão governamental alemã em 2009. Isso não configurou espionagem, mas mostrou que os EUA estão interessados em informações sobre os círculos de poder mais íntimos da Europa.
Mas a chanceler pode ter ficado alarmada ao descobrir que tais informações também podem ser obtidas por meio de escutas telefônicas instaladas para espionar alvos de várias delegações da UE, como revelaram os documentos vazados pelo denunciante Edward Snowden. Isso também explica por que manter o silêncio sobre o escândalo da NSA não é uma opção para Merkel, especialmente considerando-se as próximas eleições alemãs, que se realizarão em setembro próximo.
Nesta quarta-feira, Merkel teria a oportunidade, como foi anunciado, de falar pessoalmente com Obama por telefone sobre as acusações de espionagem. Afinal, quarta-feira seria o dia em que o presidente dos EUA retornaria de sua viagem de sete dias à África. Não há dúvida de que Obama expressará uma compreensão cordial em relação às preocupações dos alemães. Mas é altamente duvidoso que quaisquer mudanças fundamentais sejam adotadas em relação às práticas de inteligência dos norte-americanos.
O presidente dos EUA virou o jogo mais uma vez na segunda-feira passada, em Dar es Salaam, na Tanzânia: "Nas capitais europeias, existem pessoas que estão interessadas em saber, se não o que eu comi no almoço, pelo menos o que eu digo", disse Obama, fazendo referência às atuais atividades das agências de inteligência dos outros países.
Em outras palavras, para que toda essa confusão?
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