A Tunísia em alerta, o Qatar na defensiva, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes contentíssimos, o Hamas estupefato, Israel comemorando em silêncio e a Síria ruidosamente exultante... O terremoto egípcio, com a deposição do presidente Mohamed Mursi pelo exército e o recomeço de todo o processo de transição democrática, reverberou por todo o mundo árabe, bem como no Irã e na Turquia.
Para o Qatar, que havia apoiado amplamente as revoluções árabes através de sua rede "Al-Jazeera", a queda da Irmandade Muçulmana do Egito foi um grave revés. O emirado, onde está estabelecido o xeque Youssef al-Qaradhawi, um membro da Irmandade Muçulmana de origem egípcia que se tornou a principal autoridade religiosa no mundo sunita, protegeu, ou até financiou, os partidários da confraria em todo lugar em que se encontravam – Tunísia, Egito, Líbia, Síria - , colocando a serviço deles seu poderio midiático e seus petrodólares. O Qatar sonhava em ser uma superpotência regional, à frente de um eixo que ia de Túnis até Damasco.
Durante o ano em que o presidente Mursi esteve no poder, Doha abasteceu regularmente os cofres do Estado egípcio, que estava quase falido. A Al-Jazeera, através de sua cobertura parcial dos acontecimentos no Egito, passou a ser detestada por todos os opositores de Mursi. Uma das primeiras medidas do exército, na noite de quarta-feira, consistiu em fechar os escritórios cairotas da Al-Jazeera Mubasher, a rede de notícias ao vivo do Qatar, acusada de superestimar as manifestações pró-islamitas.
Desastre para o Hamas
Esse revés veio agora que o emir Hamad acaba de abdicar em favor de seu filho Tamim, de 33 anos e considerado mais temeroso. O primeiro-ministro Hamad Ben Jassem, símbolo dessa diplomacia agressiva, foi afastado, pressagiando um amansamento. A saída de Mursi também foi um golpe duro para a Turquia do primeiro-ministro Erdogan, que, a exemplo do Qatar, se considerava um "líder" do islamismo político sunita.
Já a Arábia Saudita, que não suporta mais as ambições desmedidas de seu vizinho qatariano e que rompeu com a Irmandade Muçulmana em 1990 porque ela havia apoiado a invasão do Kuait por Saddam Hussein, está exultante. O reino saudita, grande vencedor das mudanças em andamento, sempre desconfiou das revoluções árabes e prefere lidar com parceiros tradicionais, como o exército egípcio, ou com fama de mais maleáveis, como os salafistas. A emergência de um governo da Irmandade Muçulmana no Cairo também ameaçava a preeminência religiosa de Riad dentro do mundo sunita. Os Emirados Árabes Unidos, que se engajaram em uma repressão impiedosa da Irmandade, também comemoraram.
No cenário palestino, a queda de Mohamed Mursi é um desastre para o Hamas palestino, que esperava poder contar com o poderoso Egito em sua luta contra Israel e contra a Autoridade Palestina. Israel, que não comentou os acontecimentos egípcios, comemorou discretamente a reconfiguração do jogo. Já o presidente palestino, Mahmoud Abbas, saudou o novo governo no Cairo. No entanto, essas estimativas omitem a dimensão "revolucionária" do novo governo egípcio, encarnado por Mohamed ElBaradei, contrário a qualquer acordo com o Estado judaico.
A Argélia, contrária a qualquer mudança, e sobretudo a Síria, engajada em uma luta mortal com o Qatar e as potências sunitas, só conseguem comemorar aquilo que elas consideram uma interrupção nas revoluções árabes e uma volta ao autoritarismo militar. O Irã, que havia depositado muitas esperanças em Mohamed Mursi, primeiro dirigente egípcio a ir até Teerã desde 1979, havia se desencantado após sua ruptura de relações com Damasco, seu aliado regional, e com o massacre de quatro xiitas, sob o olhar complacente da polícia egípcia.
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