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terça-feira, 16 de julho de 2013

O blues do delator: Snowden coloca laços entre EUA e Rússia no gelo

Edward Snowden pediu ajuda ao Kremlin para não ser preso pelas autoridades americanas. O caso é um presente dos céus para o presidente Vladimir Putin, porque fornece uma distração para os problemas domésticos russos. Mas o caso vai piorar os laços já manchados do país com os Estados Unidos.

Vladimir Putin mais uma vez parecia não saber o que estava acontecendo no caso Edward Snowden, que se desdobra na capital de seu próprio país. Foi na última sexta-feira, pouco antes das 17h, horário local em Moscou. Circulava a notícia do pedido de asilo pelo delator americano.

O técnico de computação convidou 13 representantes de "organizações de direitos humanos" à área de trânsito do aeroporto Sheremetyevo da cidade, onde está retido desde que voou de Hong Kong para Moscou, em 23 de junho. Ele disse para sua plateia seleta que gostaria de permanecer na Rússia e que pediria asilo ao país, até ter licença para viajar para um dos países latino-americanos que ofereceram ou consideram lhe oferecer asilo.

Enquanto isso, Putin estava fora da capital em uma visita a Belgorod. A cidade fica a cerca de 600 quilômetros ao sul de Moscou, o que não é muito longe considerando o quanto o país é vasto. Mas as pessoas ao redor de Putin davam a impressão de estarem surpresas. "Nós lamentamos não ter tido a chance de analisar o anúncio", disse o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, aos repórteres, por telefone.

Até mesmo as manchetes das agências de notícias russas eram um tanto enganadoras. "Snowden se encontra com defensores de direitos humanos em aeroporto de Moscou" --soava como se o ex-prestador de serviços da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos e atual cruzado contra a vigilância pela internet tivesse formado uma aliança com os oponentes do Kremlin. Mas, na verdade, eles eram apenas figurantes que visavam esconder o envolvimento do Kremlin.

Advogados baseados em Moscou e políticos ligados ao governo já mantinham contato estreito por telefone na quinta-feira. Àquela altura, já estava claro que Snowden permaneceria na Rússia. Igualmente, é difícil imaginar que Snowden poderia fazer os convites para a reunião no aeroporto de Moscou sem a ajuda russa.

Orquestrado pelo Kremlin
De fato, entre os convidados estavam não apenas ativistas como Tanya Lokshina, do Human Rights Watch, e o proeminente advogado russo Genri Reznik, mas também um homem como Vyacheslav Nikonov. O neto do ministro das Relações Exteriores por longa data de Stálin, Vyacheslav Molotov, também é membro do Parlamento pelo partido Rússia Unida de Putin e um peso pesado dentro dos círculos de política externa. Nikonov também recebeu o convite de Snowden pelo e-mail de uma das fundações políticas às quais pertence. Mas Nikonov nunca passaria pela cabeça de Snowden sem a indicação das autoridades russas.

Diante desses fatos, não foi difícil perceber a mão do Kremlin --e o fato de que foi o governo de Putin, e não o próprio Snowden, que orquestrou a aparição dele. Foi a primeira vez que Snowden apareceu saído das profundezas do aeroporto desde sua chegada três semanas antes. Ele vestia uma camisa cinza, jeans e cabelo repartido. Só faltava uma assinatura ao pedido de asilo. E, segundo fontes presentes no encontro, Snowden também proferiu as palavras-chave: "Nenhuma das ações que faço ou planejo visam prejudicar os Estados Unidos. Eu quero o sucesso dos Estados Unidos". É claro, esse foi precisamente o acordo oferecido por Putin em 1º de julho, quando ele disse: "Se [Snowden] quiser permanecer aqui, há uma condição: ele deve suspender as atividades que visam infligir danos aos nossos parceiros americanos, independentemente de quão estranho isso possa soar vindo dos meus lábios". Também era um gesto de Putin de apaziguamento em relação aos americanos.

O capítulo seguinte no drama de Edward Snowden tinha começado. Em 2 de julho, Peskov, o porta-voz de Putin, anunciou que o homem de 30 anos tinha retirado seu pedido de asilo após Putin apresentar seus termos. Mas agora tudo mudou repentinamente. Na declaração lida por ele em sua aparição na sexta-feira, Snowden agradeceu a Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador por sua disposição de oferecer "apoio e asilo". Desde que seu passaporte foi revogado, não está autorizado a deixar o aeroporto Sheremetyevo, prosseguiu Snowden. Assim, para poder recuperar ao menos parte de sua liberdade de movimento, ele disse que foi forçado a pedir asilo à Rússia.

Moscou é a melhor opção por hora
Asilo temporário até que possa prosseguir sua jornada até a América Latina? As autoridades em Moscou estudaram essa possibilidade desde o início. Apesar de Putin ainda se fazer de desentendido, Sergei Naryshkin, presidente da câmara baixa do Parlamento russo e ex-chefe de gabinete do Kremlin, interveio dizendo que conceder asilo a Snowden era permitido pelas leis e Constituição da Rússia, além de estar de acordo com as normas legais internacionais. Naryshkin também disse achar que há um "risco muito alto" do suposto traidor ser condenado à morte caso as autoridades americanas ponham as mãos nele. "Nós simplesmente não temos o direito de permitir que algo assim aconteça", acrescentou.

A pergunta é: por que foi dito em 2 de julho que Snowden recusou a primeira oferta condicional de Putin? A resposta provável é que Snowden apenas recentemente percebeu que, no momento, Moscou ainda é a melhor de todas as opções abertas para ele. A esta altura, ele certamente já teve contato com as autoridades russas. E elas sem dúvida tentaram convencê-lo desse fato. Os voos de Sheremetyevo para a América Latina parecem arriscados, especialmente depois que o voo que levava o presidente da Bolívia, Evo Morales, de Moscou para La Paz, foi forçado a pousar em Viena --provavelmente devido à pressão dos americanos por suspeitarem que Snowden estivesse a bordo.

Enquanto isso, países como Bolívia e Equador --que lhe ofereceram asilo-- são pequenos e fracos demais para assegurar a segurança de Snowden. Mas seria difícil imaginar que Washington enviaria unidades militares de elite para o território russo, outra potência nuclear, visando sequestrá-lo de volta para os Estados Unidos.

Putin sabe disso. E Snowden também sabe. Mas, como os americanos, o presidente Putin também pesa cuidadosamente os benefícios e reveses de sua atual estratégia para lidar com Snowden.

Putin explora a tempestade causada por Snowden
Para o Kremlin, que está sob ataque tanto por sua política doméstica quanto externa desde que Putin iniciou seu terceiro mandato como presidente, em maio de 2012, Snowden é um presente dos céus. Putin está explorando a tempestade causada pelo técnico de computação fugitivo para desviar a atenção de seus próprios problemas, como a economia estagnada da Rússia e a linha dura que ele assumiu contra a oposição, que estão enfraquecendo o apoio público a ele nas grandes cidades do país. Nova turbulência pode estar no horizonte nesta semana, quando deverá sair o veredicto do caso de fraude envolvendo Alexei Navalny, um popular blogueiro anticorrupção e uma importante figura no movimento de oposição da Rússia. Os promotores estão pedindo uma pena de seis anos de prisão naquele que é amplamente visto como um caso com motivação política.

Os escândalos de dados americanos permitiram à Rússia desviar o foco de suas próprias ações e mostrar como os americanos tratam seus oponentes --primeiro com o fundador do WikiLeaks, Julian Assange; depois o soldado Bradley Manning, a fonte das informação vazadas para o WikiLeaks, que já está preso há mais de três anos; e agora Snowden. A mensagem do governo russo é: em comparação ao que fazem nossos pares americanos, nós somos santos.

E a maioria dos russos de fato vê as coisas desse modo e, ao menos por ora, o caso Snowden uniu sua sociedade profundamente dividida. Sejam conservadores ou liberais, anti ou pró-Estados Unidos, apoiadores ou opositores de Putin, todos expressaram apoio à concessão de asilo a Snowden.

'Putin é o herói de nosso tempo'
Alexander Sidyakin, um parlamentar do partido Rússia Unida e um linha-dura anti-Ocidente, disse que gostaria de indicar Snowden ao Prêmio Nobel da Paz. O tabloide russo de circulação em massa "Komsomolskaya Pravda" ("A Verdade do Komsomol") até mesmo compôs uma canção o enchendo de louvor. "Putin é o herói do nosso tempo. O mundo ama esta Rússia, que é capaz de suportar toda a pressão." Putin, ela prossegue, demonstrou liderança ao pôr de lado todas as considerações, como se valeria a pena "reivindicar a recompensa por Snowden" ou se os Estados Unidos poderiam retaliar a Rússia.

Mas o Kremlin está jogando um jogo perigoso. Putin está tentando convencer os russos de que a Rússia continua sendo uma superpotência em pé de igualdade com os Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, ele não deseja que as relações de Moscou com Washington se deteriorem ainda mais. Os presidentes dos dois países se encontrarão em uma cúpula na capital russa em setembro. Apesar de Putin considerar Obama fraco, ele não deseja que o encontro seja cancelado por causa de Snowden.

No momento, Putin conta com uma mão melhor, especialmente considerando que os Estados Unidos desejam mais da Rússia do que Moscou deseja de Washington. Obama precisa da superpotência oriental para várias coisas: servir como país de trânsito para os soldados americanos que estão se retirando do Afeganistão; ajudar na solução dos problemas com a Síria e o Irã; e acertar a meta ambiciosa de desarmamento que ele esboçou durante a recente cúpula do G8, na Irlanda do Norte.

Reservas cambiais confortáveis
Além disso, a Rússia pode relaxar por vários motivos: ela conta com a quarta maior reserva de moeda estrangeira do mundo, no valor de cerca de 400 bilhões de euros. E em 2012, seu comércio com os Estados Unidos totalizou US$ 40 bilhões --apenas um quarto do volume de comércio com a muito menor Alemanha.

Nikonov, o parlamentar convidado para o encontro de sexta-feira, minimizou o impacto do caso Snowden nas relações entre os dois países. "Há muitos escândalos de espionagem entre nossos países", disse ele. As relações futuramente voltariam ao normal, prosseguiu, apontando que os americanos nunca entregaram um desertor russo.

Todavia, os americanos insistem que Putin entregue Snowden. Na sexta-feira, o porta-voz de Obama, Jay Carney, repetiu as exigências americanas para que a Rússia o faça, dizendo: "Nós temos um histórico de cooperação no cumprimento da lei com a Rússia (...) Nós acreditamos que o sr. Snowden deve ser expulso da Rússia e volte para os Estados Unidos". O presidente Obama também teria telefonado pessoalmente para Putin na sexta-feira e discutido o pedido de asilo de Snowden.

Washington também está vendo as relações russo-americanas de modo mais estreito do que Moscou neste momento. Na sexta-feira, Carney criticou a Rússia dizendo que "fornecer uma plataforma de propaganda para Snowden vai contra as declarações anteriores do governo russo de neutralidade da Rússia" e "também é incompatível com as garantias russas de que não querem que Snowden prejudique ainda mais os interesses americanos".

Risco de escalada
Fiona Hill, uma especialista em Rússia da Instituição Brookings, com sede em Washington, disse no final de junho que os russos estão "explorando ao máximo esta oportunidade para expor os Estados Unidos no campo das relações públicas globais", segundo a agência de notícias Associated Press. Isso é particularmente perigoso, disse ela, porque as relações entre os dois países estão em uma fase difícil e há um grande risco de escalada e confronto.

Também há o ultraje do Congresso americano --por parte de ambos os lados da divisão política. "Aliados supostamente devem tratar uns aos outros de modo decente", disse no final de junho o senador Chuck Schumer, democrata de Nova York, para a "CNN", "e Putin sempre parece ávido em apontar o dedo para os Estados Unidos, seja na Síria, no Irã e agora, é claro, com Snowden". Ele também previu que essas ações teriam "consequências sérias" para as relações russo-americanas.

Lindsey Graham, seu colega republicano da Carolina do Sul, soou ainda mais belicoso. "Espero que cacemos (Snowden) até os confins do mundo, o levemos à Justiça e deixemos os russos saberem que haverá consequências se protegerem esse sujeito", disse Graham para a "Fox News" no domingo.

E o que o ministro do Interior alemão, Hans-Peter Friedrich, tem a dizer sobre o assunto? Apesar de estar em Washington na sexta-feira para discutir o programa da NSA, Friedrich expressou seu apoio aos americanos e novamente tentou atenuar o ultraje em seu próprio país com as amplas atividades de vigilância da NSA --a mesma prática que Snowden tornou pública. Em uma entrevista para a "Spiegel Online" na quarta-feira passada, Friedrich disse ficar incomodado quando algumas pessoas na Alemanha criticam os Estados Unidos sem terem o conhecimento exato da situação. "Isso não é justo", disse. "Sem a informação dos Estados Unidos e a boa colaboração com as agências de inteligência, nós provavelmente não conseguiríamos prevenir ataques terroristas na Alemanha."

Friedrich se recusou a discutir o destino do delator retido na Rússia e suas negociações de asilo. Mas ele disse não acreditar que "Moscou seja o lugar onde alguém possa defender bem a liberdade e a internet".

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