Mesmo em um país tão turbulento quanto o Egito atualmente, algumas tradições transcendem as divisões mais profundas e fornecem breves períodos de calma.
Na semana passada, em meu trajeto pelo Cairo, nós vimos muito poucos carros. Os lendários congestionamentos da cidade tinham desaparecido. Era pouco depois do anoitecer. As pessoas estavam em casa com suas famílias, quebrando o jejum diário durante o Ramadã. Por algumas poucas horas preciosas, grupos rivais colocavam suas diferenças de lado.
O desafio para o Egito é tornar permanente essa pausa na turbulência, Dizer que encontrei um país dividido é declarar o óbvio. O problema é que a natureza e profundidade das divisões estão obstruindo o progresso.
A democracia exige um entendimento compartilhado de como as decisões nacionais devem ser tomadas, um grau de respeito mútuo entre aqueles que disputam o poder e uma disposição da maioria de respeitar os direitos das minorias em qualquer questão. No Egito de hoje, isso levará tempo para ser construído.
A União Europeia quer ajudar para que isso aconteça. Um Egito democrático, estável, é vital não apenas para seus 84 milhões de habitantes, mas para o Oriente Médio e o mundo, incluindo a Europa. Eu encontrei profunda desconfiança entre grupos diferentes. Para alguns, a mudança recente é um levante popular, para outros é um golpe.
Para explorar como avançar eu me reuni com os principais elementos de todos os lados: líderes do governo interino, jovens do movimento Tamarrod, representantes do Partido Liberdade e Justiça, da Irmandade Muçulmana e da sociedade civil. Nós discutimos a perspectiva de eleições serem realizadas nos próximos meses e o papel que a UE pode exercer em ajudar a monitorar e observar essas eleições.
Como então o Egito pode voltar à democracia? Aqui estão seis passos que a União Europeia está pronta a apoiar.
O Egito precisa de um processo político inclusivo. As pessoas precisam sentir que são participantes plenas no futuro desse grande país. Todo grupo significativo deve ser incluído. Os liberais urbanos merecem ser ouvidos tanto quanto aqueles que desejam combinar as tradições islâmicas com princípios democráticos; homens e mulheres devem compartilhar a responsabilidade do governo cívico. Mas a democracia também exige o desenvolvimento de confiança, estender a mão um ao outro e, acima de tudo, entender um ao outro.
O país precisa de uma Constituição dotada de controles para assegurar o respeito pelos direitos de todos os cidadãos egípcios. Ele precisa de um governo plenamente civil.
A violência das últimas três semanas deve acabar. Controvérsia política não pode ser resolvida pela força; vidas demais já foram perdidas na busca pela democracia. Os relatos de violência sexual durante as manifestações são especialmente apavorantes.
Prisões arbitrárias e outras formas de molestamento devem parar. Elas não têm lugar em uma sociedade democrática. Os detidos, incluindo o ex-presidente Mohamed Morsi e seus principais associados, devem ser soltos e os casos criminais devem ser revistos de modo rápido e transparente. Igualmente, uma imprensa livre é vital. Jornalistas não devem ser penalizados em consequência de seu trabalho profissional, e as empresas de radiodifusão devem operar sem serem molestadas ou fechadas arbitrariamente.
Eleições livres nos próximos meses devem ser realizadas segundo esses princípios. O momento é crucial. Progresso substancial é necessário nos primeiros cinco passos para que as eleições produzam não apenas candidatos vitoriosos, mas a base para um futuro democrático e estável.
A União Europeia está dispostas a ajudar o Egito a dar esses passos; mas as decisões cabem ao povo egípcio e não a pessoas de fora. O presidente Adli Mansour e eu concordamos na semana passada que uma Constituição viva exige mais do que as palavras certas. Uma democracia profunda também precisa de uma reconciliação nacional e das instituições certas, independentes e respeitadas, que possam defender os direitos humanos e o Estado de direito.
O progresso não é apenas vital; também é urgente, e eu estou encorajada com o cronograma apresentado pelo presidente interino.
Uma cultura democrática e instituições independentes terão dificuldade para se enraizarem em meio a uma crise econômica. Hoje, os turistas foram afugentados; os investidores estrangeiros estão se contendo. No ano passado, nós estabelecemos uma Força-Tarefa UE-Egito para mobilizar a comunidade internacional, o setor privado e a sociedade civil em apoio à economia egípcia. Para que isso tenha um impacto real, e ajude a liberar o imenso potencial do país e de seu povo, o Egito deve voltar rapidamente à democracia.
Progresso político e econômico são inseparáveis e são a resposta ao clamor ruidoso durante a revolução de janeiro de 2011 por dignidade, justiça social e uma vida decente. Um clamor que ainda está reverberando por todo o Egito.
A União Europeia é uma parceira de longo prazo e uma amiga do Egito. Em todas as discussões de que participei na semana passada, eu confirmei que nosso apoio e amizade continuarão. Eu fiquei encorajada por cada grupo com que me encontrei, quaisquer que fossem suas outras diferenças, ter apreciado esse compromisso. Mas cabe aos próprios egípcios promover a transição democrática. Eles, e não nós, devem ser donos de seu futuro.
*Catherine Ashton é a Alta Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Políticas de Segurança
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário