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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Responsável por vazamento em banco suíço diz: "é fácil esconder dinheiro"

Hervé Falciani
No final de 2008, Hervé Falciani cometeu o que se acredita ter sido o mais espetacular roubo de dados bancários da história. O engenheiro de sistemas e ex-funcionário administrativo do HSBC em Genebra se mudou da Suíça para a França e levou com ele os dados de cerca de 130 mil clientes do banco anglo-asiático.

Em seguida, a ministra da Fazenda da França à época, Christine Lagarde, atual chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), entregou os dados fornecidos por Falciani a outros países. Com a ajuda dessas informações, as autoridades foram capazes de descobrir centenas de casos de evasão fiscal, incluindo aqueles que envolviam membros da família Botín, de banqueiros espanhóis. Na Grécia, os dados, que frequentemente são chamados de a "Lista de Lagarde", ficaram esquecidos e só retornaram às manchetes durante a crise da dívida do país.

Falciani, 41, também tem colaborado com as autoridades norte-americanas. Devido à força das informações fornecidas por ele, o HBSC foi obrigado a pagar uma multa no valor de US$ 1,9 bilhão aos Estados Unidos após uma comissão do Senado norte-americano descobrir que falhas nos controles de lavagem de dinheiro do HSBC tinham permitido que terroristas e cartéis de drogas tivessem acesso ao sistema financeiro dos EUA.

No ano passado, autoridades espanholas prenderam Falciani em Barcelona. Depois que um tribunal espanhol rejeitou um pedido de extradição para o franco-italiano apresentado pela Suíça, ele retornou há algumas semanas à França, onde juízes de instrução abriram uma nova investigação contra o HSBC.

A Spiegel se encontrou com Falciani perto da Place d'Italie para realizar uma entrevista. Ele estava usando barba e veio acompanhado de três guarda-costas de óculos escuros. Falciani diz que um mandado de prisão internacional expedido pela Suíça ainda pesa sobre ele.

Spiegel: Falciani, você está fugindo há anos, após ter sido acusado de violar as leis de sigilo bancário da Suíça e ter causado sérios problema para os sonegadores e os bancos. Você sente algum tipo de afinidade com o ex-funcionário da NSA (National Security Agency, a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), Edward Snowden?

Falciani: Sim, na verdade eu até tentei entrar em contato com ele. É importante que existam pessoas como Edward Snowden, que falam a verdade e apontam os problemas sistêmicos. Nós poderíamos perguntar se realmente precisamos dos serviços de inteligência, mas eu acredito que a resposta a essa pergunta seja sim. O que nós certamente não precisamos são governos nos dizendo o que é bom para nós.

Spiegel: As acusações que você apresentou são dirigidas contra o sistema bancário. Por que, então, você trabalhava nessa área?

Falciani: Eu cresci em Mônaco e, naquele ambiente, entrar para o setor financeiro era a escolha mais óbvia. Quando eu era jovem, acreditava que os bancos existiam para proteger os ativos de pessoas que tinham preocupações justificadas, como seu passado sob os regimes comunistas. No HSBC eu aprendi rapidamente que os bancos existem para fazer algo completamente diferente.

Spiegel: E o que seria isso?

Falciani: Bancos como o HSBC criaram um sistema para ficar ricos à custa da sociedade, ao ajudar na operacionalização de práticas de evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

Spiegel: No ano passado, você se deixou ser preso na Espanha por acreditar que ficaria mais seguro na prisão. Agora você está de volta à França há algumas semanas. Você se sente seguro aqui?

Falciani: O novo governo francês decidiu trabalhar seriamente comigo para lutar contra a corrupção e a evasão fiscal. Isso coloca a minha vida em risco e significa que eu preciso da proteção que o governo está me proporcionando agora.

Spiegel: O governo anterior da França não trabalhou com você?

Falciani: Não a sério. O governo anterior só estava interessado nos nomes dos clientes bancários individuais. O presidente Nicolas Sarkozy não queria combater a corrupção. Ele queria proteger os bancos.

Spiegel: Ainda assim, as autoridades da Espanha e da França condenaram vários sonegadores proeminentes com base nos dados que você entregou a elas.

Falciani: Isso é verdade, mas até agora nem 1% das informações que eu forneci foi analisado, pois as autoridades só estão interessadas nos nomes dos clientes. Mas essas informações também podem ser usadas para expor o sistema que os bancos criaram para tornar a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro possíveis. Para mim, a coisa toda sempre esteve relacionada com chamar a atenção para o comportamento dos bancos, após eu não ter conseguido mudar esse sistema a partir de dentro.

Spiegel: O HSBC nega que alguma vez você tenha apontado esses problemas enquanto trabalhava lá.

Falciani: Eu fiz, mas não adiantou nada. A maioria dos bancos suíços conta com um programa de denúncias, mas eles utilizam esses programas para punir aqueles que se valem deles.

Spiegel: Você também ofereceu suas informações para as autoridades alemãs?

Falciani: Três anos atrás, eu ofereci minha ajuda e fiz contato direto por meio de meu advogado.

Spiegel: E?

Falciani: Nada aconteceu.

Spiegel: Por quê?

Falciani: Eu me faço a mesma pergunta. Estamos falando de um total de 127 mil clientes e mais de 300 mil contas.

Spiegel: Quantos deles são da Alemanha?

Falciani: Eu não sei exatamente. Pode ser difícil conectar as contas aos correntistas, uma vez que os clientes mais inteligentes escondem suas identidades. Mas há, pelo menos, mil clientes alemães. Os dados são provenientes de agências do HSBC em Zurique, Genebra e Lugano. As agências de Zurique, em especial, atendiam os clientes alemães.

Spiegel: Por que as autoridades alemãs estariam mais abertas para trabalhar com você agora do que há três anos?

Falciani: Eu espero que elas estejam, pois a Alemanha desempenha um papel muito importante no combate à lavagem de dinheiro e à evasão fiscal. Atualmente eu estou envolvido em uma série de investigações e também poderia ser útil para os investigadores alemães.

Spiegel: Atualmente, muitos bancos suíços dizem que se envolvem apenas em práticas legais e que repelem qualquer cliente que não revele se pagou ou não os impostos devidos. Você acha que essa mudança é verossímil?

Falciani: Não, eu não acho. Apenas o fato de eles terem que enfrentar a concorrência internacional garante que os bancos continuarão oferecendo a seus clientes ricos maneiras de contornar as autoridades fiscais.

Spiegel: A Comissão Europeia quer criar um sistema automático e abrangente para a troca de informações em toda a Europa. Quão eficazes seriam essas normas para colocar um ponto final nas práticas obscuras levadas a cabo por bancos e sonegadores de impostos?

Falciani: Os bancos têm um forte instinto de autopreservação e são rápidos para se adaptar às novas regras. É fácil esconder dinheiro. O HSBC tem uma divisão de estratégia que cuida dessas coisas. Por exemplo: um banco pode atrair empresas intermediárias, às vezes em vários níveis, e fazer com que os negócios não sejam realizados por meio de contas do próprio banco. Eles oferecem aos clientes produtos não-bancários, como apólices de seguros de vida que existem com o único propósito de permitir a sonegação de impostos, ou ouro, que os bancos armazenam em seus cofres a partir do pagamento de uma taxa.

Spiegel: Que papel as agências dos bancos suíços ou os grandes credores internacionais, como HSBC, desempenham nos países de origem dos sonegadores de impostos?

Falciani: É justamente para explorar essas questões sistêmicas que as autoridades da França querem a minha ajuda. É impossível acreditar que as agências bancárias do exterior não estão envolvidas nesse sistema de sonegação fiscal. Essas agências convidam seus clientes para eventos esportivos e culturais, onde eles se encontram com intermediários que explicam como fazer o dinheiro chegar à Suíça sem ter que transportá-lo fisicamente através da fronteira.

Spiegel: Como podemos controlar esse problema?

Falciani: Isso só será possível se os governos e as autoridades de todo o mundo trabalharem em conjunto, já que os bancos também fazem uso de redes internacionais. Nós não estamos mobilizando os recursos que temos. A importância das publicações do Offshore Leaks reside no aumento da pressão para que se trabalhe em conjunto em nível internacional.

Spiegel: Os Estados Unidos adotaram medidas mais duras contra os bancos suíços. A União Europeia deve seguir esse exemplo?

Falciani: À primeira vista, isso parece ser verdade --os EUA, por exemplo, impuseram uma pesada multa contra o HSBC por lavagem de dinheiro. Mas eu fiquei surpreso ao saber que as autoridades norte-americanas decidiram que o HSBC era "grande demais para ir para a cadeia" --em outras palavras, as autoridades se esquivaram de impor sentenças de prisão para os gerentes do banco, embora seja difícil imaginar que os gerentes de nível superior não soubessem nada a respeito do envolvimento sistêmico do banco na lavagem de dinheiro.

Spiegel: Como assim?

Falciani: Apenas o software MIS Global Technologies, que possibilita a utilização de uma forma de contabilidade que emprega registros duplicados para ocultar rendimentos ilegais, custa vários milhões de dólares. Investimentos como esse são aprovados pela maioria dos gerentes seniores de um banco.

Spiegel: Você poderia descrever de maneira simplificada como funciona a lavagem de dinheiro por meio da contabilidade duplicada?

Falciani: Digamos que um chefão do tráfico mexicano possui uma conta bancária no México, recheada com milhões provenientes do tráfico de drogas. Ele também mantém uma conta zerada na Suíça. Usando esse software, o banco consegue ver o saldo da conta do traficante no México e conceder a ele um empréstimo em sua conta na Suíça no mesmo valor. Dessa forma, o dinheiro é lavado e o traficante pode até amortizar os juros desse débito de seu imposto de renda. Nós precisamos expor e combater esses sistemas. Eu gostaria de envolver mais governos nesse processo.

Spiegel: Você sempre afirmou que não aceitou nenhuma quantia em dinheiro das autoridades em troca de seus dados e seus serviços. O que você faz para viver?

Falciani: Durante todo esse período eu continuei trabalhando com pesquisa de software. Sou grato ao meu empregador por ter tornado isso possível, apesar das circunstâncias difíceis. Minha mulher perdeu o emprego quando veio à tona que eu estava trabalhando com as autoridades francesas, o que significa que agora eu preciso do dinheiro mais do que nunca.

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