Riga, capital da Letônia |
O Rietumu Bank não fica no melhor bairro de Riga. As ruas que circundam a instituição são poeirentas e um grafite rabiscado em um prédio diz: "Se Jesus voltar, nós vamos matá-lo novamente". O maior estádio de futebol da cidade --que tem uma de suas entradas voltada para um pasto-- fica bem ao lado do banco.
Esta é a cena que Ilya Suharenko, gerente do banco, visualiza a partir da janela de seu escritório incrustrado no último andar do prédio Rietumu Capital Centre. Mesmo assim, Suharenko, 30, está otimista em relação ao futuro da Letônia. Na terça-feira passada, os ministros da Fazenda da União Europeia (UE) concederam ao país báltico seu aval para que ele se junte à união monetária comum em 1º de janeiro do ano que vem. Além disso, novas leis fiscais entrarão em vigor no mesmo dia. Essas leis, diz Suharenko, vão colocar seu país "no mesmo nível que Irlanda, Malta e Chipre".
"Será um selo de qualidade para a Letônia como mercado financeiro", diz Suharenko. "O euro está chegando, e o capital o acompanhará".
Mas muitos observadores não compartilham da euforia de Suharenko. A reforma planejada por Riga foi idealizada para transformar a Letônia no próximo paraíso fiscal da zona do euro. E ela destaca o nível de divergência entre a retórica e a realidade dentro da União Europeia.
Desde que o International Consortium of Investigative Journalists (o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos ou ICIJ, pela sigla em inglês) expôs a grande extensão da evasão fiscal praticada por empresas multinacionais em todo o mundo, a Comissão Europeia transformou o combate às fraudes financeiras em prioridade. Teoricamente, pelo menos. Na prática, ocorreu exatamente o oposto. "Em vez de eliminar os paraísos fiscais já estabelecidos, nós adicionamos um novo paraíso fiscal na zona euro", disse Sven Giegold, especialista financeiro do Partido Verde que atua no Parlamento Europeu.
A taxa de juros corporativa praticada na Letônia é de apenas de 15%, muito inferior à média da União Europeia, de 23,5%. Dentro da zona euro, apenas a Irlanda e o Chipre têm taxas mais baixas: 12,5%. No entanto, os sistemas bancários de ambos os países entraram em colapso --e ambos foram obrigados a solicitar a ajuda financeira emergencial proveniente dos fundos de resgate da UE.
Ponte para paraísos fiscais
As empresas holding --ou seja, aquelas que possuem ações de outras empresas-- gozam de mais benefícios na Letônia. Desde o início de 2013, os lucros auferidos por essas empresas no exterior por meio de dividendos e vendas de ações têm sido isentos de impostos. A transferência desses lucros para fora do país também não é tributada. Além disso, a partir de 2014, as holdings letãs não terão mais que pagar impostos sobre as taxas de juros e taxas de licenciamento que elas pagam às empresas estrangeiras.
Essas estruturas permitem que estrangeiros não só enviem seu dinheiro à Letônia, mas também que eles usem o país como uma ponte para transferir dinheiro, a baixo custo, da Europa para paraísos fiscais como as Ilhas Cayman. Na verdade, a lei da Letônia vai impor ainda menos restrições, além de tarifas mais baixas, para as transferências do que aquelas vigentes em países como Malta, Irlanda, Chipre e Holanda.
Markus Meinzer, analista da Tax Justice Network, já começou a chamar a Letônia de "Luxemburgo dos pobres".
Houve casos, no entanto, em que a Letônia foi além de simplesmente oferecer uma variedade de possibilidades legais para evitar impostos. Formalmente, a Letônia melhorou suas leis relativas à lavagem de dinheiro. Mas várias lacunas ainda permanecem, de acordo com uma análise realizada pelo Moneyval, órgão do Conselho da Europa que se concentra no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades terroristas. O relatório observou que a adesão a regulamentos não é rigorosamente monitorada em todos os casos.
O resultado é que dinheiro proveniente de fontes suspeitas continua aparecendo. Em abril de 2012, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) determinou que o Parex Bank, da Letônia (que, desde então, mudou seu nome para Reverta), ajudou os militares da Costa do Marfim a contornarem as sanções internacionais. O banco se recusou a comentar as alegações. Em meados de junho deste ano, outro banco letão foi multado em € 191 mil (US$ 249 mil) por ter supostamente ajudado a lavar centenas de milhões de dólares que foram roubados do governo russo.
Motivos mais sombrios
O mercado financeiro da Letônia é atraente principalmente para os clientes da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas. Muitos clientes pessoa física e jurídica originários desses países tentam manter seu dinheiro protegido na Letônia, longe das mãos de suas elites "cleptocráticas". Outros têm motivos mais sombrios.
As ligações entre a Letônia e a Rússia sempre foram profundas. Quase todos os habitantes de Riga têm origens russas e sete voos diários ligam a cidade à capital russa. Mesmo fora de Riga, a maioria das pessoas entendem a mentalidade e o idioma russos. "Desde o início da década de 1990, a Letônia tem expandido continuamente seu status como um centro bancário regional para os antigos territórios soviéticos", diz Tatiana Lutinska, da Prime Consulting, escritório de advocacia instalado na sede do Rietumu Bank e que administra holdings de clientes estrangeiros.
Graças às taxas de juros mais baixas e ao euro, o interesse está aumentando ainda mais, afirma Lutinska. "Estamos recebendo centenas de consultas da Rússia, de Belarus, do Cazaquistão e da Ucrânia. Muitos querem transferir seu dinheiro do Chipre para a Letônia. Atualmente nós estamos numa situação melhor do que a do Chipre", diz ela.
Outros também estão tentando lucrar com a atmosfera de medo que tem rondado o Chipre. No final de março, o Privacy Management Group, agência offshore com sede no Chipre, ofereceu condições especiais aos clientes que quisessem abrir uma nova conta na Letônia. A oferta foi feita bem no momento em que a crise bancária estava eclodindo na nação-ilha do Mediterrâneo. Na época, Nicósia foi obrigada a fechar os bancos do país durante 12 dias para evitar que grandes quantidades de dinheiro fossem transferidas para o exterior.
No momento, há pouca preocupação com a saúde financeira da Letônia. No final do ano passado, os balanços dos bancos do país equivaliam a apenas 128% do Produto Interno Bruto (PIB) letão. A média na UE é de 359%.
Sistema financeiro estável?
Mas, com as taxas de juros mais baixas e a iminente adesão à zona do euro, essa situação poderá mudar em breve. "A cota de taxas pagas à Letônia pelos paraísos offshore aumentou consideravelmente nos últimos anos", disse Meinzer, da Tax Justice Network. "E essa tendência provavelmente se manterá". Suharenko, o gerente do Rietumu Bank, espera que "pelo menos 10% do capital investido no Chipre venha para a Letônia" nos próximos três anos.
A UE, por sua vez, escreveu em seu Relatório de Convergência sobre a Letônia, divulgado no início de junho, que o sistema financeiro do país é estável. O primeiro-ministro letão, Valdis Dombrovskis, também tem buscado acalmar as preocupações em relação ao país. "A nova lei fiscal foi introduzida a fim de reforçar a competitividade de nosso mercado financeiro, mas ela definitivamente não vai gerar um enorme afluxo de capital", disse Dombrovskis recentemente em uma entrevista à Spiegel Online. "A lei não entra em conflito com os critérios de estabilidade da zona euro".
Na realidade, no entanto, os critérios de estabilidade não exigem uma análise dos riscos representados pelo modelo fiscal letão, apesar dos problemas enfrentados pelo Chipre. "É um erro que os países-membros da zona do euro analisem apenas a inflação e a saúde das finanças públicas quando novos países são admitidos na união monetária", disse Giegold, do Partido Verde.
Ele exige que as leis dos países da UE sigam as normas da zona do euro. Mas essa exigência não parece ser algo realista. Enquanto países como Luxemburgo, membro-fundador da zona do euro, continuarem defendendo seus próprios mercados financeiros, paraísos fiscais continuarão sendo admitidos na área da moeda comum. E eles continuarão representando um risco ainda maior para a já combalida moeda europeia.
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