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terça-feira, 16 de julho de 2013

Mursi ainda governa em uma "cidade" do Egito

Há um lugar no Cairo onde Mohammed Mursi continua sendo presidente do Egito, no qual o golpe de Estado de 3 de julho não aconteceu e ao qual não chega, por enquanto, a mão do poderoso exército do país.

Milhares de pessoas abandonaram a comodidade de sua vida cotidiana para viver mal em tendas de campanha, em condições insalubres, sob um sol abrasador e refugiadas no último reduto do país onde o islamismo governa como quer. Os homens não se misturam com as mulheres, todas cobertas por véus. As orações são observadas com rigor. O jejum do Ramadã é uma imposição. E o rosto de Mursi aparece em uma infinidade de cartazes. Por ele se concentraram essas pessoas, que prometem manter de pé esse reduto em torno da mesquita de Raba al Adawiya, no bairro de Cidade Nasser, até que lhe seja devolvida a presidência que ganhou nas urnas.

A promotoria anunciou no domingo, em um comunicado, que está investigando o presidente deposto depois de receber denúncias de espionagem, incitação à violência e graves danos à economia do país. Essas alegações só intensificam a idolatria a Mursi entre os islâmicos acampados.

"Essa gente não vai embora até que Mursi retorne. Não é negociável", explica Safwat Hegazy, um popular pregador, famoso por sua leitura radical do islamismo, que também dorme nesse recinto. "Os militares querem nos isolar, mas isto não vai ficar como um reduto. Faremos um esforço para crescer e expandir esse protesto a todo o país", acrescenta. "Queremos ser incômodos."

O exército guarda de maneira intermitente os principais acessos a esse acampamento. Dependendo do dia, há mais ou menos veículos blindados, que se mantêm a uma distância prudente. Soldados tensos vigiam de longe. Diante deles, a milícia da Irmandade Muçulmana guarda o acampamento com primitivas barricadas de pedras e grades. O contraste é notável. Frente aos fuzis dos militares, os islâmicos se defendem com capacetes de motociclistas, coletes feitos com tapetes, paus e correntes. Contra o gás lacrimogêneo, se abasteceram de cebolas. Todos os que entram no recinto devem mostrar sua identificação e são registrados, com acessos separados para homens e mulheres.

"Nossa missão principal é proteger as pessoas que vivem aqui perto da mesquita", explica Mohsen Abdul Monem, 31 anos, que abandonou seu trabalho em uma companhia de petróleo para viver com sua mulher e seu filho de um ano nesse acampamento, onde estão há 17 dias. Protege-se com um capacete de obras e um tubo de metal cortado. "Por aqui passa muita gente, e a principal ameaça são os bandidos que vêm do outro lado para nos agredir e gerar violência, com a intenção de nos deslegitimar", diz.

Como ele, milhares de pessoas abandonaram seu trabalho e seus lares, deixando suas vidas entre parênteses. Mohamed Mansur, engenheiro agrícola de 48 anos, trouxe sua mulher e quatro filhos, com os quais dorme embaixo de um tecido. "É o mínimo que podemos fazer para defender a legitimidade do presidente", diz. As condições não são fáceis. Os banhos são raros. A água potável também. É difícil manter a higiene. O termômetro costuma marcar mais de 33 graus. Alguns médicos que trabalham no lugar admitem ter visto casos de piolhos e sarna, próprios de locais insalubres.

O hospital de campanha que foi montado ao lado da mesquita para tratar doenças leves como insolações se viu transbordado desde segunda-feira passada, quando um ataque militar e policial deixou 55 islâmicos mortos e 435 feridos. Muitos passaram por essas macas, incluindo 15 dos mortos. "Foi um dia muito duro. Não estávamos preparados", admite Alaa Mohamed, que aos 22 anos trabalha como radiologista em um hospital do Cairo. "Um paciente tinha o crânio perfurado. Uma mulher veio com 70 estilhaços de chumbo, vários deles nos pulmões. Um menino de nove anos chegou com um ferimento de bala na perna", acrescenta.

O exército pôs em dúvida que naquele ataque de segunda-feira, em um protesto diante do quartel da Guarda Republicana, onde o exército mantém Mursi, houvesse mulheres e crianças feridas. Neste hospital de campanha, a professora universitária Ahlem Ibrahim, 45, mostra suas radiografias. É a mulher dos 70 chumbos. Na imagem feita com raio-X se veem pelo menos cinco buracos no pulmão. O mero fato de mover-se em sua cadeira de rodas faz que lhe saltem as lágrimas. "Eu caí no chão e ali me atingiram", diz. "Então tossi sangue. Não podia me mexer com a dor. Um soldado me disse que ou eu saía ou acabaria comigo. Se nos fizeram isso quando estávamos rezando, o que não farão para nos expulsar daqui?", acrescenta.

Outra das imagens símbolo do acampamento de Raba al Adawiya é a dos 55 islâmicos que morreram naquele ataque. Seus rostos, muitos deles destruídos, aparecem em cartazes sangrentos e foram impressos sob o lema "mártires" nas capas do jornal publicado pelo partido político da Irmandade, que é o jornal de cabeceira neste acampamento. Em um comunicado, o exército advertiu depois daquele incidente que não vai tolerar as ocupações nem o bloqueio de ruas durante muito mais tempo, e aconselhou os islâmicos a voltar já à normalidade. Aquela ameaça só acendeu ainda mais os ânimos neste acampamento.

Já existe toda uma economia construída no campo, com barracas de roupas, postos de alimentos e vendedores de periódicos. E há uma hierarquia, caudilhos que marcam a pauta e decidem como atuar. São os líderes da Irmandade Muçulmana e seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça (PLJ).

Há apenas 11 dias governavam o país, como ministros e altos funcionários públicos. Hoje, vivem e dormem junto de seus seguidores mais fiéis. "Os poderes do antigo regime, o dos 30 anos de Hosni Mubarak, nos tiraram do poder, mas para eles será difícil nos fazer desaparecer", diz Osama Yassin, que foi ministro da Juventude de Mursi e que também vive em Raba al Adawiya.

Aqui se encontram, protegidos do resto dos acampados, a mulher de Mursi e seus cinco filhos. Também se refugiaram perto da mesquita o líder supremo da Irmandade Muçulmana no país, Mohamed Badie. Nem ele nem os demais líderes da Irmandade podem abandonar o local, pois sobre eles pendem ordens de detenção emitidas pela promotoria, que quer levá-los a julgamento por incitação à violência em vários confrontos com as forças da ordem.

"Temos um presidente sequestrado e uma perseguição a toda regra", afirma Mohamed Beltagy, secretário-geral do PLJ, contra quem também pende uma ordem de prisão. "A razão de nossa presença aqui é muito simples. Queremos lembrar ao mundo que no Egito houve um golpe de Estado militar. E o justo é restaurar a ordem que havia antes."

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