Cercado por uma faixa de gramado, o prédio cor de areia se ergue por trás de uma muralha com lanças. Quando o escritório de representação dos talebans afegãos em Doha (Qatar) abriu suas portas em 18 de junho, a foto do prédio divulgada pelo mundo inteiro causou sensação: o complexo tinha todo um resplandecente ar de embaixada, conferindo ao movimento rebelde afegão uma legitimidade internacional à qual ele vinha aspirando há uma boa década.
Três semanas após uma cerimônia de inauguração realizada com grande pompa, voltou-se à estaca zero. Os talebans anunciaram, na terça-feira (9), que fechariam "provisoriamente" sua representação de Doha, onde deveria ser esboçado um processo de discussões entre os americanos e o regime afegão de Hamid Karzai assistidos por Qatar.
A suspensão das atividades do escritório taleban formalizou o fiasco que foi a tentativa abortada de abrir negociações de paz sobre a questão do Afeganistão. Mais de 11 anos após a intervenção militar internacional precipitada pelos atentados do 11 de setembro, a esperança de um acerto pacífico do conflito continua cada vez mais no limbo. O aumento no número de ataques rebeldes como parte da ritual "ofensiva de primavera" --incluindo até ataques de impacto em Cabul-- contribui para o impasse político.
Quando foi aberto o escritório taleban em Doha, os americanos, que vêm pedindo negociações enquanto retiram suas tropas do palco afegão, haviam conseguido da cúpula do movimento insurgente uma concessão considerada crucial em Washington: a promessa de não "autorizar ninguém a usar o solo afegão para formar uma ameaça contra outras nações".
Em suma, os talebans prometiam que, caso eles voltassem às suas responsabilidades em Cabul, eles não repetiriam o erro que lhes custara o poder em 2001: abrigar um movimento como a Al Qaeda, que planejava atentados no exterior.
Hamid Karzai, "um fantoche dos ocupantes"
Tal comprometimento poderia ser o presságio da abertura de um processo de paz --ainda que os americanos tenham fracassado em obter um repúdio formal da Al Qaeda--, mas o caso logo se deparou com um grande obstáculo. Os talebans rejeitam qualquer legitimidade ao regime de Hamid Karzai. Eles só querem conversar com os americanos, uma vez que o chefe do Estado afegão instalado após 2001, para eles, não passa de "um fantoche dos ocupantes".
Foi essa pretensão de serem os detentores exclusivos da soberania afegã que minou o estabelecimento de contatos preliminares em Doha. Durante a cerimônia de 18 de junho, os emissários talebans içaram a bandeira taleban e apresentaram o prédio inaugurado como sendo o do "escritório do Emirado Islâmico do Afeganistão", ou seja, o nome que o regime taleban deu a si mesmo (1996-2001).
Embora inicialmente ele tenha comemorado a abertura desse escritório, Karzai não apoiou a exibição de tais atributos de soberania e logo decidiu boicotar o processo esboçado em Doha. A indisposição do presidente afegão é no mínimo constrangedora para Washington, que sempre insistiu no caráter "inter-afegão" dos contatos no Qatar. Agora que os talebans estão fechando --ainda que "provisoriamente"-- a única janela política que eles abriram para o mundo, o processo de paz parece ter mesmo empacado.
Todavia, esse bloqueio não impedirá os americanos e os talebans de permanecerem em contato. Se até o momento continua difícil de se encontrar uma metodologia das negociações de paz, as duas partes ainda têm o que conversar. Na pauta figuram, entre outros, difíceis negociações sobre uma troca de prisioneiros.
Os talebans exigem a libertação de cinco de seus membros detidos em Guantánamo. Já Washington procura trazer de volta um soldado americano sequestrado em 2009 pelos talebans, Bowe Bergdahl, hoje provavelmente preso nos santuários insurgentes da zona tribal paquistanesa do Waziristão do Norte. Os canais explorados em Doha poderiam se revelar úteis.
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