quarta-feira, 20 de março de 2013
Proibição do véu em região da Rússia revolta população muçulmana
As meninas da família Salikhov vivem perto da fronteira da Rússia com a Geórgia e o Azerbaijão. A rua delas é suja, pontuada por poças d"água e ovelhas, e sua casa não tem água potável nem saneamento básico. Elas esperavam que este seria o ano em que as autoridades locais concluiriam as instalações para abastecer as casa com gás natural.
Em vez disso, elas se encontraram no centro de um novo debate sobre religião na Rússia.
Quando os funcionários da escola local --situada no extremo leste de Stavropol, região esparsamente povoada-- anunciaram que as meninas que usam hijab (espécie de véu que cobre toda a cabeça e os cabelos das mulheres islâmicas) não poderiam mais frequentar escolas do governo, os Salikhov tiveram que fazer algumas mudanças.
Raifat, 15, chorou com a notícia de que ela seria enviada para estudar na região vizinha do Daguestão. A sobrinha de Raifat, Amina, 10, começou a ter aulas particulares com uma professora, em vez de frequentar as aulas na escola primária regional. A irmã de Amina, Aisha, 5, ainda não sabe que sua vida mudou. Em uma manhã recente, ela estava sentada à mesa da cozinha colorindo figuras.
A proibição ao hijab em Stavropol --a primeira restrição ampla a ser imposta por uma região da federação russa-- enfrentará a primeira ação judicial contrária a sua instituição na próxima quinta-feira (21). A medida foi implantada em meio às crescentes tensões étnicas que colocaram o Kremlin diante de um problema: o presidente Vladimir V. Putin conseguiu conter a violência separatista no norte do Cáucaso em parte devido à concessão de subsídios e de ampla autonomia para os territórios da região, predominantemente muçulmana. Mas, agora, o Kremlin precisa lidar com o crescente ressentimento na maioria das regiões étnicas da Rússia, como Stavropol, que fica às margens da região montanhosa do Cáucaso.
Quando uma severa diretora de escola russa, que atua em uma das aldeias pobres da região, disse que não iria mais aceitar meninas usando hijab no ambiente escolar, ela se tornou uma espécie de heroína para muitos em Stavropol. Os líderes regionais a apoiaram e introduziram um uniforme que não permite que as meninas usem nenhum tipo de cobertura na cabeça --restrição que afeta uma população de aproximadamente 2,7 milhões de pessoas. Segundo as estatísticas oficiais, cerca de 10% dos residentes dessa região são muçulmanos, embora o percentual real possa ser o dobro devido aos imigrantes não registrados, informou o International Crisis Group.
Ali Salikhov, pai de Amina, disse que não vai se intimidar nem ser levado a mudar seu ponto de vista em relação ao uso do hijab.
"Se eles pensam que devido a essas mudanças, mudanças que vão afetar a minha filha, eu vou me esquecer da minha religião, eu digo a eles que não, não vou me esquecer. A religião é o objetivo da minha vida", disse. "Durante 70 anos, eles nos ensinaram que Deus não existia, mas isso passou. E essa história também vai passar. Dentro de 20 anos eles vão ter esquecido que o hijab já foi proibido na Rússia".
Há pessoas influentes do lado de Salikhov. Um advogado-celebridade da vizinha Chechênia concordou em representar quatro pais de filhas que foram banidas da escola. O advogado argumenta que, sob a lei russa, apenas as autoridades federais podem restringir o direito constitucional dos cidadãos à liberdade de prática religiosa.
Para Murad Musayev, o advogado-celebridade, a proibição ao hijab adotada em Stavropol é uma tentativa de incitar tensões entre grupos que têm vivido juntos e em paz há anos --talvez com a intenção de estabelecer uma fronteira étnica na região do leste de Stavropol.
"Quando discutimos o aspecto social do problema com o hijab, um de nossos oponentes disse: "Deixe essas pessoas voltarem para a sua pátria histórica, para a sua terra natal do hijab e deixe-as usar hijab lá", disse ele. "Essa é uma opinião bastante comum na Rússia", afirmou o advogado.
Para começo de conversa, é raro ver hijab nessa região da Rússia, o que pode explicar por que Marina Savchenko, a diretora da Escola nº 12, localizada na aldeia de Kara-Tyube, decidiu usar sua autoridade para instituir a proibição.
Russos de outras etnias vêm deixando a região das estepes há anos, principalmente por razões econômicas --assim como fizeram os jovens do grupo étnico Nogay, que pratica uma forma moderada do Islã. Os Dagestanis, que estão substituindo os Nogay, são mais conservadores, embora apenas um punhado de meninas de algumas aldeias costumasse usar hijab para ir à escola.
No entanto, com o avanço do espírito conservador e pró-igreja na Rússia, os telejornais nacionais destacaram a história de Stavropol --e mostraram um funcionário público local guiando uma criança com hijab de volta ao ônibus escolar que a levaria de volta para casa.
"Esta é uma instituição educacional. Vestimentas formais, trajes seculares devem ser usados aqui", disse Savchenko a uma equipe de reportagem. "É só isso. Esse não é um tema para debates".
Ela foi aplaudida por funcionários públicos que trabalham em Stavropol, região cuja população é formada por 81% de russos étnicos e ainda é considerada território cossaco tradicional por muitas pessoas. Quando a diretora relatou ter recebido telefonemas ameaçadores provenientes do Daguestão, organizações nacionalistas se ofereceram para garantir sua segurança. Ela deixou a aldeia logo depois do ocorrido.
Mas, a essa altura, a decisão da diretora já havia alcançado proporções nacionais. Tanto que Putin falou sobre o tema em sua sessão anual de perguntas e respostas na TV, transmitida em dezembro passado. Ele ficou do lado da diretora.
"Não há hijab em nossa cultura e, quando eu digo "nossa", quero dizer o nosso Islã tradicional", disse Putin. "Estadistas respeitados e competentes do mundo islâmico também dizem que isso não deve ser feito. Devemos adotar tradições estrangeiras? Por que deveríamos fazer isso?"
A notícia sobre a decisão da proibição ao hijab em Stavropol já se espalhou por outros grupos étnicos muçulmanos, incluindo aqueles que nunca adotaram o hijab. Anvar Suyunov, que pertence ao grupo étnico Nogay, de Kara-Tyube, disse que o edital tocou em "uma questão muito complicada de autodeterminação" e que o tema pode gerar rachas perigosos.
"Essa é uma ideia estúpida, pois eles podem despedaçar o país com isso", disse. "Toda ação tem uma reação."
Na casa de Salikhov, os homens também estavam discutindo a decisão, sentados em almofadas no chão. Ali Salikhov se lembra das estranhas conversas que aconteceram durante o outono, quando os responsáveis pela administração local disseram que a proibição era uma medida de segurança. Eles disseram que, se alguém puxasse o hijab de Amina, por exemplo, ela poderia ser estrangulada.
Salikhov, cujos pais se mudaram para a aldeia de Levopadinsky durante o período final da era soviética, disse que não considera necessário que uma mulher muçulmana tenha "muito conhecimento", pois, em última análise, ela "vai ser dona de casa e cuidar de seu marido". Mas não lhe agradou a ideia de enviar Raifat, sua irmã de 15 anos, para o Daguestão, onde o hijab é permitidos, mas a qualidade do ensino é inferior. Raifat venceu uma olimpíada acadêmica local, disse ele.
"Ela não queria ir embora", disse na cozinha Maria Salikhova, a mulher de Salikhov. "Ela ficou triste, e as outras meninas também ficaram tristes. Elas disseram: "Fique aqui com a gente". Mas ela já estava crescendo. Ela não podia mais tirar o hijab nem mesmo dentro de casa", suspirou Salikhova.
Do lado de fora da residência de Salikhova, o degelo da primavera transformou a rua em uma confusão lamacenta e quase intransponível. A dona de casa disse que há alguns anos o ônibus escolar já não fazia questão de passar por sua rua e nem chegava até o ponto onde o calçamento de concreto termina. Por isso, as crianças tinham que andar cerca de 400 metros em meio à lama e à neve.
Ali Salikhov disse estar começando a sentir que as autoridades estão criando problemas na aldeia na esperança de que ele e sua família deixem o local e retornem para o Daguestão, abandonando o território de Stavropol.
"Eles deveriam aprovar uma lei dizendo: "Não venha para cá", disse ele. "Pelo menos dessa forma eu saberia que estou violando a lei".
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