Sul-coreanos protestam contra exercícios militares feitos no país pela Coreia do Sul e pelos Estados Unidos |
A Península Coreana está entrando em um período difícil e muito perigoso. Tropas sul-coreanas e americanas estão no momento realizando exercícios de treinamento em grande escala. A Coreia do Norte também está planejando manobras militares e ameaça abandonar o Acordo de Armistício de 1953, que manteve uma tampa sobre as tensões ferventes entre as Coreias do Sul e do Norte por quase 60 anos.
A retórica de Pyongyang atingiu um novo nível de beligerância, ameaçando ataques contra os Estados Unidos com suas crescentes capacidades de mísseis e armas nucleares. Essas ameaças são muito maiores do que as capacidades reais da Coreia do Norte, mas provocam respostas estridentes dos conservadores, tanto em Seul quanto em Washington, e comentários duros de nossos líderes militares.
Eu estive em Seul há poucos dias e ouvi os pedidos dos conservadores no Parlamento para reintrodução de armas nucleares táticas americanas na Coreia do Sul. Como embaixador americano em Seul no início dos anos 90, eu trabalhei para que essas armas fossem removidas da Coreia do Sul, como foi feito em 1991. Um programa secreto de armas nucleares foi iniciado por Seul em meados dos anos 70, mas ele foi descoberto e suspenso pelos Estados Unidos. Mas, agora, pesquisas de opinião recentes mostram que a maioria dos sul-coreanos defende o desenvolvimento de armas nucleares por Seul.
Em uma conferência na Universidade Yonsei sobre as relações entre os Estados Unidos e a Coreia, onde falei em 4 de março, o ex-ministro das Relações Exteriores Song Min-soon fez uma defesa eloquente do diálogo com Pyongyang. "Nós temos que fazer algo. Não fazer nada é perigoso. Um colapso na Coreia do Norte criaria novos problemas imensos. As negociações devem começar. Tragam a China para nos ajudar. Se as negociações com o Vietnã e Mianmar promoveram mudanças, por que não tentar com a Coreia do Norte?"
Em 5 de março, eu também me encontrei com Moon Jae-in, o candidato liberal à presidência recém-derrotado. Ele disse que teria interesse em ajudar a presidente Park Geun-hye a tentar um diálogo com Pyongyang, caso ela opte por esse caminho.
Em uma reunião no mesmo dia, o novo ministro das Relações Exteriores sul-coreano, Yun Byung-se, me disse que a presidente Park espera implantar sua política de "Trustpolitik" em relação à Coreia do Norte, mas que ela precisa responder de alguma forma à mais recente onda de beligerância de Pyongyang. Ele disse que a presidente Park batizou deliberadamente sua política segundo a bem-sucedida "Ostpolitik" de Willy Brandt e a "Nordpolitik" do ex-presidente Roh Tae-woo, que fez com que a Coreia do Sul fosse reconhecida diplomaticamente pela Rússia e pela China, lhe permitindo o ingresso na ONU.
Eu também conversei com o representante em Seul da Fundação Friedrich Ebert da Alemanha, que acabou de voltar de visitas à Coreia do Norte e à China. No Korvo Hotel em Pyongyang, ele disse que viu faixas enormes descrevendo mísseis norte-coreanos atacando os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que Dennis Rodman e outros membros dos Harlem Globetrotters --se destacando no saguão do hotel-- eram centro de uma atenção amistosa. Ele também disse que os norte-coreanos no Ministério das Relações Exteriores permanecem interessados em um maior contato com o mundo exterior, apesar das declarações estridentes de alguns de seus compatriotas. Ele disse que os chineses com os quais conversou em Pequim estavam apreensivos com a imposição de mais sanções sobre a Coreia do Norte, um sentimento repetido em Nova York pelo embaixador chinês na ONU, que pedia por "calma" após a aprovação de um novo pacote de sanções na quinta-feira.
O antecessor linha-dura da presidente Park, Lee Myung-bak, legou uma situação tensa a sua sucessora. Perto do final de sua presidência, ele pressionou por sanções adicionais da ONU, cuja aprovação no mês passado precipitou o terceiro teste nuclear da Coreia do Norte. As mais recentes sanções foram uma resposta a esse teste, e as novas ameaças da Coreia do Norte vieram em retaliação imediata. O que acontecerá a seguir?
Kim Jong-un, o jovem líder norte-coreano, está sendo submetido ao que poderia ser chamado de "ritual de satanização" pelos críticos em Seul e Washington. O establishment de Washington está depositando sobre os ombros dele tudo o que seu pai e avô fizeram, ignorando a possibilidade de que ele esteja buscando a validação de uma nova abordagem para a liderança de Pyongyang. Até o momento, a única reação positiva significativa que ele recebeu foi o cancelamento pela Rússia da dívida multibilionária da Coreia do Norte.
Eu acredito que Kim Jong-un esteja buscando um diálogo sério com Washington, mas que ele buscará um status pleno de armas nucleares para a Pyongyang a menos que seja convencido de que os Estados Unidos não desejam mal a ele e ao seu país. Eu levo a sério a mensagem que Kim Jong-un transmitiu ao presidente Obama por meio de Dennis Rodman: "Ele quer que Obama faça apenas uma coisa: telefone para ele", disse Rodman a um entrevistador na TV após retornar aos Estados Unidos. Ele citou o líder norte-coreano como tendo dito: "Eu não quero uma guerra".
Não se deve esperar que o presidente Obama pegue seu telefone, dada a forma como a mensagem foi entregue. Mas ela não deve ser ignorada. O secretário de Estado, John Kerry, que se encontrou com os norte-coreanos em março do ano passado em Nova York, ainda está formando sua equipe para a Ásia. Em um discurso recente na Universidade da Virgínia, ele repetiu o que ele disse aos norte-coreanos há um ano: os Estados Unidos são um país "sem inimigos permanentes". Eu espero que as aberturas dele para a Ásia como secretário de Estado reflitam plenamente essa crença.
A presidente Park teve coragem de visitar Pyongyang em 2001, apesar de um agente comunista ter matado sua mãe, Yuk Young-soo, em 1974, em uma tentativa fracassada de assassinar seu pai, o presidente Park Chung-hee. Em 2002, quando a parabenizei por ir a Pyongyang, ela respondeu: "Nós temos que olhar para o futuro com esperança, não para o passado com rancor." Eu espero que a "Trustpolitik" dela surja em breve, e que seja bem-sucedida.
*Donald P. Gregg, o embaixador americano em Seul de 1989 a 1993, é presidente do Pacific Century Institute
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