Rei Juan Carlos da Espanha manda Chávez se calar durante a XVII Conferência Ibero-Americana |
O governo espanhol mediu muito bem suas palavras sobre Hugo Chávez. No comunicado divulgado na quarta-feira (6) pelo Ministério das Relações Exteriores, o chefe de Estado venezuelano era qualificado como um "personagem político que teve grande influência na Ibero-América".
Quase nos mesmos termos se expressou o primeiro-ministro Mariano Rajoy em seu telegrama de pêsames: com Chávez, disse, "desaparece uma das figuras mais influentes da história contemporânea da Venezuela". A influência pode ser positiva, mas também negativa.
O rei Juan Carlos, em seu telegrama de condolências, chegou quase ao limite do elogio ao salientar a "dedicação" de Chávez a seu país, enquanto o chanceler José Manuel García-Margallo escolheu um termo mais inócuo: qualificou-o de "personagem singular".
Não é segredo que o Partido Popular (PP) está nas antípodas ideológicas do líder bolivariano, mas inclusive na etapa de Zapatero as relações não foram fáceis. Apesar disso, trata-se de um país muito importante para a Espanha, tanto por razões econômicas (a balança comercial gira em torno de 3 bilhões de euros) como humanas (mais de 150 mil espanhóis residem na Venezuela).
Essa ambivalência se refletiu nas dúvidas sobre quem representará a Espanha no funeral em Caracas, mas a presença de quase todos os presidentes ibero-americanos inclinava a balança por uma delegação de máximo nível, encabeçada pelo príncipe (diante da impossibilidade de o rei viajar) ou por Rajoy. Não há precedentes recentes da morte de um chefe de Estado ibero-americano na ativa, por isso La Moncloa [palácio do Executivo] e o Ministério das Relações Exteriores discutiam como preencher esse vazio protocolar.
Os telegramas do rei e de Rajoy, contudo, coincidiram no destinatário: o vice-presidente Nicolás Maduro, o que significa que não se questiona a sucessão à frente do Estado bolivariano, apesar de a Constituição venezuelana apontar outra coisa.
O ministro das Relações Exteriores, que assinou o livro de condolências na embaixada venezuelana em Madri, apostou que a transição se desenrolaria "com tranquilidade, serenidade e paz" e salientou a vontade de estreitar relações bilaterais.
Depois da chegada do PP ao poder, e em boa parte devido à longa doença de Chávez, essas relações estiveram congeladas. A primeira entrevista entre Margallo e seu homólogo venezuelano, Elías Jaua, ocorreu em janeiro, em Santiago, no Chile, por motivo da cúpula entre a União Europeia e a América Latina.
Os ministros decidiram, naquele encontro, retomar as relações bilaterais e "resolver os contenciosos ainda pendentes", entre os quais figuravam a repatriação dos lucros das empresas espanholas com investimentos na Venezuela (agravado pela desvalorização do bolívar) e o histórico conflito da desapropriação de fazendas de espanhóis. O primeiro passo dessa nova etapa seria a visita que o secretário de Estado para a Ibero-América, Jesús Gracia, faria em 18 de março a Caracas --e que a morte de Chávez deixa no ar.
Ficou para trás, em todo caso, a atormentada etapa do mandato de José María Aznar, o qual Chávez culpava por ter apoiado o golpe de Estado que tentou derrubá-lo em 2002. Foram exatamente suas críticas a Aznar que levaram o rei a espetar o venezuelano com o pouco diplomático "Por que não se cala?" na cúpula de Santiago, em 2007. Embora o incidente parecesse marcar um ponto de ruptura entre os dois países, a tensão se dissolveu quando, oito meses depois, o rei recebeu Chávez em Palma de Mallorca, entre brincadeiras e risos.
Não se dissiparam os problemas de fundo, como a negativa da Venezuela a extraditar membros da ETA residentes no país, como Arturo Cubillas, ou as suspeitas de colaboração entre a ETA e a guerrilha colombiana Farc. Isso não impediu que a Venezuela comprasse oito navios militares por 1,2 bilhão de euros, em uma das operações mais rentáveis para os estaleiros espanhóis.
Não é o único paradoxo. Chávez foi um precursor das nacionalizações, mas a empresa de petróleo espanhola Repsol operou sem problemas na Venezuela.
Chávez foi, nas palavras de Margallo, um personagem singular do qual o governo espanhol não sentirá falta.
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