O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai (esq.) vista a China que hoje é presidida por Hu Jintao (dir.) |
É um novo rumo de imensas consequências geopolíticas. A China não faz mais mistérios sobre suas ambições no Afeganistão. A cada mês, Pequim confirma seu papel crescente no cenário afegão, agora que um Ocidente extenuado iniciou sua retirada militar do país, abrindo assim um vazio que pede para ser preenchido.
A viagem a Cabul feita por Zhou Yongkang, no dia 22 de setembro, acaba de ilustrar ruidosamente essa mudança estratégica. Zhou Yongkang não é qualquer um: ele é membro do comitê permanente do escritório político do Partido Comunista Chinês (PCC), sagrado para o regime. Em 46 anos, foi a primeira visita ao Afeganistão feita por um dirigente chinês de tão elevado escalão. A mensagem é clara.
Zhou é ao mesmo tempo o “super-tira” do regime chinês e um ex-dirigente de companhia petrolífera. Seu perfil resume a dupla preocupação de Pequim com o Afeganistão: a segurança e os hidrocarbonetos.
Num momento em que as tropas da Otan iniciaram seu desengajamento do Afeganistão, que terminará no final de 2014, os chineses estão inquietos. Eles temem a volta de um caos que favoreça a agenda jihadista, que pode repercutir entre os uigures muçulmanos da região de Xinjiang, já agitada com ressentimentos contra o jugo de Pequim. Essa é a prioridade da China em matéria de segurança nacional em suas margens da Ásia central.
Essa preocupação havia levado os chineses, após o 11 de setembro, a aprovarem a campanha militar americana que derrubou o regime dos talebans (1996-2001), regime este que já havia abrigado militantes uigures islamitas. Mas seu apoio não passou do estágio de um sinal verde diplomático da ONU. Ela não assumiu nenhuma forma militar. Pensando no futuro, os chineses bem que evitaram aparecer associados à armada americana, diferentemente dos russos, que concederam alguns favores logísticos em sua zona de influência.
O cuidado valeu a pena. Esse "não-intervencionismo" preservou a China de qualquer ressentimento local, colocando-a hoje em posição de avançar seus peões.
O país embolsou, nos últimos anos, impressionantes contratos de exploração de cobre (Logar) e de petróleo (bacia de Amu Darya) que fazem dele o maior investidor estrangeiro no Afeganistão. Esse avanço preocupou os indianos, que por sua vez estão se mobilizando para entrar nesse cenário. E também criou um polêmico debate entre os americanos, sobretudo no Pentágono. A disputa é entre duas vertentes: há os pessimistas, que acham muito injusto que os chineses levem tudo depois de tanto sangue americano já ter corrido (dois mil mortos); e há os realistas, que acreditam que os planos econômicos chineses ajudam a consolidar o Estado afegão, e, portanto, a evitar a volta de um regime taleban em Cabul - fato que serve ao interesse americano no final das contas.
Mas, a longo prazo, o custo para os ocidentais dessa extensão da “pax sinica” [paz chinesa] ao Afeganistão poderia ser elevado. Isso porque Pequim, fora a economia, tem se interessado cada vez mais pela política afegã. Ao passo que as tentativas americanas de “reconciliação” com a insurreição dos talebans foram interrompidas bruscamente, os chineses têm sido cada vez mais ativos nessa busca por um acordo de paz.
O grande trunfo chinês é a influência que o país exerce sobre o Paquistão, aliado histórico usado para enfraquecer a Índia desde a guerra sino-indiana de 1962. Como o Estado-Maior taleban afegão se refugiava no Paquistão, os chineses poderiam com o tempo ter sucesso onde os americanos fracassaram: levar os líderes da rebelião à mesa de negociação.
O outro canal do ativismo diplomático chinês é a Organização de Cooperação de Xangai, um fórum regional inspirado por Pequim para ampliar sua influência sobre a Ásia central. Não seria surpreendente que iniciativas maiores para o Afeganistão fossem criadas em breve como parte da organização à qual Cabul está destinada a se integrar cada vez mais economicamente.
Nesse cenário, a fórmula política que surgiria pode ser bem diferente daquela sonhada pelos americanos e seus aliados ocidentais. Isso porque se a China não simpatiza com um regime como o do taleban, é unicamente por causa da potencial ameaça que ele traz à segurança de suas fronteiras. A ideologia não importa. Um regime religioso ultraortodoxo, mas curado das tentações de uma jihad expansionista, conviria facilmente aos chineses, que nunca prestaram muita atenção à natureza dos regimes com os quais lidam. Logo, um certo número de direitos civis e de conquistas democráticas herdadas da era pós-2001 poderia sofrer sérios abalos no Afeganistão.
A segunda consequência diz respeito à geopolítica regional. Quanto mais a China se enraíza no Afeganistão, mais ela se coloca em posição de influenciar no mapa dos corredores energéticos nessa parte do mundo. Ao propor recentemente um gasoduto unindo o circuito Turcomenistão-Afeganistão-Tajiquistão-China, Pequim está assim minando um projeto concorrente Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia (o famoso projeto TAPI) de inspiração americana. E, ao fazer isso, ela traz de volta o Irã, que Washington queria afastar, como possível fornecedor do Paquistão ou até da Índia. As sombras chinesas sobre o Afeganistão ainda estão redesenhando o cenário regional.
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