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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Alemães dão conselhos sobre unificação de Coreias do Norte e do Sul

Militares norte-coreanos
A fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul é o derradeiro campo de batalha da Guerra Fria. Atualmente, uma delegação de políticos alemães veteranos – tanto da ex-Alemanha Oriental quanto da antiga Alemanha Ocidental – estão orientando o governo em Seul sobre como o país poderia ser reunificado caso surgisse uma oportunidade para isso no futuro. Alguns analistas enxergam uma abertura para mudanças após a morte de Kim Jong Il.

Poucas semanas antes do “Querido Líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-il, morrer de uma ataque cardíaco durante uma viagem de trem, Lothar de Maizière, o último primeiro-ministro da ex-Alemanha Oriental (cujo nome oficial era República Democrática Alemã - em alemão, Deutsche Demokratische Republik ou DDR) embarcou em um voo da Lufthansa com destino à Coreia do Sul para intervir mais uma vez na história mundial. De Maizière estava acompanhado de Rainer Eppelmann, o último ministro da Defesa da DDR.

Atualmente de Maizière tem 71 anos de idade e ganhou alguns quilos desde aquele período tumultuado no final de 1989 que culminou com a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã. Eppelmann, 68, usava aquele tipo que de chapéu de ponta que o ex-chanceler alemão Helmut Schmidt e os aposentados alemães costumam usar. De Maizière e Eppelmann transmitiam um pouco a impressão de que poderiam se perder nas ruas de Seul. Mas eles viajaram para lá sozinhos.

Os dois faziam parte de uma delegação de 20 membros, liderada por Christoph Bergner, o comissário federal responsável por questões relacionadas aos Estados do leste e aos indivíduos de etnia alemã que retornaram da Europa Oriental e da antiga União Soviética. Por que alguém teria enviado um avião cheio de ex-revolucionários alemães e especialistas na unificação da Alemanha para a Coreia do Sul? A resposta é simples: para fazer com que a história se repita. A resposta um pouco mais longa é a seguinte: essa foi uma ideia concebida por Kim Chun Sig, o vice-ministro da Unificação da Coreia do Sul. A Coreia encontra-se dividida desde o final da Segunda Guerra Mundial. O norte comunista possui um programa de armas nucleares e conta com o apoio da Rússia e da China. O sul capitalista é apoiado pelos Estados Unidos. A Coreia é o derradeiro campo de batalha da Guerra Fria, um país que foi dividido em dois durante a guerra de ideologias.

Mais de 60 anos após a divisão do país, os sul-coreanos gostariam que essa situação mudasse. Eles nutrem o grande sonho de reunificar as duas Coreias. Há mais de um ano foi firmado um acordo com o governo alemão no sentido de se criar uma comissão de especialistas com um nome meio esquisito: o Comitê Coreano-alemão de Consultas sobre a Reunificação. A Alemanha forneceu os seus especialistas mais experientes das partes oriental e ocidental do país. A tarefa deles é explicar como se pode reunificar satisfatoriamente um povo. “Nenhum país compreende o nosso desejo de reunificação como a Alemanha”, afirma Kim.

O vice-ministro da Unificação saúda os exaustos membros da delegação alemã no luxuoso Hotel Lotte, em Seul. Eles viajaram durante 12 horas, passando pela Mongólia e pela China e atravessando vários fusos horários. Agora, eles estão participando de um jantar de boas vindas na Suíte Garnet, no 37º andar do hotel. Eles permanecerão na cidade durante três dias, enquanto trabalham nos planos relativos ao futuro da Coreia. Mas primeiro eles olham a cidade lá embaixo através das enormes janelas de vidro. À noite de Seul é fulgurante. Vista de cima, a cidade dá a impressão de ser muito complexa e pretensiosa – como se fosse uma Manhattan asiática.

“Os coreanos têm que tomar as suas próprias decisões”

Também fazem parte da delegação Horst Teltschik, 71, ex-assessor de políticas externas do chanceler alemão Helmut Kohl; Richard Schröder, 68, ex-líder parlamentar do Partido Social-Democrata (em alemão, Sozialdemokratische Partei Deutschlands ou SPD) no Volkskammer (o parlamento) da DDR; o general da reserva das forças armadas alemãs e ex-ministro do Interior do Estado de Brandemburgo, Jörg Schönbohm, 74; e vários acadêmicos, ex-ministros e representantes da agência que supervisiona os arquivos da Stasi, a famosa polícia secreta da Alemanha Oriental.

“Nós precisamos determinar o que pode ser feito”, diz de Maizière, enquanto limpa a boca com um guardanapo, após um jantar sofisticado. “O que eu posso fazer é contar às pessoas o que aconteceu na Alemanha. Os coreanos têm que tomar as suas próprias decisões”. E ele conhece de fato algum membro da delegação sul-coreana? De Maizière olha para todos os lados da sala, vendo faces sul-coreanas desconhecidas. “Não”, diz ele.

No dia seguinte, a primeira sessão de trabalho entre os sul-coreanos e os alemães ocorre na Suíte Peacock, no 36º andar. O tópico da discussão é “A Reunificação Alemã e o Processo da Unidade Alemã: Pré-condições, Resultados e Problemas”. Os delegados sentam-se frente a frente em uma mesa comprida. São 14 alemães e 14 sul-coreanos. Talvez eles estejam achando que um dia esta será uma imagem histórica – assim como as fotos das negociações em Berlim Oriental entre os comunistas e a oposição, ou a reunião entre o chanceler alemão Helmut Kohl e o presidente soviético Mikhail Gorbachev, no Cáucaso, em julho de 1990. Kohl e Gorbachev, um deles usando um cardigã e o outro um suéter, discutiram os detalhes da reunificação alemã enquanto faziam uma caminhada de verão ao longo da margem de um rio.

A Coreia do Norte continua sendo um enigma

Entretanto, o estranho é que ninguém jamais teve a impressão que a unificação coreana estivesse próxima – nem no curto nem no médio prazo. Houve algum sinal disso recentemente? Uma Glasnost em Pyongyang? Não, não houve sinal nenhum, nem antes nem depois da morte de Kim Jong-il, que sempre pareceu ser um ditador inventado por Hollywood. A Coreia do Norte continua sendo um enigma. Não existe nenhum outro país do mundo sobre o qual se saiba tão pouco. Nem mesmo os sul-coreanos sabem muita coisa sobre os seus vizinhos do norte.

A Guerra da Coreia terminou em 1953 com um armistício. Jamais foi firmado um tratado de paz. Com cerca de 1,2 milhão de soldados, a Coreia do Norte possui um dos maiores exércitos do mundo. Há pouco mais de um ano, em novembro de 2010, a Coreia do Norte disparou tiros de artilharia contra a ilha sul-coreana de Yeonpyeong. Dois soldados e dois civis foram mortos. Os Estados Unidos enviaram para a região o porta-aviões USS George Washington e vários parlamentares sul-coreanos pediram que fossem desfechados ataques aéreos retaliatórios. O clima entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul ainda é comparável às tensões que existiam entre a União Soviética e os Estados Unidos durante a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962.

A União Soviética há muito deixou de existir, os Estados Unidos possuem um presidente negro e Seul não é Berlim Ocidental, a cidade que era um front da Guerra Fria. Mas a geografia local é marcada por distâncias similarmente curtas. Em apenas uma hora de viagem se chega à fronteira norte-coreana. E em três horas um viajante chegaria a Pyongyang. Em Berlim Ocidental, era possível assistir à televisão alemã-oriental, mas em Seul e em toda a Coreia do Sul não se pode ver os programas de televisão norte-coreanos. Autoridades do Ministério da Unificação dizem que todos os programas do norte são bloqueados pelas agências estatais sul-coreanas devido ao temor de que eles façam propaganda política.

Não existe serviço de correios entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. E tampouco ligações telefônicas diretas. Quanto às viagens entre os dois países, a situação é a seguinte: em 2010, aproximadamente 130 mil sul-coreanos visitaram a Coreia do Norte, enquanto que apenas 132 norte-coreanos fizeram visitas oficiais à Coreia do Sul. Na Alemanha, falava-se com frequência da Cortina de Ferro que dividia o país. Mas, em comparação com o que ocorre na Coreia, a Cortina de Ferro era uma mera cerquinha.

“Eu também não acreditava que haveria a reunificação da Alemanha”

Sendo assim, o que pode ser feito quanto a essa situação? A reunificação seria sequer uma possibilidade realista?
Nesta noite de Maizière está em um restaurante no centro de Seul. “Eu também não acreditava que haveria a reunificação da Alemanha. E, de repente, ela aconteceu”, diz ele. Esta já é a quinta viagem de Maizière à Coreia do Sul desde a reunificação alemã. Ele conversou com estudantes, acadêmicos e autoridades governamentais. “Este já é o quarto ou quinto ministro da Unificação que eu conheço. Eles estão sempre nomeando novos nomes. Não consigo me lembrar de todos eles”, diz de Maizière. “E tampouco dos seus rostos”, acrescenta Schönbohm.

“Eles sempre fazem as mesmas perguntas”, diz de Maizière. “E hoje a história foi a mesma. Resumindo, os coreanos não querem que a reunificação seja muito cara, e eu lhes digo que ela custará muito mais do que eles podem imaginar”. Eppelmann faz um sinal de aquiescência com a cabeça. “Eu percebi que os sul-coreanos estão tentando descobrir uma forma de fazer com que os norte-coreanos permaneçam no norte após a reunificação”, diz Eppelmann. “Os sul-coreanos estão falando sobre controles de fronteira. É incrível! Eles pretendem de fato fechar a fronteira depois que o muro cair!”.

Eppelmann dá a impressão de ter sido pessoalmente insultado. Como ex-cidadão da Alemanha Oriental, ele tem uma tendência natural a se identificar com os norte-coreanos. De Maizière olha para a sua cerveja. Schönbohm mexe na sua tigela de kimchi. “A comissão deverá se reunir no decorrer dos próximos cinco anos”, diz de Maizière. “Porém, eu perguntei aos sul-coreanos se eles desejam de fato aguardar tanto tempo pela reunificação”.

No bloco europeu oriental tudo se passou de forma incrivelmente rápida. A DDR e os seus aliados comunistas desapareceram de cena em apenas um ano. Um mês mais tarde, a União Soviética desmoronou. Naquela época, os ativistas dos direitos humanos de Berlim Oriental tinham a sensação de que eram capazes de modificar o mundo inteiro. Mas aqui todos estão sem saber o que fazer com a Coreia.

“Eu perguntei a eles: 'Vocês sabem o que os norte-coreanos desejam? Pelo que eles anseiam?'. Mas os sul-coreanos não sabem”, diz de Maizière. “Eles respondem: 'Cabe aos norte-coreanos resolver o problema da unificação. Nós temos o dinheiro'. Bom, conosco não foi diferente. Havia, é claro, o problema alemão. Depois de finalizado o processo pode haver uma sensação pronunciada de que existe colonização”. 

Eppelmann concorda. Schönbohm continua em silêncio. “Rupturas históricas sempre deixam para trás uma geração perdida”, explica de Maizière. “Isso é trágico, mas a história jamais foi um processo justo”. Talvez de Maizière esteja falando sobre a Coreia – ou sobre si próprio. Ele é um homem sensível e inteligente, e é fácil imaginar como ele sofreu devido ao fato de não ter se tornado dispensável após 3 de outubro de 1990 – o dia em que a Alemanha foi oficialmente reunificada.

Não existe na Coreia espaço para qualquer pessoa semelhante a Helmut Kohl, o chanceler da unificação alemã. É bem possível que isso também tenha motivado os alemães a virem até aqui – especialmente aqueles da Alemanha Oriental. Eles desejam recuperar o seu lugar na história. A Coreia do Sul ainda é suave e maleável, e ela tem um desafio pela frente. Os coreanos chamam de Maizière de “Excelência” e “Primeiro-ministro”, como se ele ainda estivesse no poder. Quanto a Eppelmann, tem-se a impressão distinta de que a barba dele cresceu desde à sua chegada, e de que ele tornou-se novamente um ativista dos direitos civis.

“Eu viverei para ver a unificação coreana”

Quando a noite cai em Seul, todos eles colocam-se de pé em frente ao restaurante. O proprietário coreano tira uma foto da delegação alemã. O clima é bastante animado, pelo menos após eles terem bebido vinho de arroz e algumas cervejas.

De Maizière assobia uma melodia de “Fidélio”, uma ópera que ele diz ter sido proibida na DDR devido ao trecho: “Ah, que alegria por poder respirar tranquilamente ao ar livre!”. Johannes Ludewig, ex-diretor da companhia ferroviária nacional da Alemanha, a Deutsche Bahn, e ex-comissário para as questões relativas à antiga Alemanha Oriental, chama o proprietário do restaurante coreano: “Da próxima vez nós nos veremos em Hanói!”.

O grupo dá gargalhadas. “Não, você quer dizer Pyongyang!”. “Sim, tem razão, Pyongyang”, diz Ludewig. Eles todos parecem estar dolorosamente deslocados aqui.

Algumas horas depois, eles estão novamente sentados no Hotel Lotte, na Suíte Peacock, no 36º andar – prontos para um novo dia e para uma nova rodada de conversações. O tópico é “Como a Alemanha e a Coreia Trabalham Juntas para Promover a Reunificação da Península Coreana?”. Funcionários do Ministério da Unificação estão por toda parte, carregando papéis e bebidas para a sala.

Uma busca cautelosa pela unidade

O Ministério da Unificação foi criado em 1969. Atualmente ele é a peça central dos esforços da Coreia do Sul para unificar-se com a Coreia do Norte. A sede do ministério fica a apenas dez minutos de carro do hotel, ao lado do Ministério das Relações Exteriores. Ele ocupa dois andares de um edifício e conta com 500 funcionários. Mas no que exatamente eles estão trabalhando?

“Nós apresentamos ideias sobre como a Coreia poderá ser após a reunificação. E também tomamos conta dos refugiados norte-coreanos”, explica Kim, o vice-ministro da Unificação.

Ele tem 55 anos de idade e trabalha no ministério há 27 anos. Durante este período, trabalhou sob as ordens de 15 ministros da Unificação diferentes. Kim é vice-ministro há dois meses. Ele chegou gradualmente ao topo da hierarquia no ministério. Nas paredes há alguns retratos de cachoeiras e paisagens de montanhas da Coreia. Kim está sentado em um sofá e ele fala com as mãos colocadas sobre a barriga. Acima de tudo, porém, Kim é muito, muito cauteloso.

Uma palavra mal escolhida poderia provocar rapidamente complicações nas relações entre as duas Coreias. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha Ocidental, Hans-Dietrich Genscher, deve ter se sentido da mesma forma nos dias que precederam a reunificação alemã. E Kim conhece Genscher? “Ah, sim, é claro! Genscher. Schäuble, também. Eles são famosos. Eu os teria convidado para participarem da nossa comissão, mas eles estão muito velhos, não é mesmo?”. Kim coloca um cubo de açúcar na sua xícara de chá. “Veja só, nós necessitamos de cooperação com a Alemanha. Como é que podemos comparar os dois sistemas? Como os cidadãos dos dois países irão se entender? O que acontecerá com os dois exércitos? Os alemães fizeram um bom trabalho quanto a isso. Mas esse trabalho poderia ter sido melhor. É preciso que se esteja sempre preparado, para o caso de o processo ter início”.

E quando é que ele terá início? Kim sorri. “Eu tenho certeza que você entende que eu não quero fazer comentários quanto a isso. Mas eu viverei para ver a unificação coreana”.

Mas como é que a reunificação ocorrerá? Existe algum plano? “Nós não queremos que a Coreia do Norte entre em colapso. O nosso plano consiste em primeiro criar paz, a seguir cooperação e, depois, confederação e unidade”.

E se a Coreia do Norte acabar assim mesmo entrando em colapso? E se houver uma revolução, como houve na Alemanha? Nesse caso a Coreia do Sul abriria as fronteiras para uma reunificação?

“Essa é também uma questão delicada. Coloquemos as coisas da seguinte forma: talvez os norte-coreanos permaneçam no território deles. E nós os ajudaremos”.

Seis milhões de norte-coreanos ameaçados pela fome

A Coreia do Sul possui a quarta maior economia da Ásia. Este é um país próspero. Já na Coreia do Norte a história é diferente, com seis milhões de norte-coreanos ameaçados pela fome, segundo um recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). É difícil imaginar que os norte-coreanos permaneçam no norte. Uma das lições da reunificação alemã foi que os alemães orientais seguiram para o oeste do país, rapidamente, em grande número e inexoravelmente.

E será que os norte-coreanos desejam a reunificação? “Não temos informações quanto a isso”, afirma Kim. “Não sabemos. Tudo o que temos são os depoimentos dos refugiados, que dizem que a situação no país é péssima”.

Cerca de 3.000 coreanos fogem a cada ano. A maioria segue para a China e passa pelo Vietnã ou pela Tailândia até chegar à Coreia do Sul, onde o Ministério da Unificação presta auxílio a eles. Primeiro os refugiados são interrogados pela agência de inteligência, para que se tenha a certeza de que eles não são espiões. Depois eles são enviados para o Hanawon – um campo de refugiados próximo a Seul.

Durante um programa de treinamento de três meses, eles recebem aulas introdutórias sobre a sociedade sul-coreana. Ninguém tem permissão para sair do campo e os refugiados são vigiados de perto. Eles reaprendem a história do país. Por exemplo, o programa lhes ensina que foi a Coreia do Norte que iniciou a Guerra da Coreia. Além disso eles aprendem a usar caixas eletrônicos, a dirigir automóveis e até a falar “sul-coreano”.

Segundo Sang Don Park, um funcionário do ministério encarregado das questões relativas aos refugiados, é possível reconhecer imediatamente um norte-coreano pela maneira como este fala. Ele diz que os norte-coreanos não usam anglicismos, mas eles utilizam jargões políticos que nenhum sul-coreano conhece. É de se presumir que esses sejam termos semelhantes àqueles que eram comuns na Alemanha Oriental, e que não podiam ser compreendidos pelos alemães ocidentais após a reunificação. Um norte-coreano muitas vezes compreende apenas 60% do que fala um sul-coreano, diz Sang. Além disso, existe uma entonação diferente e vários dialetos. Isso para não mencionar os problemas de saúde. Os norte-coreanos têm problemas dentários devido à desnutrição. Muitos sofrem de depressão e outros problemas psicológicos ao chegarem à Coreia do Sul. Os refugiados norte-coreanos recebem assistência financeira por um período de cinco anos após deixarem o campo. Existem programas para ajudá-los a encontrar trabalho e moradia, e também para que estudem.

Uma redução do desejo de reunificação

Os sul-coreanos provavelmente têm medo de que precisem reeducar e financiar uma população inteira – e pagar pelo tratamento dentário dela – caso a reunificação se torne realidade.

“Muitos jovens sul-coreanos ficam assustados com os custos”, diz o vice-ministro Kim, citando as estatísticas: somente cerca de 35% da população de 19 a 40 anos de idade considera a reunificação uma questão política importante.


O desejo de reunificação está em queda constante. A geração mais velha da Coreia do Sul há muito perdeu contato com os amigos e parentes que vivem ao norte da fronteira. E a geração mais jovem jamais teve oportunidade de conhecê-los. Vista do sul, a Coreia do Norte é um planeta distante e inabitável. Não é sequer possível passar pela fronteira para dar uma rápida olhada, conforme as criança alemãs ocidentais costumavam fazem em excursões a Berlim Oriental. Mas agora, felizmente, os alemães estão aqui. Kim espera que isso reative as chamas do entusiasmo.

“É preciso ser flexível – Observar e ler os sinais”

Certa tarde, dois automóveis Hyundai pretos pararam em frente à Universidade Ewha Womans, em Seul. De Maizière e Schönbohm saíram dos veículos como se fossem estadistas. Pouco depois, eles estavam sentados em poltronas de couro em um palco, diante de uma plateia de 500 estudantes. O evento chamava-se “Diálogo com os Líderes Mundiais”, o que dava a impressão de que até mesmo Barack Obama poderia aparecer a qualquer momento.

Mas o único indivíduo no palco era Kim Sun-Uk, a presidente da universidade. “Nós acreditamos que teremos a unificação coreana dentro dos próximos 20 anos”, diz ela. “Precisamos de um grande ato de solidariedade”.

Esse foi o sinal para de Maizière e Schönbohm. A tarefa deles é forjar uma ponte entre a Alemanha e a Coreia, entre o passado e o futuro. Eles estão aqui para conquistar os corações desses jovens.

De Maizière começa pela queda do Muro, menciona as primeiras eleições realmente livres para o Volkskammer, o ativista dos direitos humanos anticomunista Joachim Gauck, novas leis nacionais e a união monetária, entre outros acontecimentos que fizeram parte da trajetória rumo à reunificação alemã. Ele também conta como, após a assinatura do Tratado Dois Mais Quatro, em setembro de 1990, em Moscou, pavimentando o caminho para a reunificação alemã, ele ficou com a caneta-tinteiro como lembrança. 

Schönbohm, que recebeu a ordem para dissolver pacificamente com o Exército Popular Nacional da Alemanha Oriental (em alemão, Nationale Volksarmee, ou NVA), fala sobre o comando dado pelo então ministro da Defesa alemão Gerhard Stoltenberg, em 3 de outubro de 1990, e expõe detalhadamente o arsenal do NVA: “1,4 milhão de pistolas, 7.800 veículos blindados, 82 navios de guerra...”.

Os alunos no auditório estão usando fones de ouvido para ouvirem a tradução simultânea da palestra. Mas muitos deles parecem não ter ideia do que está sendo falado.

“Não sejam tímidos”

De Maizière e Schönbohm estão sentados em um palco que parece uma exposição alemã bem preservada. “É verdade que você faz anos no mesmo dia que Mikhail Gorbachev?”, pergunta um aluno. De Maizière sorri brevemente. “Sim, é verdade. O nosso signo é Peixes. Ele me chama com bom humor de 'jovem'. E eu o chamo de Micha Sergeyevich”. Schönbohm fala sobre um livro que ele escreveu sobre a reunificação alemã. “O livro chama-se 'Dois Exércitos e Uma Pátria', mas ele encontra-se esgotado”.

Alguns estudantes estão dormindo. Outros mexem nos seus iPhones. “Você tem algum conselho para a Coreia?”, pergunta alguém. “Não sejam tímidos”, responde de Maizière. “Não falem sobre custos. Falem sobre investimentos no futuro!”. De Maizière e Schönbohm dão a impressão de que sairiam cavalgando imediatamente para o norte caso irrompesse uma revolução em Pyongyang. Mas eles provavelmente cavalgariam sozinhos.

“Os sul-coreanos estão todos com medo”, diz Schönbohm, desapontado, após a palestra, enquanto a delegação se reúne para uma recepção noturna na Embaixada da Alemanha. “Eu estive recentemente no Cairo, onde fiz uma palestra. Os árabes estão muito interessados na nossa experiência. Eles querem saber o que fazer com a velha guarda política e outras coisas”.

Talvez a África do Norte seja uma alternativa. Talvez a Primavera Árabe possa servir de inspiração se nada acontecer na Coreia.

“Os coreanos planejam sem parar, mas não é assim que as coisas funcionam”, explica Horst Teltschik, o assessor de política externa de Kohl. Ele sofre de problemas estomacais e está comendo apenas um pãozinho. “É preciso ser flexível. Observar e ler os sinais”, diz Teltschik. Ler os sinais?

Um período de oportunidades? “As mudanças de regime nas ditaduras comunistas são sempre períodos de instabilidade”, diz ele. “Esse fato poderá em breve apresentar uma oportunidade na Coreia do Norte”.
Foi como se, já há algumas semanas, Teltschik tivesse previsto que isso fosse ocorrer.

Agora Kim Jong-il está morto. O sucessor dele é Kim Jong-un, o filho caçula, sobre o qual o Ocidente não sabe praticamente nada, nem mesmo a sua idade. Ele teria menos de 30 anos. Kim Jong Un usa o mesmo penteado do pai e conta com o apoio do tio, Chang Song Taek, e da tia, Kim Kyung Hee. O mundo está se perguntando se o novo Kim seria um fantoche dos militares ou um reformista – ou nenhuma das duas coisas. Nem mesmo a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos possui muita informação sobre ele. E Teltschik?

“Quem não acredita no impossível não é realista”, diz Teltschik na noite da reunião na embaixada em Seul – em um momento no qual ele não tinha como saber que Kim Jong-il morreria quatro semanas depois.
Talvez isso signifique que tudo acontecerá de forma muito abrupta e rápida. De qualquer maneira, os alemães estão prontos para aproveitar a ocasião – incluindo Eppelmann. “Na primavera, os sul-coreanos deverão nos visitar em Berlim”, diz ele. “Para conversações de nível governamental”.

Esta é a manhã da véspera da viagem para casa, e Eppelmann está em uma rua cheia de lojas, em busca de um presente, mas ele ainda tem tempo para fazer um resumo político. Ele compra óleo de massagem para a sua mulher e, quando o repórter se prepara para perguntar-lhe se a viagem, na opinião dele, foi um sucesso, ele diz impulsivamente, de forma inesperada: “Eu também preciso de um bloco para um conjunto de facas”.
“Bloco para um conjunto de facas?”, diz o guia do Ministério da Unificação, que está próximo a ele e entende pouco a língua alemã. “Bloco para um conjunto de facas?”. Eppelmann repete as palavras com mais clareza. O coreano fica olhando para ele. Eppelmann tira um pedaço de papel do bolso e desenha um bloco para um conjunto de facas com alguns movimentos da caneta. “Aqui está, um bloco para um conjunto de facas”.

A seguir eles caminham juntos pela rua, procurando um bloco para um conjunto de facas – o último ministro da Defesa da República Democrática Alemã e um jovem do Ministério da Unificação da República da Coreia. Na verdade, esta não é uma má cena final para um história sobre como unir pessoas.
Eppelmann acaba comprando um suporte para pauzinhos hashi. “Isso também é bom”, diz ele.

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