sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Novas prioridades e corte de gastos militares dos EUA anunciam o final de uma época
A primeira para os cortes e o segundo, de um avião não tripulado, para realizar as operações bélicas sem risco nem tropas no território. A podadeira e o míssil poderiam ser os símbolos da nova época militar que acaba de ser inaugurada. Falta um terceiro símbolo: os pauzinhos asiáticos contra o garfo e a faca de origem europeia. Já é um tema de nossa época o deslocamento do poder da Europa para a Ásia, mas agora tropeçamos com sua concreta tradução militar e estratégica. Na bacia do Pacífico se concentrarão as forças militares e os riscos do século 21 e para lá os EUA vão deslocar seus recursos militares, em detrimento dos países europeus, durante séculos produtores de violência e demandantes de segurança até o final da Guerra Fria, mas hoje fábricas de tranquilidade e exportadores de estabilidade e paz para o resto do mundo.
Assim se contempla no documento sobre as prioridades militares dos EUA, divulgado pelo Pentágono no início de janeiro, que constitui o anúncio mal dissimulado do fim de uma época. Washington vai fechar bases e quartéis e tirar tropas e recursos da Europa, para transferi-los para o Oriente Médio, a Ásia e o Pacífico, onde se situam os perigos e os desafios do século 21. A guerra da Líbia, dirigida militarmente pela Otan e politicamente por Paris e Londres, prefigura outros conflitos nos quais os EUA continuarão "dirigindo de trás" ("leading from behind"), como se criticou Obama contra Gaddafi, antes de perceber as vantagens que se podiam extrair dessa nova modalidade de liderança. Como resultado dessa virada, ficou seriamente prejudicado o vínculo transatlântico, ídolo geoestratégico da Guerra Fria que da Europa se queria conservar a todo custo, como se os bons resultados do passado tivessem que se repetir obrigatoriamente no futuro.
Para Washington, a tendência a afrouxar o vínculo estava em um roteiro muito anterior à chegada de Obama à Casa Branca. O estava há quase 20 anos, quando desapareceu a União Soviética. Ficou seriamente tocado com a guerra do Iraque e, entre parênteses, com a chegada de um presidente de tão pouca sensibilidade europeia como o atual. Agora vem o golpe definitivo. Para os países europeus, sobretudo os antigos sócios do Pacto de Varsóvia, é preocupante essa nova rachadura no cimento que sustenta a Otan quando a Rússia, fornecedor energético da Europa e vencedor geoestratégico desta partida, ainda não decidiu se seu futuro terá algo a ver com a democracia tal como a entendem os outros europeus.
A jogada de Obama, além de ser uma marca na história das relações internacionais, é uma decisão de consequências táticas e eleitorais. Seu motivo inicial é orçamentário. O déficit público americano não pode ser reduzido sem atacar o crescimento constante do gasto militar. Em dólares constantes, os EUA gastam hoje como na Segunda Guerra Mundial e como os 18 países somados que os seguem entre os que mais investem em defesa. Este capítulo do orçamento está crescendo há 13 anos consecutivos. Obama acaba de encerrar uma década protagonizada por duas guerras, nas quais se tornou realidade que seu país deveria poder travar duas contendas ao mesmo tempo para garantir sua capacidade de dissuasão e afirmar sua autoridade como superpotência no mundo. Uma vez realizada a experiência, a cargo de Bush filho e seus neoconservadores, viu-se que teria sido melhor não gastar tanto tempo e dinheiro em testes. Sobretudo pela pobreza dos resultados obtidos em comparação com os recursos e vidas humanas dilapidados, além dos efeitos perversos induzidos em instabilidade e perda de prestígio. Nunca mais serão travadas duas guerras ao mesmo tempo como estas, e nem sequer é previsível que regressem as grandes guerras de ocupação de países como foram as duas mundiais, modelo seguido também no Iraque e no Afeganistão.
O corte do gasto militar será de US$ 487 bilhões durante dez anos, equivalentes a 8% do orçamento militar. O objetivo é contar com um exército menor, mais leve e barato, com uma concepção muito tecnológica e inovadora. Com este orçamento, Obama se vê capaz de manter a enorme vantagem militar que têm os EUA sem prejudicar nem um pouco a dissuasão. O anúncio, em ano eleitoral, é uma resposta à pressão do Congresso, de maioria republicana, que rejeita qualquer limitação de gasto que comporte aumentos de impostos, nem sequer para os 1% mais ricos. Se não houver acordo entre o Congresso e a Casa Branca nos próximos meses, em 2013 haverá um corte automático que duplicará o corte militar: passará a ser de 17%, quase US$ 1 bilhão. Então sim, afetaria drasticamente o número de soldados e a dissuasão nuclear. Quem aparecer como responsável por tal desastre já pode começar a se preparar para colher maus resultados eleitorais. A podadeira poderá ter o efeito de um míssil.
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