Vo Van Than chegou à França em 1979 depois de fugir do governo comunista do Vietnã. Sua raiva contra o regime se dissipou apenas com o tempo e com a felicidade que ele encontrou na cozinha. Mas agora o governo tentou expulsá-lo novamente, desta vez como gerente de um restaurante popular em Paris
Vo Van Than |
Quando Vo Van Than ouviu um barulho estranho, achou que fossem os lixeiros. Foi logo depois das 8h, e ele estava deitado na cama no segundo andar do restaurante que ele administra em Paris, o “Foyer Vietnam”.
Quando ouviu passos nas escadas, sabia que havia algo de errado, mas já era tarde demais. Quando Than abriu a porta para ver o que estava acontecendo, deu de cara com um homem de ombros largos que o empurrou de volta para dentro do quarto. “Fique aqui”, disse o homem para Than. “Somos da Embaixada do Vietnã.”
Os homens haviam invadido o restaurante, quebrando o vidro da porta da frente. Depois cobriram as janelas com papelão e colocaram placas que diziam: “Fechado para reforma”. Eles conectaram a linha telefônica a uma secretária eletrônica e instalaram uma porta no segundo andar para evitar que Than entrasse em seu restaurante.
Foi uma operação muito bem planejada, mas como isso chegou a esse ponto?
O “Foyer Vienam”, com sua porta gasta de madeira pintada de vermelho, fica na Rue Monge, no antigo bairro universitário perto do Quartier Latin. O almoço de preço único custa 10 euros, 8 para estudantes, e inclui uma entrada, o prato principal e a sobremesa, algo incomum nessa cidade cara. A comida é simples, mas é tão boa que o célebre chef Alain Ducasse já a mencionou num livro. E o “Foyer Vietnam” é o único restaurante vietnamita em Paris com uma foto de Ho Chi Minh na parede.
Fugindo dos comunistas
Vo Van Than, o gerente, até se parece um pouco com Ho Chi Minh, com sua longa barba grisalha e testa alta, mas seu avental branco não se encaixa no quadro. Ele tem 56 anos e mudou para a França em 1979, depois de fugir dos comunistas. O estranho sobre sua história é que ele esteja gerenciando um restaurante que foi alugado pela embaixada do Vietnã comunista.
Than cresceu no Vietnã dividido, com o norte controlado pelos comunistas e o sul por um regime apoiado pelos Estados Unidos. Ele nasceu numa família sul-vietnamita rica. Seu avô era um oficial da corte imperial, e seu pai foi governador regional para o regime. Protegido por um de seus irmãos, um general, Than serviu o exército como guarda em uma prisão de presos políticos.
Quando a guerra terminou e o sul capitulou em 1975, o próprio Than se tornou prisioneiro. Os bens da família foram tomados. Ele então pegou sua mulher e filho e fugiu do país num pequeno barco, parando primeiro na Malásia e mais tarde viajando para Paris.
Os expatriados vietnamitas são atraídos para a capital da antiga potência colonial há mais de um século. Nos anos 20, Ho Chi Mihn conheceu o neto de Karl Marx em Paris e se entusiasmou com o comunismo, antes de se dedicar a lutar pela liberdade.
Encontrando a paz na cozinha
Existiam dois bares vietnamitas para estudantes em Paris desde 1959. Os comunistas se encontravam no “Restaurante do Tio Ho” na Praça Maubert. A menos de um quilômetro dali, a Embaixada sul-vietnamita abriu uma cafeteria estudantil leal a seu regime, o “Foyer Vietnam”. Ambos os estabelecimentos existiram até a reunificação do Vietnã em 1976. Depois que o Vietnã do Norte derrotou o Vietnã do Sul, a nova embaixada comunista também assumiu o “Foyer Vietnam”.
Quando Than chegou a Paris, ele escreveu panfletos contra o regime e se associou aos integrantes remanescentes de um grupo de escoteiros sul-vietnamitas. Sua raiva contra o regime só se dissipou com o tempo, depois que ele se tornou um cozinheiro. Depois de aprender seu ofício no “Au Pied de Cochon”, uma brasserie no bairro Les Halles, ele abriu um restaurante vietnamita na periferia de Paris. Cozinhar o deixava feliz.
Em 2001, um poderoso empresário vietnamita com conexões na embaixada perguntou se ele estava interessado em assumir o “Foyer Vietnam”. Seu irmão nos Estados Unidos pediu para que ele não trabalhasse para os comunistas, dizendo que com eles não havia amor nem amizade. Than disse que queria fazer algo pelo seu país, que ele não visitava desde que fugiu nos anos 70. E aceitou o cargo.
O complicado mundo expatriado
Para Than, gerenciar o restaurante para os comunistas era uma forma de reconciliação. Ele até pendurou uma foto de Ho Chi Mihn no restaurante, um homem que ele diz admirar por ser um patriota. O “Foyer Vietnam” se tornou o trabalho de sua vida. O único problema é que nunca houve um contrato ou documentação de que ele recebeu qualquer pagamento. Than administra o restaurante há mais de dez anos, e os clientes o conhecem, mas seu nome não aparece em nenhum documento.
A comunidade de expatriados vietnamitas é um mundo complicado. Há muitas histórias antigas, rivalidades e relações de dependência. Um dia Than brigou com as pessoas erradas. Agora a embaixada e a associação de expatriados vietnamitas responsável pelo restaurante querem se livrar dele, mas ele quer ficar. Ele se tornou um invasor num restaurante que foi montado por seu país natal. Ele se recusa a ser expulso pela segunda vez.
O grupo que tentou prendê-lo para fora do restaurante inclui o funcionário oficialmente nomeado como novo diretor administrativo, que deveria substitui-lo. As autoridades, que foram alertadas no dia do incidente, 12 de novembro, decidiram que o homem não pode entrar à força e Than tinha permissão para ficar, pelo menos temporariamente.
Ele esperava que uma história de reconciliação não se transformasse numa história sobre feridas que nunca cicatrizam. Mas Than já percebeu que não conseguirá ficar. Na quinta-feira, 5, a polícia fechou o restaurante por tempo indeterminado.
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