O presidente afegão volta a se aproximar de Nova Déli para se livrar do domínio de Karachi
Hamid Karzai, presidente do Afeganistão, e Manmohan Singh, premiê da Índia, assinam acordo no setor de hidrocarbonetos em Nova Déli, em 4 de outubro |
Quando um presidente afegão vai até Nova Déli, a visita nunca passa despercebida. Todos ficam à espera das reações do Paquistão, que sempre nutriu a mais profunda desconfiança em relação às amabilidades trocadas entre seu vizinho ocidental (o Afeganistão) e seu vizinho oriental (a Índia).
Na terça-feira (4), o exercício assumiu um viés um tanto excepcional em Nova Déli. O presidente afegão, Hamid Karzai, e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, fecharam um acordo de “parceria estratégica”, o primeiro do gênero que Cabul assinou com um outro Estado. A cooperação anunciada incluirá os recursos minerais afegãos: um grande potencial. Ela envolverá também o domínio da segurança: questão delicada. Nova Déli treinará oficiais de um exército de Cabul em plena expansão neste momento em que a Otan se retira gradualmente do palco afegão.
Fora o conteúdo do acordo, é sobretudo seu cronograma que chama a atenção. A assinatura do pacto ocorre no auge de uma disputa diplomática entre o Paquistão e o Afeganistão. O assassinato, no dia 20 de setembro, do ex-presidente afegão Burhunaddin Rabbani, encarregado por Karzai de esboçar um diálogo com os insurgentes talebans, foi atribuído por muitos dirigentes afegãos aos serviços secretos paquistaneses.
Antes de ir até Nova Déli, Karzai reiterou sua decepção em relação à falta de cooperação do Paquistão na luta contra a “ameaça terrorista”. Em Washington, também, o “Pakistani bashing” (“crítica virulenta ao Paquistão”) chega a seu auge. A dissimulação de Islamabad em relação aos insurgentes talebans coloca em risco uma saída suave do impasse afegão. Os americanos estão exasperados com isso, e Karzai os acompanha.
Para Islamabad, a consolidação desse eixo “estratégico” Cabul-Nova Déli é lamentável, soa como uma aliança com o intuito de “cercar” o Paquistão. Na realidade, a questão não é nada nova. Desde seu nascimento, em 1947, o Paquistão se confrontou com o Afeganistão sobre a questão de sua fronteira, herdada do ex-império britânico das Índias. Como ela havia amputado o Afeganistão de parte de seus territórios pashtuns, essa “linha Durand” – que recebeu esse nome por causa do oficial inglês que a traçou em 1893 – sempre foi contestada por Cabul. O Paquistão, herdeiro histórico dessa periferia pashtun, a tem como legítima.
Então é há mais de seis décadas que a “linha Durand” contribui para a instabilidade dessa região do sul da Ásia. Ela envenena a relação entre Afeganistão e Paquistão, assim como a Caxemira corrói a relação entre Índia e Paquistão. Como o “inimigo do meu inimigo é meu amigo”, a amizade entre Cabul e Nova Déli sempre prosperou, tendo somente uma interrupção: o regime taleban em Cabul (1996-2001). Este havia justamente sido apoiado pelo Paquistão para romper seu cerco por seus dois vizinhos hostis. O 11 de setembro viria aniquilar esse ganho estratégico de Islamabad.
Jogo de equilíbrio
Desde 2001, tem-se voltado para os fundamentos. O Afeganistão pós-taleban voltou a dar as boas-vindas aos indianos. O tutor americano o encorajou. A ajuda de Nova Déli a Cabul na última década chega a US$ 2 bilhões (cerca de R$ 3,56 bilhões). Os paquistaneses se alarmaram com isso. Para eles, essa crescente influência indiana está longe de ser inocente. Eles dizem que ela acoberta aspirações hostis contra eles, como o suposto apoio indiano aos separatistas do Baluchistão paquistanês a partir de solo afegão.
Assim, o duelo indo-paquistanês está sendo transferido perigosamente para o Afeganistão. Todos querem se estabelecer ali para impedir que o outro o prejudique. Mas o Paquistão tem uma vantagem crucial sobre a Índia. Sua fronteira comum e suas próprias zonas pashtuns lhe permitem ter influência no destino afegão como nenhum outro Estado da região. “Estamos condenados a viver com o Paquistão”, lembra o analista afegão Niamatullah Ibrahimi.
Cabul, portanto, nunca irá muito longe na ofensa aos paquistaneses. Karzai já tem se empenhado em tranquilizá-los após a ação de Nova Déli.
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