Investigadores alemães prenderam dois suspeitos de serem agentes secretos russos –um casal que acredita-se que estavam espionando a Alemanha há mais de duas décadas. O caso pode prejudicar as relações entre a Alemanha e a Rússia.
Ainda estava escuro quando uma unidade da polícia alemã invadiu uma casa de família em Marburg, uma cidade no oeste da Alemanha, às 6h30 da manhã da última terça-feira. Heidrun A. estava sentada em seu estúdio diante de um transmissor sem fio, que recebia mensagens codificadas em uma frequência de ondas curtas e estava conectado por cabo a um computador.
A aparição repentina dos oficiais usando balaclavas deve ter sido um choque e tanto –a mulher caiu de sua cadeira e puxou o cabo de conexão entre o receptor e o computador, interrompendo assim a gravação das mensagens conspiratórias que vinham do rádio, acompanhadas por uma sintonia especial de identificação.
A prisão em Marburg é a culminação de um esforço secreto, que durou semanas, das autoridades de segurança alemãs para caçar suspeitos de serem agentes russos. Foi uma operação saída diretamente dos anais da Guerra Fria. Heidrun A., 45 anos, e seu marido, Andreas, 51, são suspeitos de terem passado 20 anos como agentes secretos espiando a Alemanha para Moscou. Na última quarta-feira, ambos foram apresentados perante um juiz e permanecem sob custódia. Ambos negam as acusações.
O thriller de espionagem pode minar as relações entre a Alemanha e a Rússia. Esta é a primeira prisão de agentes russos ilegais na Alemanha desde a reunificação em 1990. O uso dessa categoria de espião é particularmente sensível e caro.
Os “ilegais” praticam uma alta arte de espionagem. Não se tratavam de agentes comuns se passando por diplomatas, atuando a partir de uma embaixada e imunes de serem processados. O pior que esses espiões diplomáticos têm a temer é serem expulsos da Alemanha. Mas o casal preso recentemente pode esperar uma longa sentença de prisão. Um julgamento espetacular resultando em condenação poderia levar a um resfriamento das relações diplomáticas entre os dois países.
Espionagem durante a era do Muro de Berlim
Oficialmente, a chanceler Angela Merkel gosta de destacar que as relações entre a Alemanha e a Rússia são excelentes. “Elas cresceram nos últimos anos e alguns não acompanharam”, ela disse no ano passado. O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, disse que “a Alemanha é nosso país chave”.
Isso obviamente também se aplica à atividade do serviço secreto. O Gabinete do Procurador-Geral Federal alemão e do Escritório Federal para Proteção da Constituição, que é o serviço de inteligência doméstico da Alemanha, disseram que a operação secreta do casal em Marburg teve início antes da queda do Muro de Berlim, em 1989, nos tempos da KGB soviética.
Em 1988, Andreas A. se mudou para a Alemanha, um jovem que dizia ter nascido na Argentina, criado na Áustria e que queria estudar na Alemanha. Em 1990, ele se casou com sua parceira, Heidrun, que apresentava um histórico semelhante –uma cidadã austríaca, nascida no Peru.
Andreas estudou engenharia e tecnologia de plásticos em Aachen. O casal logo teve uma filha. Em 1998, após concluir seus estudos, Andreas passou a trabalhar em uma empresa de autopeças. Ele mudou de emprego várias vezes e a família se mudou para a Renânia do Norte-Vestfália e depois para a Renânia-Palatinado. No início deste ano, Andreas passou a trabalhar em uma empresa na cidade de Balingen, no sudoeste, como gerente de projeto. Às vezes ele viajava os 360 quilômetros de distância até Marburg, às vezes passava os fins de semana em um apartamento próximo do trabalho. A polícia o prendeu nesse apartamento. Ele parecia viver uma vida comum e discreta de um funcionário que viaja longas distâncias para trabalhar.
Semelhanças com o caso Anna Chapman
A vida dele não era nada espetacular, assim como a de Anna Chapman, que tem mais em comum com Andreas e Heidrun A. do que poderia parecer à primeira vista. A russa fotogênica de cabelo tingido de ruivo fazia parte de uma rede de espionagem envolvendo 11 agentes ilegais, descoberta nos Estados Unidos em junho de 2010. Alguns dos russos passaram mais de uma década trabalhando para o SWR, o Serviço Russo de Inteligência Estrangeira, a organização sucessora da KGB. O quartel-general deles estava especialmente interessado em relatos sobre a política externa americana. Os agentes se comunicavam com mensagens escritas em tinta invisível e com declarações codificadas como “Diga a ele que o tio Paul o ama” e “Ele saberá como é maravilhoso ser Papai Noel em maio”.
Segundo uma mensagem criptografada da Rússia, obtida pelas autoridades americanas, foi dito a um agente: “Você foi enviado para os Estados Unidos para uma viagem de serviço a longo prazo. Sua educação, contas bancárias, carro, casa, etc. –tudo isso serve a um propósito: cumprir sua missão principal, isto é, procurar e desenvolver laços nos círculos de elaboração de políticas nos Estados Unidos e enviar intels (relatórios de inteligência) para o C (Centro)”.
Poucos dias antes da ação do FBI em meados de 2010, um oficial de inteligência russo desertou para os Estados Unidos. Acredita-se que ele tenha trabalhado para a CIA desde 1999: Alexander Poteyev, um dos oficiais que cuidavam da equipe de agentes na Costa Lesta americana. Poteyev supostamente teria traído Chapman e companhia: um tribunal em Moscou o condenou à revelia a 25 anos de prisão. Ele não apenas ofereceu aos americanos informação sobre os 11 agentes, como também deu a eles uma visão mais profunda do funcionamento do programa de “Ilegais” de Moscou –incluindo o rumor de que um grupo semelhante de agentes também atuava na Europa.
Quanto mais os agentes de contrainteligência alemães analisavam o caso de Chapman e informações adicionais, mais claro o quadro se tornou. Eles concluíram, com base em mensagens de rádio para a Alemanha, que pelo menos um (e talvez vários casais de espiões russos) vivia na Alemanha. Há poucos meses o rastro de pistas os levou até a casa em Marburg de Andreas e Heidrun A.
Evidência incriminadora
O tempo parecia estar se esgotando para os investigadores. Andreas já tinha pedido demissão de seu emprego, vendido seu carro e estava fazendo as malas para deixar a Alemanha, dizendo que poderia ganhar mais no exterior. As autoridades alemãs suspeitam que o casal queria escapar e que o quartel-general da SWR poderia saber que os agentes estavam próximos de serem pegos.
Não está claro se Heidrun e Andreas A., assim como Chapman e seus colegas, se concentravam em política externa. Além das comunicações por rádio que recebiam regularmente, outro fato incriminador é a informação falsa sobre seus passaportes austríacos. Investigações na Argentina e no Peru mostraram que os locais de nascimento listados não eram corretos. Além disso, Andreas A., que disse que seus hobbies eram viajar, caminhar e pescar em águas profundas, fala com um perceptível sotaque russo, apesar de que, segundo suas próprias informações, ele só falar alemão, espanhol e inglês.
Os especialistas acreditam que é possível que o casal tenha usado a Alemanha como base, mas atuado em outros lugares na Europa. Outra teoria é de que estavam em contato com outros agentes e atuavam como uma estação de retransmissão de informação para Moscou.
Durante a investigação, especialistas do Escritório Federal de Polícia Criminal (BKA) usaram um laboratório móvel de raio X para localizar cavidades possivelmente usadas para contrabandear documentos secretos: até mesmo uma raquete de tênis passou pelo raio X.
‘Uma vida interessante e brilhante’
O caso pode vir a entrar na história legal. Segundo a lei alemã, é apenas punível trabalhar para uma agência de inteligência estrangeira contra a Alemanha. A pergunta é se, no contexto da União Europeia, os interesses da Alemanha seriam prejudicados por um agente usando a Alemanha como base para operação em um país próximo. Para o promotor federal, isso determinará se o caso terminará em fracasso ou em um grande sucesso, como o caso de Anna Chapman.
No caso de destaque de Chapman, o FBI não conseguiu provar que a russa e seus colegas agentes estiveram envolvidos em espionagem. Em vez disso, eles foram acusados de lavagem de dinheiro e conspiração. Mas após a prisão, o Kremlin admitiu que eles eram cidadãos russos. Em um verdadeiro estilo Guerra Fria, os agentes foram trocados por quatro supostos espiões da CIA que passaram anos em prisões russas.
Após o retorno deles, Vladimir Putin exaltou o risco que eles correram. “Apenas imagine (...) É preciso dominar uma língua estrangeira como sendo sua própria, pensar nela, falá-la e cumprir tarefas em prol da pátria por muitos anos, sem contar com imunidade diplomática”, ele disse.
Falando sobre os espiões presos nos Estados Unidos, Putin fez uma promessa que também será do interesse de Andreas e Heidrun A.: “Eu estou certo de que eles terão uma vida interessante e brilhante”.
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