Viktor Vasilyevich Cherkesov |
"A Rússia tem um sistema político cada vez mais feudal e incapaz de resolver seus problemas, mas destruí-lo de uma vez seria muito perigoso", diz. "É preciso renová-lo como se fosse um reator atômico, tirando os elementos gastos e substituindo-os por novos, mas de forma paulatina, sem tocar o núcleo, para que o reator não exploda", indica Cherkesov, que foi responsável pelos órgãos de segurança de São Petersburgo e da região de Leningrado de 1992 a 1998 e representante presidencial no distrito federal do noroeste da Rússia.
As eleições de 4 de dezembro são uma "oportunidade de mudança" e produzirão um "Parlamento real e não um observador passivo", diz, e opina que "a última coisa boa que Dmitri Medvedev poderia fazer é garantir eleições limpas e democráticas". "Competir nas eleições é uma grande virada em minha vida, mas continua o que fiz durante anos, isto é, participar da gestão do Estado, só que agora em um papel político", explica Cherkesov, que sem ser militante está no oitavo lugar da lista comunista, o que lhe garante um assento no Parlamento russo.
Cherkesov acredita que "é preciso se dedicar a sério à segurança e à luta contra a corrupção". "Nos últimos anos o Código Penal e penal-processual sofreram centenas de mudanças. Não é preciso adotar novas leis, mas sim fazer que as existentes sejam cumpridas." Como exemplo, cita a morte em uma prisão de Moscou do diretor de uma escola, suspeito de suborno. "À margem de se a acusação era justificada, esse diretor esteve preso durante meses por várias centenas de milhares de rublos, e em troca não se prendeu nenhum funcionário pelo bilhão de rublos roubados no sistema de compras estatais. Temos um sistema de justiça seletivo. O diretor da escola estava indefeso e não podia recorrer a seus 'sócios' nas estruturas de poder, mas os funcionários subordinados são defendidos pelos que participam desses assuntos obscuros."
Os líderes russos carecem de vontade política contra a corrupção? "Mesmo desejando combatê-la, Putin e Medvedev se limitam a lemas, mas a situação pode mudar se os russos decidirem finalmente influir no poder através de seus votos e negando-se a aguentar o que acontece."
Um dos fins de Cherkesov é conseguir que o Parlamento tenha faculdades para fazer investigações. "O Parlamento deve controlar o poder Executivo, mas aqui não faz isso porque a maioria dos deputados na verdade são delegados do Executivo que freiam os projetos de lei da oposição sobre o controle parlamentar", diz. O Parlamento forma comissões "em casos especiais", mas não pode iniciar investigações independentes nem denunciar funcionários ou pedir documentos. Um tema a investigar são as relações do negócio do jogo clandestino na região de Moscou com a Promotoria Geral e o Comitê de Investigação (organismo criado na época de Putin que assumiu funções de processamento penal antes exercidas pela promotoria). "Devemos saber se a promotoria está corrompida ou não e se o comitê de investigação é o instrumento de uma luta de clãs ou está do lado da lei. Por isso seria lógico que o Parlamento investigasse, para que a sociedade recupere a confiança na justiça. Só se o Parlamento controlar o Executivo começará a luta contra a corrupção."
No passado, Cherkesov via os órgãos de segurança a que pertence como uma casta seleta, a única capaz de dirigir o Estado quando as instituições estavam em crise. Seu pensamento evoluiu desde aquele "excesso de idealismo". Não acredita mais na capacidade de um grupo privilegiado, seja o que for, para formar um país normal e guiá-lo para a democracia. "Hoje a casta é ainda mais casta que antes, atua mais em seu próprio proveito, acumulou mais recursos. Seus princípios, sua moral e seus objetivos se transformaram qualitativamente e seu poder e suas influências são maiores que antes", afirma.
Em 2007, em um gesto insólito entre os "chequistas" (veteranos da KGB) do entorno de Putin, Cherkesov publicou um artigo no qual exortava seus colegas a escolher entre sua responsabilidade histórica à frente do Estado ou mergulhar na corrupção e enriquecer graças ao poder obtido. Naquele artigo, enumerava diferentes possibilidades do regime, a saber a democratização, o deslizamento para uma ditadura de tom latino-americano ou a estagnação. Hoje a Rússia vive entre a estagnação e o deslizamento para a ditadura, mas pode se democratizar se Putin compreender que essa é uma necessidade imperiosa e se a sociedade pressionar as estruturas de poder, explica. "Aqui se dá a variante mais selvagem do capitalismo, o que é inaceitável para a maioria", declara.
Em 2006, sendo chefe do SFCE, Cherkesov foi requisitado por Putin para que ajudasse a investigar um caso de corrupção no qual estavam envolvidos altos funcionários dos serviços de segurança. Em cumprimento dessa ordem, uma equipe de Cherkesov sob o comando do general Alexandr Bulbov realizou escutas telefônicas para esclarecer um assunto de contrabando que "havia custado a vida de várias pessoas, incluindo o jornalista e deputado Yuri Schekochijin". Em poucos meses, o grupo "reuniu as provas necessárias para desmascarar os contrabandistas" que em 2010 foram condenados e presos. Vários funcionários da Promotoria Geral, da Aduana e do Serviço Federal de Segurança foram demitidos de seus cargos.
No entanto, o comitê de investigação que surgiu da promotoria prendeu Bulbov, com dados em grande parte falsificados, e o general esteve preso durante dois anos. O paradoxo é que "os altos funcionários demitidos encontraram trabalho bem remunerado à frente de bancos, e Bulbov ficou no desemprego ao sair da prisão livre de acusações. Foi injusto", diz.
Putin abandonou Cherkesov? O general evita responder. A confiança de Putin, que foi tão importante para criar o SFCE, havia "esfriado" em 2008. "Meus ex-colegas organizaram a publicação de investigações jornalísticas falsas contra mim", diz. Putin o aconselhou a "jogar no lixo" aqueles artigos, mas Cherkesov passara a ser visto como um "perigo" na casta dos "chequistas" que cercam o presidente. Putin explica que tentava manter o equilíbrio de diversos serviços de segurança e estes se uniram contra o general Cherkesov, que, crendo ter o apoio do chefe de Estado, ousou transgredir as regras corporativas.
Cherkesov se viu assim só diante de pessoas que confiavam nele e que "em vez de ganhar uma medalha" eram intimidadas e inclusive presas por seus próprios "colegas" de outros departamentos da segurança por terem desestabilizado a paz "gremial-delituosa". Cherkesov diz entender que Putin tem guerras em diversas frentes e deve escolher para onde mobilizar suas tropas. "Putin pensa que seu principal apoio, sua base, são os órgãos de segurança e por isso não pode enfraquecê-los, goste ou não disso. Eu vejo o campo de batalha de outra maneira e creio que nenhum clã pode se atribuir o monopólio da força, a repressão ou a eleição, porque esse monopólio não pode ser objetivo." E acrescenta: "Enquanto os funcionários atuais têm carros de luxo, os generais têm pacotes de ações das grandes companhias e seus filhos controlam as principais corporações do país, por acaso podemos confiar em sua objetividade?"
"Por sua filosofia, Putin é pouco sensível diante do roubo, porque acredita que todos roubam", mas "tem grande experiência e é capaz de ter uma ideia correta do papel do Estado e de atuar como regulador e controlador entre as instituições, mesmo que utilize suas qualidades de forma seletiva".
Putin tornou seus amigos "ricos e felizes", e em seu terceiro mandato Cherkesov espera que "renuncie a satisfazer os interesses pessoais de seu entorno" e também aplique "mudanças radicais", como a "concorrência política, a liberdade de informação nos canais de televisão, a verdadeira luta contra a corrupção e o ingresso nos órgãos de ordem pública e segurança de pessoas não envolvidas na extorsão organizada". "É preciso lutar por um novo Putin, porque a lógica do velho Putin não pode tirar o país da crise", afirma.
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