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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Espanha apaga os últimos vestígios da ditadura de Franco dos edifícios estatais

Francisco Franco
Entre a morte de Francisco Franco e a retirada de sua estátua equestre da Praça da Prefeitura de Valência passaram-se oito anos. Foram precisos outros 27 e uma Lei da Memória Histórica para remover a mesma estátua do pátio da Capitania Geral de Valência, onde se situava em local garboso, e depositá-la em um armazém militar em Bétera, fora do olhar público.

Talvez seja um tempo excessivo, mas mitigou a febre das feridas recentes. Em 9 de setembro de 1983, os operários que participaram da desmontagem da estátua trabalharam encapuzados e suportaram uma chuva de pedras de ultradireitistas que se opuseram à saída de seu ícone com toda a violência que a polícia lhes permitiu. A operação tentou ser feita às escondidas - começou de madrugada - e acabou em um espetáculo público que durou 11 horas. Um vereador da Aliança Popular depositou uma coroa de flores aos pés do equino, enquanto outros gritavam: "O burro e o cavalo, fora da praça".

Em abril de 2010, a retirada da mesma estátua da Capitania Geral de Valência foi realizada com esmero e indiferença: coberta por uma lona branca, ela foi erguida por um guindaste em uma operação sem incidentes. O passado dói menos.

Com semelhante normalidade foram retirados - às vezes modificados - outros 600 vestígios do franquismo que sobreviviam em edifícios ou espaços do governo estatal, para cumprir a Lei da Memória Histórica, aprovada em 2007, depois de ser examinados por uma comissão de especialistas criada pelo Ministério da Cultura. Nessa lista, que sobreviveu à morte de seu inspirador, havia de tudo: as conhecidas placas para mortos e mártires, fervorosas saudações falangistas ("Presentes!" e "Arriba España!"), 81 escudos em relevo com a canga e as flechas, talheres e louças em embaixadas e poltronas e mobiliário da Promotoria com o mesmo símbolo pré-constitucional, estátuas, bustos e óleos do ditador... Inclusive objetos mais fantasiosos, como o monumento com as marcas dos pés de Franco em Ceuta, olhando para o estreito; sete postes de pedra de 2 metros com canga e flechas espaçados na A-31 (Albacete), ou o tapete de 10 x 15 metros da biblioteca da Embaixada da Espanha em Roma, com a inscrição "Franco, Franco, Franco!" tecida em uma lateral.

Em seus dois anos de trabalho, a comissão de peritos se encarregou de avaliar as exceções na retirada de símbolos franquistas dos órgãos públicos da Administração Geral do Estado. Depois de examinar mais de 700 restos de todo tipo, indultou cerca de 10% por seu valor histórico, artístico ou artístico-religioso. E também aqueles casos em que se aconselhou por razões técnicas: a extração colocaria em risco a estabilidade do edifício. Um último salvo-conduto foi que o objeto não exaltasse nem a Guerra Civil nem a ditadura, o que permitiu conservar elementos concretos. O Ministério da Defesa, proprietário da maioria dos símbolos que passam à reserva, se antecipou em boa parte à tarefa da comissão. Em seu inventário rastrearam 410 objetos que atentavam contra a lei por exaltar o franquismo ou a Guerra Civil. Em geral, a comissão de especialistas corroborou seu parecer, exceto em alguns vestígios, onde emendaram critério e obrigaram a retirar escudos pré-constitucionais (Palma de Mallorca e Santa Cruz de Tenerife).

Com seus trabalhos terminados, pode-se concluir que as marcas de Franco saem definitivamente dos edifícios estatais quase quatro décadas depois de sua morte. Uma longa espera? "Nestes anos foram desaparecendo vestígios da ditadura das cidades, digamos que isto é o arremate final", afirma a subdiretora de Cultura, Mercedes del Palacio. "É provável que muitos pensem, ou pensemos, que se demorou demais, mas a Transição, que foi uma fórmula adequada de reconciliação nacional, condicionou o desenvolvimento de uma política de memória que se ligasse à tradição democrática anterior", acrescenta.

Nem tudo que é público está limpo de resíduos franquistas. "A assinatura pendente fica para as prefeituras, deputações e comunidades autônomas, que estariam descumprindo a lei se mantiverem vestígios", afirma Josefina Cuesta, catedrática de história contemporânea na Universidade de Salamanca.

Os retirados, segundo sua natureza, foram transferidos para depósitos e museus. Uma parte notável irá para o Centro Documental da Memória Histórica (CDMH) em Salamanca, quando tiver novas dependências com capacidade para armazenar dezenas de placas, escudos, bustos e quadros realizados em honra a Franco. O surpreendente acúmulo de utensílios, talheres e mobiliário que ostentavam a canga e as flechas se destina ao Museu de Artes Decorativas.

Em nenhum caso os especialistas defenderam a destruição dos elementos franquistas, e se a retirada era inviável se optou por propor o recobrimento ou medidas semelhantes. Um pequeno grupo do inventário inicial foi excluído porque não pertencia à Administração Estatal.

Os que se opõem ao desaparecimento desses elementos com o argumento de que são - goste-se ou não - história ou antídoto contra o esquecimento, a catedrática de história da Universidade Autônoma de Barcelona, Carme Molinero, contrapõe o seguinte: "É necessário distinguir entre um monumento ou símbolo que implica homenagem ou conhecimento público e uma construção que respondia a uma finalidade concreta". E conclui: "Uma sociedade democrática não deveria normalizar as referências das ditaduras, e portanto não deveria manter a homenagem a essas referências. É diferente o caso de algumas construções cuja conservação, além de seu valor artístico, pode ajudar a explicar esse passado ditatorial. Nesse caso deve ser acompanhada pela explicação necessária para as novas gerações".

É o que propõe a comissão de especialistas a propósito do antigo campo de concentração de Miranda de Ebro, o último que a ditadura fechou em 1947, depois de uma década de atividade. Depois de visitá-lo, a comissão propôs a construção de um centro de interpretação "do que significou e foi o campo", em suma, um lugar de memória sobre os restos de um lavatório, uma muralha e antigos edifícios do campo, pelo qual passaram 80 mil prisioneiros, dos quais 15 mil foram estrangeiros presos durante a Segunda Guerra Mundial.

Conta o ensaísta Ian Buruma, em "El precio de la culpa" (ed. Duomo) [O preço da culpa], que depois da Primeira Guerra Mundial na Alemanha foram levantados monumentos às vítimas, cujo sacrifício se exaltava porque ajudava a unir a pátria. "Nada parecido com isso surgiu depois da Segunda Guerra. Em lugar de monumentos para glorificar, os alemães levantaram monumentos para advertir." Mas houve várias fases. Buruma explica que as primeiras décadas foram marcadas pela "compulsão por esquecer". Foram destruídas e apagadas lembranças do Terceiro Reich. Os monumentos de advertência e os lugares para a memória são promovidos pela geração dos 60, "tão ansiosa por advertir e recordar como estavam seus pais por esquecer". É algo que se repete. "Em todos os episódios históricos contemplamos uma constante: a moderação, a discrição, a prudência na memória dos filhos e a ruptura como contribuição própria dos netos", corrobora o historiador Ricardo García Cárcel em "La herencia del pasado" (ed. Galaxia Gutenberg) [A herança do passado].

 Alguns "indultados"

- Vitral no teto do restaurante da Academia de Infantaria de Toledo. Descrita como "obra-prima", foi avaliada em 300 mil euros em 1992.

- Fotografia de Franco emoldurada no Arquivo da Coroa de Aragão, em Barcelona, por ser um documento de arquivo.

- Baixo relevo em pedra no Instituto de Estudos Fiscais, com metade do escudo pré-constitucional, em Madri. É mantido por "motivos históricos".

- Placa em memória de funcionários falecidos na Guerra Civil, no Ministério do Meio Ambiente e Meio Rural e Marinho. Não menciona o franquismo, não será retirada.

- Gravação na escadaria monumental da Escola Naval de Marín, que lembra seu traslado na ditadura. Será conservada para não danificar o conjunto artístico.

Novos documentos sobre as vítimas espanholas do nazismo

Jorge Semprún, deportado em Buchenwald com o número 44.904, pedia que os escritores se apoderassem da memória dos campos: "Se não o fizerem reviver e sobreviver através de sua imaginação criadora, se apagará com as últimas testemunhas, deixará de ser uma recordação em carne e osso da experiência da morte".

Há outros testemunhos mais imorredouros que ajudam a reviver, a partir da mais descarnada falta de imaginação: os documentos. Às vezes ressurgem quando já não são esperados, para causar arrepios com seu tom amarelado, seu aspecto maltratado e uma concisão fúnebre, como a "Relação dos camaradas e objetos que o Comitê de União Nacional Espanhola retirou dos armazéns do campo de Buchenwald", seguida de 33 nomes, seu número de deportado e as escassas posses que deixaram no lugar aonde iam para morrer. São objetos cotidianos que se repetem: relógio de pulso ou de bolso, piteira, anel, caneta.

É um dos documentos resgatados ao acaso de uma demolição em Paris em 2004, por um jovem que os depositou na embaixada da Espanha, que o enviou ao Ministério da Cultura dois anos depois. Durante esse tempo permaneceu na caixa-forte do ministério até que seu conteúdo foi analisado e digitalizado. Os papéis serão depositados no Centro Documental da Memória Histórica de Salamanca, mas servirão de fonte para revirar os registros de cerca de 3 mil espanhóis que passaram por campos nazistas no Portal de Vítimas da Guerra Civil e Represaliados do Franquismo, implementado pela Cultura em junho de 2010. Nessa base de dados, que começou com 750 mil registros, serão incluídas um milhão de novas referências, procedentes na maior parte do CDMH.

Rastreando na origem, o subdiretor dos Arquivos Estatais, Severiano Hernández, descobriu que era documentação conservada pelo general republicano José Riquelme López-Bago, morto em 1972, e sua viúva. Riquelme estivera à frente do comitê de Paris da Cruz Vermelha espanhola republicana, que elaborou listas de espanhóis deportados para Dachau, Buchenwald ou Mauthausen. Há um volume artesanal de 167 páginas com 2.508 nomes acompanhados de lugar e data de nascimento, assim como domicílio na Espanha e dados pessoais. O rastro que se passavam uns aos outros para que os sobreviventes contassem a seus familiares aquilo que, segundo Semprún dizia Elie Wiesel, era impossível contar e proibido calar.

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