Coletiva de imprensa do partido Ennahda |
O bom desempenho dos islamitas nas eleições da Tunísia fez com que surgissem dúvidas quanto à Primavera Árabe. Será que os governos dos ditadores da África do Norte serão substituídos pela sharia? Segundo analistas alemães, o islamismo terá que desempenhar um papel nos novos regimes, mas isso não será necessariamente o fim do mundo – e os secularistas tunisianos também têm força política.
Nesta semana os tunisianos desapontaram os observadores ocidentais ao concederem aos islamitas uma grande maioria na primeira eleição da história do país. O fim da contagem de votos deveria ocorrer na tarde da última terça-feira (25/10), as eleições foram limpas, e o Ennahda, um partido que se auto descreve como islamita moderado, obteve cerca de um terço das cadeiras do parlamento nacional.
O Ennahda precisará montar uma coalizão para governar, mas o apoio generalizado ao partido desapontou muita gente que esperava um resultado diferente quando a Tunísia, quase que por acidente, deu início à onda de movimentos da “Primavera Árabe” no norte da África neste ano. Tunisianos que não suportavam mais o desemprego e a ditadura saíram corajosamente às ruas e obrigaram o ditador de longa data, Zine El Abidine Ben Ali, a seguir para o exílio na Arábia Saudita.
“Para nós a liberdade é muito importante”
O líder do Ennahda, Rashid al-Ghannushi, foi durante muitos anos um dissente político exilado em Londres, e ele ainda conta com bastante apoio popular da população mais pobre da Tunísia. Ele gosta de comparar o Ennahda ao partido islamita de Recep Tayyip Erdogan, o AKP, que governa a Turquia – ou, de uma maneira menos óbvia, ao partido democrata-cristão alemão, de centro-direita. Na semana passada, antes da eleição de domingo, ele defendeu o papel do islamismo no governo da Tunísia.
“A sharia (lei religiosa muçulmana) não é um elemento estranho às nossas sociedades”, afirma ele. “Por exemplo, no Reino Unido nós temos finanças e um sistema bancário islâmicos, e uma lei islâmica para a família pode ser aplicada nos casos de casamento e divórcio. Nós não vemos a sharia interferindo nas vidas privadas das pessoa ou nas suas liberdades de vestir o que quiserem. Para nós, a liberdade pessoal é algo muito importante”.
Analistas alemães estão preocupados com as perspectivas para os direitos das mulheres na Tunísia, mas eles manifestam um otimismo cauteloso quanto ao futuro do país.
O jornal alemão de centro-direita “Frankfurter Allgemeine Zeitung” disse em uma coluna: “Não é de se surpreender que o partido islamita Ennahda tenha se tornado o mais poderoso dentre cerca de 80 partidos que emergiram da revolução da Tunísia. Até mesmo a Tunísia, que é bastante secular quando comparada a outros países árabes, e onde as mulheres continuam encontrando um lugar na vida pública, é um país profundamente enraizado no islamismo e na sua história”.
“Mesmo assim, é preciso prestar atenção para determinar se as promessa feitas pelo líder do Ennahda, Rashid al-Ghannushi, que disse que o seu partido é moderado e apoia a democracia e o pluralismo, eram verdade ou foram simplesmente manobras de campanha. Muitos tunisianos que votaram em outros partidos temem que Ghannushi seja um lobo em pele de cordeiro”.
O jornal conservador diário “Die Welt” declarou em editorial: “O Ennahda defende a tradição e conta com uma sólida organização nos seus quadros. Ele parece ser também o único partido tunisiano que recebeu auxílio financeiro maciço do exterior, supostamente de Estados do Golfo Pérsico. Ao contrário de outros partidos que disputaram a eleição, o Ennahda pode também alegar que foi totalmente banido durante o regime de Ben Ali; o líder do partido teve que ir para o exílio. O partido goza que uma espécie de bônus de credibilidade”.
“Não se deve falar ainda de um fim da Primavera Árabe na Tunísia. Até mesmo um regime similar ao AKP da Turquia é visto com antipatia pelos europeus: o sucesso em criar um novo Estado, mesmo tendo na liderança um partido orientado pela sharia, será considerado um enorme passo adiante, contanto que ele aceite os princípios da pluralidade e dos direitos humanos”.
Já o jornal de esquerda “Die Tageszeitung” declarou: “Os secularistas dispõem de duas maneiras para lidar com essa eleição. Uma seria formar uma aliança de todos os poderes seculares a fim de criar um governo de oposição ao partido Ennahda. A outra seria formar um governo de unidade nacional. Nenhuma opção será fácil. O partido Ennahda já prometeu mobilizar os seus seguidores caso os secularistas tentem atrapalhar os planos dos islamitas. Mas um governo de unidade nacional não será capaz de representar todos os principais partidos do país”.
“O politicamente moderado Partido Democrático Progressista, que deverá tornar-se a segunda força mais poderosa no governo, recusou as ofertas para formar alianças tanto com o partido Ennahda quanto com o Eixo Democrático Moderno, uma aliança de candidatos de esquerda e independentes. Mas independentemente de quem venha de fato a governar o país, várias questões relativas à nova constituição parecem ter sido resolvidas após a vitória do Ennahda. Assim como a antiga constituição, a nova carta constitucional definirá a Tunísia como sendo uma nação islâmica. Porém, é improvável que haja retrocessos em questões como os direitos da mulher, já que isso provocaria os não muçulmanos”.
O jornal de notícias econômicas e financeiras “Handelsblatt” manifestou-se da seguinte forma quanto aos acontecimentos na Tunísia: “A Tunísia entrou em uma era de eleições livres nos países da Primavera Árabe – e o partido muçulmano Ennahda obteve imediatamente uma vitória nítida. No Egito, onde a eleição parlamentar deverá ocorrer em novembro, a Irmandade Muçulmana provavelmente será o partido que terá mais votos. E, para os líbios, que provavelmente votarão daqui a alguns meses, os islamitas também desempenharão um grande papel. Afinal de contas, o Conselho de Transição Nacional da Líbia declarou que deseja seguir a sharia”.
“Nós precisamos nos acostumar ao fato de que a democracia em vários países árabes criará fortes partidos islamitas. Existem coisas piores do que isso. Durante muito tempo, o medo dos islamitas obrigou os Estados Unidos e a Europa a apoiar déspotas terríveis como Zine El Abidine Ben Li, da Tunísia, e Hosni Mubarak, do Egito. Agora os norte-americanos e europeus não podem cometer o erro de deixar de apoiar essas jovens democracias devido a resultados indesejados das eleições”.
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