Soldados quenianos realizam assalto aeromóvel em bastião extremista somali com a ajuda dos sul-africanos |
O governo queniano revelou na quarta-feira (26) que sua ampla incursão militar na Somália neste mês, para combater os militantes islâmicos, não foi uma simples resposta a uma onda de recentes sequestros, como alegou inicialmente, mas sim planejada com bastante antecedência, parte de uma estratégia secreta para penetrar na Somália e impedir que a violência de um dos países mais anárquicos da África se espalhe para um dos mais estáveis.
Mas agora muitos diplomatas, analistas e quenianos temem que o país, ao invadir o sul da Somália, tenha mordido mais do que podia mastigar, se abrindo para represálias terroristas e impedindo os sobrecarregados esforços de ajuda humanitária de salvar as vidas de centenas de milhares de somalis famintos.
A Somália é uma pedra no sapato do Quênia desde que este se tornou independente em 1963, com os dois países seguindo caminhos altamente diferentes. A Somália se tornou sinônimo de fome, guerra e anarquia, enquanto o Quênia se tornou um dos principais aliados dos Estados Unidos no continente, um baluarte de estabilidade e um destino procurado por turistas de todo mundo.
Mas as autoridades quenianas disseram que está se tornando impossível coexistir com um Estado fracassado como vizinho. Eles consideram o Al Shabab, o impiedoso grupo militante que controla boa parte do sul da Somália, um “risco real e imediato”, responsável por pirataria, ataques militantes e incursões em seu território.
Quando o Quênia ordenou que colunas de tropas cruzassem a fronteira com a Somália em 16 de outubro, as autoridades do governo disseram inicialmente que estavam caçando sequestradores que abduziram recentemente quatro ocidentais, dois de chalés de praia na costa queniana, e que o Quênia precisava defender sua indústria do turismo bilionária.
Mas na quarta-feira, Alfred Mutua, o porta-voz chefe do governo queniano, mudou o discurso, dizendo que os sequestros foram mais um “bom pretexto para o lançamento”.
“Uma operação dessa magnitude não é planejada em uma semana”, disse Mutua. “Ela estava em espera há algum tempo.”
Muitos analistas se perguntam como o Quênia conseguirá desafiar a história e estabilizar a Somália quando a ONU, os Estados Unidos, a Etiópia e a União Africana já intervieram antes, com pouco sucesso. Eles argumentam que a operação queniana parece mal planejada e não coordenada, com centenas de tropas atoladas na lama por causa das chuvas que caem nesta época do ano.
Os oficiais militares quenianos também disseram publicamente que os Estados Unidos e a França os estão ajudando, mas ambos os países se distanciaram rapidamente da operação, insistindo que não estão participando nos combates.
“A invasão foi um sério erro de cálculo e a economia queniana sofrerá muito”, disse David M. Anderson, um especialista em Quênia da Universidade de Oxford.
O Al Shabab, que é aliado da Al Qaeda, matou centenas em ataques suicidas na Somália e agora promete punir o Quênia, assim como o grupo atacou Uganda no ano passado por ter enviado forças de paz.
Ocorreram dois ataques com granada em Nairóbi, que as autoridades disseram ter sido obra de membros do Al Shabab, e esta capital normalmente descontraída entrou em modo de guerra. Seguranças revistam bolsas nos supermercados, os shopping centers estão desertos porque muitos quenianos agora temem se congregar em público, e o governo americano alertou sobre “uma ameaça iminente de ataques terroristas” contra shopping centers e casas noturnas.
Apesar de seu relacionamento estreito com os serviços de segurança quenianos, que recebem milhões de dólares em ajuda americana a cada ano, as autoridades americanas disseram que foram pegas desprevenidas pela incursão.
“Os Estados Unidos não encorajaram o governo queniano a agir, nem o Quênia pediu nossa opinião”, disse Katya Thomas, uma porta-voz da embaixada americana em Nairóbi. “Mas nós notamos que o Quênia tem o direito de se defender.”
As autoridades no Pentágono agora estão observando cautelosamente. “Isso não foi algo que foi coordenado conosco, de modo que não é algo de que temos muito conhecimento”, disse um alto funcionário do Pentágono. “Agora nós queremos ver como isso se desdobrará."
Segundo as autoridades no Pentágono, o impacto imediato da dispersão dos combatentes do Al Shabab foi bom. Mas sem saber muito sobre a estratégia geral queniana ou de um plano de longo prazo, eles permanecem cautelosos. “É difícil saber qual será o próximo passo”, disse o alto funcionário.
As autoridades quenianas disseram que o próximo passo é marchar até Kismayu, uma cidade portuária controlada pelo Al Shabab e que rende dezenas de milhões de dólares em taxas para o Al Shabab a cada ano.
Mas Lazarus Sumbeiywo, um ex-líder do exército do Quênia, disse que os quenianos estão errando taticamente.
“Deveriam ter ocorrido ataques cirúrgicos”, disse Sumbeiywo, argumentando a favor de pequenas equipes de forças especiais para caçar os militantes e eliminá-los discretamente.
Em 1990, antes de se tornar chefe do Estado-Maior, disse Sumbeiywo, ele realizou operações especiais para matar combatentes somalis que se infiltraram no Quênia. Ele disse que seus homens trabalhavam em pequenas unidades –um rastreador, um atirador e um tradutor– e que o Quênia é incomodado pela Somália há décadas.
“Tem sido assim desde o início”, ele disse, descrevendo como as forças quenianas combateram os militantes somalis nos anos 60 e 70, perdendo centenas de homens.
Nos últimos anos, o Quênia tentou usar milícias substitutas na Somália para afugentar o Al Shabab e criar uma zona tampão até Kismayu. Mas as milícias têm tido dificuldades e as autoridades quenianas disseram que seus planos para o grande porto de Lamu, perto da fronteira somali, foram colocados em risco pela instabilidade que vaza do sul da Somália.
“Isto não é a respeito do turismo”, disse um alto funcionário queniano, que falou sob a condição de anonimato. “Trata-se de nosso plano de desenvolvimento a longo prazo. O Quênia não pode atingir o que deseja economicamente com a situação em que se encontra a Somália, especialmente Kismayu.”
“Imagine que você esteja tentando nadar”, ele acrescentou. “Se alguém ficar segurando sua perna e seu braço, quão longe você conseguirá nadar?”
As autoridades somalis, apesar de serem inimigas do Al Shabab, ficaram furiosas com a incursão queniana, com o presidente da Somália, Sharif Sheik Ahmed, a chamando de uma violação “imprópria e inaceitável” da soberania somali.
A disputa fez com que os diplomatas ocidentais mediassem entre os dois lados, mas Mutua disse que “muito se perdeu na tradução” e que quenianos e somalis ainda são próximos.
Mesmo assim, organizações de ajuda humanitária estão profundamente preocupadas com a possibilidade das operações militares afetarem os esforços para chegarem às pessoas famintas no interior da Somália. A ONU disse que dezenas de milhares de somalis morreram e que 750 mil podem morrer de fome. O Al Shabab controla muitas das áreas mais atingidas e os combatentes do Al Shabab impedem a entrada da maioria dos grupos de ajuda ocidentais.
“Algumas das pessoas afetadas pela seca, que vieram de outras partes do país, agora estão enfrentando múltiplos deslocamentos devido às atividades militares”, disse um relatório da ONU na quarta-feira. “A movimentação de pessoal humanitário e suprimentos também poderá ser restringida, consequentemente afetando o fornecimento de assistência à população necessitada.”
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