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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Batalha por Sirte ameaça processo de pacificação da Líbia

O comandante, desafiando uma chuva de balas, ordenou aos seus soldados que mirassem as suas armas em um foco de franco-atiradores pró-Gaddafi situado em uma escola. Mas foi então que alguém informou que os homens leais ao ex-ditador pediram para se render, e solicitou aos soldados que suspendessem o fogo. Foi um momento de esperança. Após semanas de violência, os combatentes estavam exaustos, a cidade destruída e centenas de civis encontravam-se presos nas suas casas situadas na área.

Mas alguém disparou tiros e o momento esvaneceu-se. O comandante, Ali Imrakibi, declarou que não haveria trégua. “Não se pode confiar neles”, afirmou Imrakibi durante a batalha na última quinta-feira. “Eles são todos traidores”.

A batalha por Sirte deveria ser o posfácio do conflito líbio, um momento que antecedesse aquele período no qual os revolucionários unificassem o país e dessem início ao processo de eleição de um governo. Mas, em vez disso, este tem sido um dos períodos mais terríveis da guerra, ameaçando as perspectivas de reconciliação à medida que novas histórias de violência e vingança se espalham pelo país.

Embora a longa luta esteja agora perdendo a intensidade, ela demonstra o problema que o fraco governo de transição da Líbia enfrenta ao tentar unir um país dividido pela guerra em regiões e facções concorrentes e repleto de vendetas que emergem após o regime bizarro e opressivo de quatro décadas de Muammar Gaddafi.

No topo da agenda da secretária de Estado norte-americana Hillary Rodham Clinton durante a sua visita surpresa à Líbia na terça-feira (18), estava uma discussão a respeito de formas de acabar com as divisões, proteger os civis contra abusos dos direitos humanos perpetrados por milícias renegadas e ajudar o governo provisório a estabelecer o controle político sobre o país. À medida que as semanas passam, e com Gaddafi ainda foragido, essa tarefas estão começando a dar a impressão de serem muito difíceis.

Conforme disse Hillary Clinton antes da sua reunião com os novos líderes da Líbia, “agora é que começa a parte difícil”.

Os problemas parecem se multiplicar a cada dia. Após meses de relativa calma no leste do país, ex-líderes rebeldes foram pegos desprevenidos pela intensidade das divisões no oeste da Líbia, onde a política do coronel de favorecimentos e de alimentar rivalidades resultou em uma série de confrontos violentos.

A questão da lealdade ao velho regime tem alimentado uma séria de disputas de natureza tribal, racial e étnica, lançando aldeias árabes contra aldeias bérberes, milícias da região de montanhas contra aquelas do litoral e líbios de pele clara contra os seus vizinhos negros.

As novas autoridades têm implementado as suas próprias políticas divisivas, ao deixarem de conter o assédio e a violência contra a população negra nos territórios por elas controlados ou de controlar os seus combatentes, alguns dos quais saquearam ou incendiaram casas de indivíduos leais a Gaddafi e reproduziram as técnicas utilizadas pelo antigo governo ao deterem suspeitos arbitrariamente e torturarem prisioneiros.

Fathi Terbil, um advogado cuja detenção em fevereiro desencadeou a revolução líbia, diz que está “frustrado” com os relatos de tortura.

“Essas violações dos direitos humanos farão com que a população deteste a revolução”, adverte Terbil, que atualmente é membro do governo de transição.

Em um período de 30 dias após a queda de Sirte, o presidente do Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdul-Jalil, deverá declarar que o país foi liberado, dando início a um cronograma visando a eleição de um conselho nacional dentro de oito meses e de um governo eleito de natureza ainda não determinada dez ou 12 meses mais tarde.

Esse processo provavelmente será marcado pelos seus próprios problemas, questões relativas a como as diferentes partes do país deverão ser representadas no conselho nacional, incluindo cidades como Sirte, que apoiavam o antigo governo.

Por hora, porém, um governo civil ainda parece ser uma realidade distante. Os combates deram ao país uma característica marcial, caracterizada por homens de uniforme, gritos religiosos de batalha e suspeitas alimentadas pela guerra.

O bairro pobre de Abu Salim, em Trípoli, recuperava-se no último sábado de uma verdadeira invasão no dia anterior por parte de combatentes anti-Gaddafi, que alegaram ter sido alvo de tiros disparados por apoiadores armados do ex-ditador que faziam uma manifestação.

Mas os moradores do bairro contaram uma história diferente. Eles disseram que na sexta-feira um grupo de cerca de 20 jovens fez uma passeata pró-Gaddafi, e que os combatentes contrários ao ditador responderam com tiros. Não houve nenhum sinal de resistência armada aos combatentes anti-Gaddafi, que obviamente não tinham um só comandante e que dispararam armamentos pesados repetidamente contra conjuntos de edifícios residenciais nos quais a manifestação teria ocorrido.

“Nós queremos mudança”, disse Nasser Salah, morador antigo da área, enquanto observava um grupo de combatentes disparar as suas armas em um pátio próximo ao seu apartamento. “Nós queremos uma vida tranquila. Nada como isso que estamos presenciando”.

No dia seguinte, os combatentes retornaram ao bairro residencial, uma nova frente de batalha, apontando armas antiaéreas para os edifícios enquanto os seus colegas arrombavam portas a chutes, procurando armas nas residências. Havia pouca simpatia pela ideia de que os partidários do coronel pudessem ter qualquer direito a se manifestar.

“O sangue ainda está correndo”, disse Hisham Krekshi, vice-diretor de um conselho local que faz parte do novo governo do país. “Ainda é muito cedo”.

O legado de desconfiança era bem evidente nos arredores de Sirte na semana passada, onde moradores em fuga diziam ter medo de deixar a cidade, convencidos pelo antigo governo de que as forças anti-Gaddafi estavam esperando para roubá-los ou para fazer coisas piores.

Ao mesmo tempo, os ex-rebeldes tratavam praticamente todo homem da cidade como um potencial inimigo. Combatentes caminhavam pelos corredores do hospital de Sirte, interrogando pacientes. Em uma barreira militar na saída da cidade, jovens combatentes questionavam moradores que fugiam, e se concentravam em um homem que estava sozinho em um Volkswagen.

Alguns combatentes agarraram o homem pelo colarinho, examinando o pescoço dele, onde descobriram queimaduras. “A minha casa pegou fogo”, explicou o homem. Eles vasculharem os pertences do indivíduo detido, e apreenderam uma chapa de raios-X e tiras de plástico, que eles suspeitavam que tivessem sido usadas como algemas.

“Você não está limpo”, disse a ele um jovem combatente anti-Gaddafi. “Eu juro por Deus”, respondeu o homem. “As minhas mãos não estão manchadas de sangue”.

“Você não conhece Deus”, retrucou o combatente, e ordenou ao homem que se mantivesse em silêncio.

Nas ruas da cidade destroçada, algumas rivalidades ganharam nova força. Combatentes de Misrata que gostam de frases viris para descrever a sua cidade – como “fábrica de homens” - zombaram de seus colegas da cidade oriental de Benghazi, alegando que estes carecem de coragem. Os combatentes de Benghazi reclamaram de que tiveram, com frequência, que enfrentar sozinhos os soldados de Gaddafi.

Desorganizados, eles trocaram tiros por detrás de suas próprias linhas de batalha. Depois, muitos foram mortos ou feridos durante uma luta que os seus líderes prometeram várias vezes que terminaria rapidamente.

A batalha de Sirte caminhou para um desfecho há quase duas semanas, após um impasse prolongado, quando os combatentes anti-Gaddafi cercaram um enorme centro de convenções que as tropas de Gaddafi vinham utilizando como base.

Os rebeldes disseram que reduziram a velocidade do seu avanço para evitar mortes de civis presos no fogo cruzado. Mas não houve nenhum sinal de autocontrole quando eles bombardearam o centro de conferências, alguns edifícios residenciais próximos e a própria cidade.

“Sirte está em chamas”, disse Jamal Tunally, um combatente de Misrata que estava sentado junto com o seu filho, Mustafa, observando os tanques que disparavam contra um conjunto de edifícios residenciais enquanto aguardava a abertura de uma rota para o centro da cidade em 7 de outubro. “Que visão maravilhosa”, afirmou ele.

Um dia depois, Tunally estava morto, vítima de um morteiro que atingiu uma multidão, e o filho dele havia seguido em frente para lutar nas ruas estreitas do centro da cidade.

As forças que se confrontavam não poderiam ser mais diferentes. Os indivíduos leais a Gaddafi, disciplinados mas encurralados em um canto cada vez menor da cidade, continham o avanço dos oponentes com a ação contínua de franco atiradores e ataques precisos com morteiros e foguetes.

O fato de os soldados leais se recusarem a se render fez com que os rebeldes acreditassem que eles estariam protegendo Gaddafi ou um dos filhos do ditador. A descoberta de corpos de homens que foram executados, quando os rebeldes avançaram, fez com que alguns acreditassem que eles estariam lutando pelas suas vidas.

Homens como Imrakibi, um ex-soldado que atualmente tem um negócio de sucesso em Bengazhi baseado no aluguel de tendas para funerais, liderou os rebeldes. Os seus soldados, alguns dos quais estavam longe de suas casas havia meses, o seguiram corajosamente rumo ao fogo dos franco-atiradores. Eles atacaram com um poder de fogo avassalador, mas sem disciplina. Após uma semana de tentativas, na segunda-feira, finalmente, eles invadiram a escola.

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