François Hollande |
Ele ouviu de tudo a seu respeito. Sobre sua cara de bonachão, sua falta de convicções, seu ar sempre empolgado, sua mania de síntese. Essa maneira de escutar sem fazer propostas, para somente concluir. Essa “esquerda mole”, para não dizer outra coisa, criticada por Martine Aubry. Esse lado “notável” zombado por Ségolène Royal. Esse apelido de “Flanby”, atribuído a ele em homenagem a um produto mole e doce. Esse centrismo pragmático que tem o dom de horrorizar os partidários de um socialismo de vertente pura. Enfim, um homem suave, frouxo e que, além de tudo, fala “com palavras de direita”, como lançou sua amiga Martine.
O ódio e a inveja são motores rotineiros da política, mas François Hollande estranhamente terá de enfrentar outra coisa de seus adversários socialistas: o desprezo. Seus falsos amigos sempre o reconheceram como “muito inteligente e muito engraçado”, para melhor estigmatizar sua falta de carisma. Entre alguns strauss-kahnianos, que hoje são seus aliados por falta de opção, como Jean-Marie Le Guen, a candidatura de Hollande provocava risos consternados.
O próprio Dominique Strauss-Kahn, antes de ser catapultado para longe, havia prometido diante de jornalistas que lhe “torceria o braço” se o miserável se aventurasse a ficar em seu caminho. Já Laurent Fabius, seu arquirrival, tinha a incrível frase para classificar um de seus confrontos com ele em 2004: “Não se esconde um elefante atrás de um morango silvestre”.
O “morango silvestre” não se esqueceu. Ele venceu todos eles. Emagreceu, se solenizou, se mitterranizou. Ele manteve sua linha, a de um europeu social-democrata. O possível futuro chefe do Estado, agora, é ele. Ele, o centrista do partido, o homem sem qualidades, o seguidor de Jacques Delors e de Lionel Jospin, que nunca foi ministro, nunca foi líder de nenhuma corrente, muitas vezes foi sacrificado, representante do distante departamento de Corrèze, primeiro secretário encarregado durante onze anos de emendar os cacos de um Partido Socialista à beira da implosão.
O que fez ele em trinta anos de vida política? Nada, concluiu sua adversária Ségolène, mãe de seus quatro filhos. Mas François Hollande não é um homem de pressa. É do tipo tartaruga, de pavio longo.
Ele esperou pelo momento certo. Suas sucessivas vitórias de 2004 nas eleições legislativas, cantonais e europeias lhe deram uma primeira vontade. Em 2007, François Hollande foi reeleito. Mas tudo deu errado. Seu fracasso político em 2005, com a vitória do “não” no referendo sobre o tratado constitucional. Sua recuperação acrobática do partido despedaçado no congresso de Mans, no mesmo ano, onde ele foi reeleito primeiro secretário porque ninguém foi louco o suficiente de querer seu lugar. Seu fracasso pessoal em 2006, com a candidatura à eleição presidencial de Ségolène Royal, a companheira ridicularizada, que o venceu por pouco. Depois do congresso de Reims, em 2008, em que todos se digladiaram, Martine Aubry tomou seu lugar. François Hollande se retirou.
“Os defeitos que me atribuem são igualmente qualidades e trunfos”, observa Hollande. “A falta de autoridade? Já se sofreu muito com um autoritarismo insuportável. Unificador? Já vivemos a divisão. Prudente? Os franceses estão traumatizados com as promessas acumuladas de Sarkozy e de outros. Pragmático? Nessas circunstâncias turbulentas e graves, precisamos de flexibilidade e de inteligência para lidar com as situações. Minha marca é a constância. O que os franceses esperam é ter confiança”.
Quando ele joga tênis em duplas, com filhos ou amigos, Hollande organiza a jogada. “Ele se posiciona para rebater, comigo no fundo da quadra, e me dá ordens: ‘Fique aí, recue, agora dê um toque...’ Como sempre, é François que tem a visão do todo”, conta seu velho companheiro Jean-Pierre Jouyet, presidente da Autoridade dos Mercados Financeiros (AMF).
Pierre Moscovici tem a mesma imagem. O ex-braço direito de Dominique Strauss-Kahn, hoje próximo do novo campeão socialista, se lembra dos bons tempos em que, sucedendo Jouyet, ele dividia suas aulas no instituto Sciences Po com Hollande, no anfiteatro Boutmy. “Eu nunca sabia se ele ia chegar atrasado, ou se ele iria mesmo, ou se, pelo contrário, faria além de sua parte”, ele diz. “Eu preparava toda a conferência para o caso de ter de cobrir o fundo da quadra. François chegava no último momento, sem anotações, pronto para rebater”.
A bem da verdade, François Hollande prefere de longe o futebol ao tênis. Os esportes populares, a boa comida e as chansons francesas tocadas ao acordeom. Os bons amigos que manteve desde a adolescência. Esse viveiro de aliados que ele formou sucessivamente no liceu Pasteur de Neuilly, na escola de comércio HEC, na Escola Nacional de Administração (ENA). De perto ou de longe, a maioria continuou como conselheiros seus.
Seu ponto em comum? “François”, desde o começo, os seduziu fazendo-os rir. Todos ficavam impressionados com sua paixão exclusiva pela política. No HEC, ele fundou com seu amigo André Martinez um minúsculo grupo de apoio a Mitterrand, não exatamente em voga entre os futuros diretores de empresas. Hollande, que se formou em 8º lugar na ENA, preferiu ceder seu tão valorizado lugar de inspetor de finanças a seu amigo Jean-Pierre Jouyet, que chegou em somente 9º, para fazer parte do Tribunal de Contas – um órgão menos prestigioso, mas com um grande mérito: o de ser menos exigente. E de deixar todo o tempo para a política.
Quem é François Hollande? Um baixinho jovial ou um temível estrategista político? Um “Flanby” da esquerda mole ou um socialista de ideias firmes? Um cínico ou um convicto? Indulgente ou autoritário? Basta vê-lo em comícios para saber. É um ator nato. O contrário do pequeno homem invisível com cara de Droopy que aparece tão mal na televisão.
No palanque, diante do público, François Hollande segura mais de uma hora alternando discursos polêmicos com esquetes cômicos. De sério e demonstrativo, ele passa para leve e hilário. Tudo isso sem discurso escrito: essa insolente facilidade já causava inveja em Jean-Pierre Jouyet durante seu curso de economia no Sciences Po.
Outro sinal de sua ambiguidade é uma obra assinada por um certo “Caton” [Catão] e publicada em 1983. Esse panfleto anônimo contra a direita, pretensamente escrito por um “dirigente de direita, tinha na realidade sido encomendado ao escritor André Bercoff, por uma ideia de Jacques Attali. Nesse início de mandato de François Mitterrand, François Hollande era desconhecido do grande público: ideal para encarnar o misterioso Caton, entrevistado pela France Inter. No rádio, ele disse muito seriamente: “Nós, a direita”... Sua voz foi identificada bem mais tarde. “Ele fazia tão bem o papel de homem de direita!”, ironiza um aliado de Martine Aubry. “Ou seja, a falsidade...”
Falsidade? Flexibilidade? Vacuidade? Seus amigos da ENA logo constataram seu senso de conciliação quando tiveram de escolher o nome de sua turma, em 1980. Alguns queriam Rousseau, outros Voltaire. Alguns liberais irredutíveis, como Henri de Castries, atual presidente da Axa, haviam sugerido Trou des Halles [Buraco de Halles], em referência ao buraco escancarado no centro de Paris, para evidenciar a imperícia do Estado. François já concordava com todos.
Voltaire venceu, e a “turma do François” foi formada no cerne dessa frutífera classe, onde o arrogante Dominique de Villepin acreditava, como de costume, estar acima da multidão. Os mais próximos de Hollande hoje estavam lá: os ex-ministros Michel Sapin, Frédérique Bredin e Jean-Pierre Jouyet, Henri de Castries, o advogado Dominique Villemot, o diplomata Jean-Maurice Ripert ou ainda, apesar de algumas turbulências, Ségolène Royal.
“François domina a arte de reunir as pessoas, com uma característica: ele está sempre no centro, mas não é o líder”, observa um de seus velhos colegas. Não é de se surpreender que a única corrente que ele já dirigiu não tenha sido uma, mas várias ao mesmo tempo: as devidamente chamadas “transcorrentes”.
“Sua trajetória caótica se explica pelo fato de que ele nunca teve sensibilidade própria”, analisa o ex-partidário de Laurent Fabius, Claude Bartolone. “Sem corrente, ele sempre teve de fazer alianças com os outros”. Isso explica essa marca “hollandesa”: escorregadio e mole. O “Sr. Veremos”, como diz Martine Aubry, que visivelmente adorou enumerar para seu adversário todos os sinônimos para moleza.
A necessidade de se transigir desde criança com um pai da direita dura e com uma educação católica não menos rígida foi determinante: a aparente indecisão é o verdadeiro ponto fraco de François Hollande.
Quando lhe perguntam de qual ato de autoridade ele pode se orgulhar em sua carreira, ele responde: “Quando decidi pedir para votarem no ‘sim’ no referendo sobre a Constituição europeia.” Essa decisão, tomada em 2004, foi seu fracasso e pesadelo.
Portanto, ele não imaginava nem por um segundo que o “não” venceria em nível nacional. Ele contava com o “sim” dos franceses para aniquilar seu antigo rival Laurent Fabius, partidário do “não”. Foi o contrário que aconteceu. Os socialistas votaram “sim” em forte maioria, mas como Jean-Luc Mélenchon, Laurent Fabius provocou o primeiro secretário fazendo campanha de seu lado, sem se preocupar com a linha votada por seus colegas. François Hollande ficou em uma posição difícil. Não “despediram” Fabius do partido. Os socialistas se digladiaram. Hollande só pôde deixar estar e minimizar os danos. Seu pecado capital de “moleza” estava lá. No congresso de Mans, no final de 2005, na última hora ele salvou o partido da ruína.
Três anos mais tarde, ao final do sangrento congresso de Reims, seu fiel escudeiro Stéphane Le Foll lhe disse: “Já basta de correr pelos outros. Agora, você deve ser você mesmo. Vá!” Em 2002, o lugar estava tomado. Em 2007, o fracasso no referendo o desqualificou. Em 2012, será sua vez.
Ele sentiu pela primeira vez o cheiro do Palácio do Eliseu. “Depois do congresso, virei um homem livre”, ele conta. “Sou presidente do conselho geral de Corrèze: uma vida notável, como diria o outro... Tinha três anos para me preparar para a eleição. Quando deixei Reims, disse para mim mesmo: é agora ou nunca.”
O ex-primeiro secretário se retirou, e começou sua transformação. A campanha de Ségolène Royal para a presidência, em 2007, deu o golpe de misericórdia no relacionamento dos dois. Depois de Reims, sua nova vida também passou por um período difícil na política. Ele voltou mudado. Moderou sua mania de fazer piadas que lhe davam um ar de rapaz bonzinho demais. Ele emagreceu, tingiu o cabelo, trocou de óculos. Um visual de presidente.
“É necessário ter estado sozinho”, conta François Hollande. “De Gaulle, Pompidou, Giscard, Mitterrand, Chirac, Sarko, todos os presidentes atravessaram um período de solidão. A solidão é uma passagem obrigatória”. No dia 31 de março de 2011, o ex-primeiro secretário saiu de sua gruta em Corrèze. Ele se declarou candidato à presidência da República.
Ninguém viu François Hollande chegando. Ele veio em seu próprio tempo, assim como em Corrèze, totalmente sozinho, em pleno feudo da direita chiraquiana. Ele se transformou de acordo com suas sucessivas funções. Ele, que é zombado por sua falta de experiência governamental, foi mais do que isso: primeiro secretário de um partido no poder, praticamente um vice-premiê de Lionel Jospin.
O “rad-soc” [radical-socialista] ao estilo de Henri Queuille lentamente se tornou um homem de Estado. Restava-lhe consolidar os ganhos, sobretudo diante de um Nicolas Sarkozy hiperativo no cenário internacional. Ora, “o europeu” Hollande nem mesmo encontrou Sigmar Gabriel, o presidente do Partido Social-Democrata alemão.
A imprensa muitas vezes comparou Martine Aubry a Angela Merkel. As mulheres no poder são tão raras que necessariamente são consideradas parecidas. No entanto, essas duas são o exato oposto uma da outra. Se a chanceler alemã tem seu correspondente na França, este alguém é François Hollande. Essa simplicidade bonachona. Esse gosto pelo bom vinho e por férias sem afetações. Essa obsessão exclusiva pela política. Esse lado meio provinciano francês, que ela mesma tem, mas à moda alemã. Essa lentidão na ascensão. Esse mesmo ar de inocência e essa capacidade de transformar em vantagem o fato de ser subestimado. E de tirar sua autoridade da arte da conciliação e do senso pragmático das tendências atuais.
François Hollande é o homem de um momento: o reflexo de uma época complexa e flutuante em que tudo causa inquietação, até mesmo o autoritarismo. Se ele for eleito, deverá ao menos isto a seu antecessor: o fato de ter criado a necessidade de um homem tranquilo.
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