Família diz que agência da UE prometeu proteção durante julgamento de crimes de guerra
Muçulmanas choram entre urnas fúnebres durante o enterro de 775 vítimas do massacre de Srebrenica recentemente identificadas |
A morte de uma testemunha chave na Alemanha, em um julgamento de crimes de guerra de um dos políticos mais poderosos do Kosovo, colocou em dúvida o trabalho eficaz da promotoria no caso e ameaça atrapalhar os esforços locais e internacionais para o estabelecimento de um estado de direito aqui.
Intimidação, medo, lealdade dos clãs e uma cultura de silêncio há muito impedem o desenvolvimento de um sistema judicial funcional em Kosovo, dizem os analistas, e a morte é vista como um grande revés.
A testemunha, Agim Zogaj, 53 anos, um ex-comandante do Exército de Libertação de Kosovo que manteve anotações meticulosas dos supostos crimes de guerra, foi encontrada morta na semana passada, enforcada em uma árvore em um parque de Duisburg, uma cidade no oeste da Alemanha.
Segundo a família dele, Zogaj estava sob um programa de proteção de testemunhas da Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, ou Eulex, para testemunhar contra Fatmir Limaj. Limaj é um legislador do partido do governo de Kosovo e um ex-comandante do Exército de Libertação do Kosovo, visto por muitos kosovares como um herói da libertação do país.
Em setembro, um juiz da Eulex colocou Limaj sob prisão domiciliar por um mês, enquanto aguardava o julgamento por acusações de crimes de guerra, pela tortura e morte de prisioneiros sérvios e albaneses no vilarejo de Klecka, na região central de Kosovo. Zogaj era o comandante responsável pela segurança dos campos no vilarejo e muitas das acusações são baseadas em suas declarações como testemunha.
A polícia em Duisburg declarou oficialmente a morte como sendo suicídio após a autópsia na semana passada e Zogaj foi enterrado em Prizren, na segunda-feira (3).
Afrim Zogaj, 46 anos, falou de uma “imensa pressão psicológica” sobre seu irmão. “Não é possível que ele tenha se matado”, ele disse, “e se o fez, ele foi forçado a fazê-lo”.
“A Eulex é responsável pela morte do meu marido”, disse a viúva, Ganimeti Zogaj. “Eles não o trataram bem. Eles não forneceram nada para ele.”
A Eulex se recusou a comentar a morte e emitiu uma declaração breve, expressando pesar pela perda da vida e explicando por que não podia dizer mais.
“A proteção e segurança de testemunhas são questões extremamente sensíveis”, ela disse, e “não confirmaremos e nem negaremos quaisquer detalhes operacionais”.
Segundo o irmão dele, após um ataque à casa da família em março, Agim Zogaj foi baleado na mão e na perna e decidiu testemunhar, pedindo proteção à testemunha à Eulex. A Eulex enviou Zogaj para Duisburg para viver com seu irmão.
Quando as autoridades da Eulex o levaram da casa da família após o ataque, “eles disseram: ‘Nós vamos cuidar dele, ele é nossa responsabilidade’”, disse Idriz Zogaj, 75 anos, o pai.
Afrim Zogaj disse que a Eulex não forneceu segurança física ao seu irmão na Alemanha. Vehbi Kajtazi, um repórter de assuntos legais do “Koha Ditore”, um importante jornal nacional em Kosovo, disse: “A confiança na Eulex foi destruída. Todas as testemunhas no caso agora começarão a procurar formas de evitar testemunhar”.
Kajtazi disse que o caso afetará todo o sistema judicial. “A proteção à testemunha não era confiável aqui mesmo antes deste caso”, ele disse. “Este é o pior sinal que poderia ser enviado para futuras testemunhas potenciais.”
A intimidação e até mesmo a morte de testemunhas não são novidade e nem chocantes em Kosovo, disse Avni Zogiani, que lidera a Cohu, uma organização não governamental anticorrupção.
“A União Europeia está caçando imprudentemente por um sucesso simbólico no Kosovo”, disse Zogiani. “Ela quer mostrar para a opinião pública europeia que a UE pode ter um sucesso em política externa, apesar de ignorar o que está acontecendo em solo no Kosovo.”
No julgamento de crimes de guerra do ex-primeiro-ministro do Kosovo, Ramush Haradinaj, 34 das 100 testemunhas foram autorizadas a esconder suas identidades, o maior número dentre os casos da antiga Iugoslávia que tramitam no Tribunal Penal Internacional, disseram promotores na época. Dezoito tiveram que ser intimados porque se recusaram a comparecer e outros, assim que entraram no tribunal, disseram que não ousariam testemunhar. Ele foi absolvido de todas as acusações em 2008, mas em 2010 um novo julgamento parcial foi ordenado.
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