Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Para fugir da violência no Paquistão, grupo étnico enfrenta uma viagem incerta e perigosa


Abandonado em um hotel barato no centro desta cidade portuária, esperando um telefonema do atravessador, Hussain se sentia ao mesmo tempo preso em uma armadilha e próximo da liberdade.

Tinha deixado para trás sua cidade natal, Quetta, no oeste do Paquistão, que se tornou um terreno de caça para os esquadrões da morte sunitas que perseguem os xiitas. Só este ano eles já mataram quase 200 pessoas, e Hussain quase foi uma delas. Erguendo uma perna da calça, ele mostra uma cicatriz de 20 centímetros causada pela explosão de uma bomba em janeiro.

Mas também há grandes perigos pela frente. Hussain rumava para a Austrália, onde já se refugiaram milhares de seus conterrâneos da etnia hazara, xiitas que sofreram o peso da violência recente. A viagem ilegal - atravessando o Sudeste Asiático por terra, mar e ar à mercê de traficantes inescrupulosos - seria longa e perigosa. Várias centenas de hazaras tinham morrido nessa rota nos últimos anos, a maioria quando seus barcos frágeis naufragaram. Para Hussain, o risco vale a pena.

"Prefiro morrer no barco do que em uma explosão", disse, balançando uma xícara de café nervosamente em um restaurante próximo ao hotel. "Pelo menos assim eu posso escolher."
Hussain, 25 , faz parte de um crescente êxodo de jovens hazaras que estão fugindo do Paquistão ao perceber que seu governo e os militares não podem ou não querem protegê-los de extremistas violentos.

Em Quetta, onde vive a maioria dos paquistaneses hazaras, os ataques são liderados pelo Lashkar-e-Jhangvi, um grupo fanático que considera os xiitas heréticos. Com suas típicas feições centro-asiáticas e ligações históricas com as forças anti-taleban, os hazaras formam um alvo atraente. Depois de uma década de ataques intermitentes, o derramamento de sangue está aumentando com rapidez; dois homens-bombas do Lashkar mataram quase 200 pessoas este ano, contra 125 em 2012.

Esse número provocou uma onda de repressão há muito tempo necessária, mas os ataques continuaram na semana passada com um atentado suicida contra um político hazara que matou seis pessoas. Para jovens como Hussain, cuja família tem uma loja de roupas, a próxima bomba é apenas uma questão de tempo.

"Podemos viver sem as coisas básicas da vida - gás, eletricidade, etc.", disse Hussain, que pediu para ser identificado apenas por parte do nome na esperança de evitar ser preso na viagem. "Mas não podemos conviver com o medo."

O irmão mais velho de Hussain foi morto a tiros por militantes em 2008. Seu próprio encontro com a morte ocorreu em 10 de janeiro, depois que uma potente explosão destruiu um salão de bilhar perto de sua casa. Quando Hussain correu para ajudar, foi apanhado por uma segunda explosão que matou socorristas, policiais e jornalistas. Ele desmaiou.

"Não me lembro do som da explosão", disse, "apenas da sensação, como uma espécie de golpe sônico." Ele acordou no hospital com 36 pontos em uma perna e soube que três de seus amigos mais próximos estavam entre os 84 mortos.

Estava ficando claro que os matadores do Lashkar podiam atuar impunemente. "Eles têm o tempo que precisam. Eles escolhem e depois disparam", disse.
A última gota foi em 7 de março, quando os militares convocaram Hussain e outros comerciantes hazaras para uma reunião no bazar Haideri, um mercado popular. Enquanto os soldados montavam guarda do lado de fora, um coronel ofereceu aos comerciantes graves conselhos: eles precisavam comprar revólveres.

Algumas pessoas reagiram com raiva e começaram a criticar os militares, exigindo mais proteção, lembrou Hussain. Mas ele foi para casa para dar um telefonema. Dois anos antes, seu irmão mais moço tinha partido para a Austrália, onde conseguiu emprego em uma lanchonete. Agora Hussain precisava ouvir sua voz.
"Venha para cá", disse o irmão.

Três dias depois, Hussain concordou em pagar US$ 6.000 para um traficante de pessoas e pegou um avião para Karachi, a primeira etapa de uma viagem através da Ásia que seria tão difícil emocionalmente quanto foi repentina.

No avião, ele se viu consolando um menino de 16 anos, também hazara, que chorava e disse que seus pais o haviam obrigado a partir. No hotel pobre em Karachi, ele dividiu o quarto com "Master", um comerciante de sapatos de 41 anos de Quetta, que também ia para a Austrália.

Com cabelos ralos e um sorriso fácil, Master, que só quis dar seu apelido, tinha um jeito familiar. Mas quando a conversa girou em torno das três filhas assustadas, de 7, 9 e 13 anos, que ele havia deixado em Quetta um dia antes, o sorriso desapareceu e seus olhos ficaram úmidos.  "Vou levá-las para a Austrália", disse ele com a voz trêmula. "Este país não é mais para nós, hazaras."

Assim como muitos outros hazaras que rumam para a Austrália - também do Afeganistão -, seu ponto de partida foi Karachi. De lá, a jornada é árdua e incerta. Os refugiados primeiro voam para a Tailândia ou a Malásia, muitas vezes via Sri Lanka, depois que seus agentes subornam oficiais da imigração e de fronteira paquistaneses. A jornada continua por terra e mar através da Malásia e da Indonésia, em carros e trens, evitando patrulhas policiais, dormindo em pensões improvisadas.

Alguns migrantes são detidos pela polícia e guarda de fronteira no caminho e deportados de volta para o Paquistão; outros são extorquidos ou abandonados pelos traficantes, ou ainda assaltados à beira da estrada. Em muitos casos, acabam pagando milhares de dólares a mais - em propinas para oficiais de fronteira ou taxas suplementares para os atravessadores - para seguirem rumo à Austrália.

A última etapa é a mais traiçoeira. Na Indonésia, os migrantes compram passagens em pequenos barcos superlotados com destino à ilha de Natal, um pequeno território australiano a cerca de 240 milhas da costa indonésia, onde eles solicitam asilo político. Lá, unem-se a outras pessoas que vieram de barco - cingaleses, iranianos, afegãos, iraquianos.
A chegada em segurança não é garantida. Entre o final de 2001 e junho passado, 964 solicitantes de asilo e tripulantes de barcos de vários países perderam a vida nessa travessia, disse Sandi Logan, um porta-voz do Departamento de Imigração e Cidadania do governo australiano.

Habibullah quase foi um deles. Em outubro passado, o estudante de 22 anos de Quetta, que só tem um nome, juntou-se a 34 homens hazaras em um barco com destino à ilha de Natal. Em 24 horas o barco tinha afundado em uma tempestade. Habibullah diz que foi o único sobrevivente, resgatado por um barco de pesca indonésio depois de três dias agarrado a detritos flutuantes.

Em um relato pungente por escrito desses eventos, enviado por e-mail, e em uma entrevista por telefone da Indonésia, Habibullah descreveu uma provação traumática.
Falou sobre as longas horas na água, açoitado pelas ondas e temendo os tubarões, chamando desesperadamente navios que passavam ao longe. Mais angustiante, ele disse, foi ver outros passageiros serem tragados pelas ondas, alguns chamando suas esposas ou parentes.

Sofrendo extrema sede e muita dor nos rins, Habibullah sobreviveu pensando em sua casa em Quetta. "Lembrei do meu passado, rodeado por meus pais, e percebi que eles estavam comigo."

É impossível confirmar o relato de Habibullah, mas líderes comunitários hazaras em Quetta contaram que vários homens que acompanhavam Habibullah tinham morrido e algumas de suas fotos foram publicadas em blogs.

Habibullah parecia destemido. As condições no centro de detenção do governo na Indonésia eram duras, disse ele, e estava lutando para conseguir uma audiência de asilo da agência de refugiados da ONU. Nove meses depois de deixar sua casa, e de gastar US$ 15 mil em propinas, taxas de transporte e contrabandistas, ele não tinha alcançado a Austrália.
Mas compreendia por que outros hazaras querem fazer a viagem. "Vale a pena", disse.

O governo australiano tentou dissuadir o "povo dos barcos". No ano passado, começou a transferir solicitantes de asilo para centros de detenção em duas ilhas remotas no Pacífico, enquanto seus casos são julgados. Grupos de direitos humanos e autoridades da ONU condenaram as condições nos campos, e a mídia australiana relatou várias tentativas de suicídio lá nos últimos meses.

Respondendo às críticas, as autoridades australianas disseram que aumentaram sua cota de refugiados humanitários para 20 mil este ano, um aumento de 40%. Ao mesmo tempo, em países como Paquistão, Irã e Afeganistão, o governo australiano iniciou uma campanha de publicidade que tenta convencer os potenciais refugiados a ficar em casa.

Mas eles continuam chegando. Nas primeiras semanas de abril, segundo números oficiais, a marinha australiana interceptou dez barcos que carregavam 760 pessoas, na maioria com destino à ilha de Natal. A maioria dos casos do Afeganistão e do Paquistão eram da etnia hazara, cujo número cresceu para cerca de 25 mil na Austrália, segundo autoridades.
Antes de deixar Karachi, Hussain e Master fizeram uma longa caminhada pela praia, mergulhando os pés no mar da Arábia e passeando entre as jovens famílias.

Hussain salientou que se não fosse pela ameaça extremista não deixaria o Paquistão. Dez meses antes ele havia se casado com sua namorada, uma professora, que deixou para trás. Sua família tinha uma vida boa com o negócio de roupas, e era muito patriótica - seu avô havia servido no exército paquistanês.
"Esta poderá ser a última vez que vejo o Paquistão", ele disse, olhando para as ondas.

Seu irmão mais moço o havia avisado de que a viagem era assustadora - "Você verá que é um inferno", foram suas palavras -, e por isso ele contava com os artigos religiosos que trazia no pescoço: um saquinho de couro contendo duas inscrições do Corão dobradas, de seu pai e sua mulher, e um pendente preto gravado com as palavras "Y'Allah Madaat" [Deus me ajude].

Nas semanas seguintes ele mandou várias mensagens: de Bangcoc, onde estava ficando em um quarto com outros 16 refugiados, e depois no final de março, da Indonésia.
Master tinha sido preso em um carro que rumava para um porto da Malásia, disse Hussain. Mas ele conseguiu escapar e havia chegado a Jacarta, capital da Indonésia, onde iria procurar um barco para a Austrália.

Este mês, um barco com cerca de 90 pessoas, na maioria hazaras, afundou a caminho da Austrália. Hussain ficou deprimido, mas não desistiu.
"Estou esperançoso", escreveu. E acrescentou: "Que Deus me ajude".

Um comentário:

  1. Histórias de vidas sofridas... :(
    Texto muito bom, parabéns!

    ResponderExcluir