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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Naypyidaw, a capital-fantasma dos militares birmaneses


A nova capital de Mianmar inevitavelmente lembra o aforismo de Blaise Pascal a respeito da forma do Universo: Naypyidaw parece uma “esfera infinita” cujo “centro está em toda parte, e a circunferência em lugar nenhum”. O argumento poderia até ser invertido, uma vez que a “cidade” pode ser também um mundo cujo centro está em lugar nenhum e a circunferência em toda parte...

Basta ir até Naypyidaw, percorrer suas avenidas amplas como pistas de aeroportos, em sua maior parte desertas, suas áreas desoladas onde florescem inúmeros canteiros de obras salpicados aqui e ali pelas fachadas vistosas de novos hotéis de luxo e de alguns hipermercados superiluminados, para ficar pasmo com esse espaço tão vasto, quase absurdo em sua imensidão.

Ao longo das avenidas, os únicos pedestres são sobretudo varredoras de rua usando chapéu cônicos, tosando e passando o ancinho sobre gramados imaculados. No dia 26 de dezembro de 2011 em Naypyidaw, quando as estrelas de tristes pinheiros de Natal ainda piscavam para ninguém sob uma chuva forte e fria, tinha-se a impressão de ter desembarcado no reino da vacuidade.

A cada cruzamento, provavelmente construído para fingir que se está canalizando uma pequena circulação, esculturas florais de diferentes cores pontuam o nada contínuo. Um vazio que teria seus riscos, uma vez que, segundo o “The New Light of Myanmar”, o jornal oficial perto do qual o “Pravda” pareceria um jornal satírico, uma conferência acaba de ser realizada em Naypyidaw para “educar os motoristas e reduzir o número de acidentes”.

A capital, que ocupa uma área de 8 mil quilômetros quadrados, é dividida em cinco distritos estruturados em “zonas” de funções específicas: há a “zona dos hotéis”, a “zona militar”, a “zona administrativa”, a dos ministérios etc. O parlamento, situado nessa última zona, é uma extravagante construção de arquitetura vagamente birmanesa com seus tetos em forma de pagodes de vários andares. Um complexo gigantesco, que reúne a câmara alta e a câmara baixa de um parlamento que tem 25% das suas cadeiras ainda reservadas aos militares. A zona dos altos dignitários e dos chefes do exército se situa em alguma parte ao norte do parlamento, proibido para qualquer um que não esteja devidamente autorizado a entrar lá.

Naypyidaw significa “a sede dos reis”, em birmanês. Foi no dia 6 de novembro de 2005, precisamente às 6h37 da manhã – horário considerado auspicioso pelos astrólogos - , que a junta militar então no poder começou as operações de transferência administrativa da ex-capital Yangun para um lugar no meio do nada situado 320 quilômetros mais ao norte. O especialista em economia birmanesa Sean Turnell calcula que o custo da construção da cidade tenha sido de US$ 3 a 4 bilhões.

A ideia de uma nova capital nasceu do pensamento paranoico do ex-tirano Tan Shwe, que hoje estaria usufruindo de uma aposentadoria “tranquila”, segundo a terminologia oficial, em alguma parte em um local secreto da “sede” inacabada da “União de Mianmar”, o atual nome da Birmânia. Oficialmente, o intuito seria reposicionar geograficamente a capital do governo.

Na realidade, os generais da ex-junta que se “autodissolveu” na primavera de 2011 – para dar lugar a um governo civil mas composto em sua maioria por ex-militares – queriam se afastar da rebelde Yangun, palco de diversas manifestações populares. Em 1988, uma série de manifestações foram afogadas em sangue pelos soldados birmaneses.

O objetivo da manobra também tinha necessidades estratégicas: o refúgio em um lugar seguro garantiria ao governo militar, supostamente assombrado pela perspectiva de um ataque americano, que ele não teria o mesmo destino de Yangun em um caso como esse. Construída perto do delta do grande Rio Irrawaddy, a antiga capital não teria resistido por muito tempo a uma ofensiva como essa...

Considerações históricas e astrológicas também tiveram um papel na transferência: Mandalay não se tornou, no meio do século 18, uma nova capital, imposta pelo rei Mindon contra a vontade de seus súditos? Inventar uma nova “sede” para si mesmo faz parte, portanto, de uma tradição secular e mostra a vontade do regime de readquirir a glória dos antigos reinos.

A escolha do local também está em sintonia com a história recente de Mianmar: integrado em Naypyidaw, o grande burgo de Pyinmana foi quartel-general da resistência contra os japoneses. Foi o general Aung San, pai da dissidente Aung San Suu Kyi, que fez da cidade seu quartel-general depois de ter se voltado contra seu antigo aliado japonês para se aliar aos britânicos. Pyinmana era na época uma praça-forte militar, uma constante que certamente influenciou na decisão do ditador Tan Shwe.

“Naypyidaw terá dificuldades em se tornar uma verdadeira cidade. Levará dez anos, no mínimo”, acredita Soe, proprietário de uma casa de chá em Pyinmana, único espaço verdadeiramente urbano na imensidão da capital.  “Fora os empregados dos hotéis e dos supermercados, ninguém tem realmente interesse em morar lá”, ele constata.

Os funcionários públicos que vivem ali, confinados em complexos residenciais cujas cores dos tetos correspondem aos ministérios onde trabalham, não têm (quase) nada para fazer lá. Na saída da “zona hoteleira”, há restaurantes, bares, karaokês e salões de massagem um pouco suspeitos, mas a atividade noturna da cidade se limita a esse bairro.

Um pagode dourado, réplica da grande Swedagon de Yangun, foi construído perto de lá para mostrar a preeminência da religião budista em Mianmar. Na entrada, um elefante branco balança tristemente sua tromba em um cercado: a cor desse raro tipo de paquiderme é símbolo de poder. Embora sua cor seja mais rosa do que branca, inclusive para os abstêmios.

“No fim de semana, muitos funcionários voltam para Yangun e eles estão dispostos a dirigir por dez horas para sair de Naypyidaw”, se diverte um fotógrafo de rua, cujo trabalho consiste em fazer o retrato de famílias que visitam um parque de diversões onde, à noite, se pode admirar um espetáculo de jatos d’água.

Mas a alguns quilômetros de lá, perto de um futuro museu do Exército ainda em construção, o imenso jardim zoológico atrai multidões. Além dos leões, dos rinocerontes, dos elefantes e dos tigres, podemos ver ali pinguins fechados dentro de um cubo refrigerado em forma de iceberg.

Onde há capital, há diplomatas. Mas estes não estão muito empolgados para irem morar em Naypyidaw, embora sejam obrigados a ir com frequência até lá para encontrar ministros e oficiais de alto escalão. Por enquanto, somente Bangladesh, país que faz fronteira com Mianmar, decidiu construir ali sua nova embaixada, cuja pedra fundamental foi colocada recentemente.

No entanto, um aeroporto moderno foi inaugurado no fim de dezembro de 2011, permitindo que se vá de Yangun a Naypyidaw em meia hora. Permite também que se evitem os riscos de uma estrada moderna, mas perigosa, visto como dirigem os motoristas, a toda velocidade em uma pista expressa que animais e camponeses podem atravessar sem aviso prévio. Naypyidaw é para quem se esforça, embora ela ainda não valha a visita.

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