segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Der Spiegel: Americanos anunciavam armas como o presente de Natal perfeito para garotos
No rastro do tiroteio na escola em Newtown, Connecticut (EUA), parece grotesco. Mas os fabricantes de armas dos EUA costumavam anunciar seus produtos mortíferos diretamente para os adolescentes, comercializando-os como o presente de Natal perfeito. E, se a esposa resistisse, a Winchester tinha as respostas.
A sala está decorada para as festas de fim de ano, com uma poltrona posicionada convidativamente diante da lareira e uma árvore de Natal reluzente ao seu lado. Os presentes, sobre o tapete embaixo da árvore, já foram desembrulhados --e estão expostos com destaque pela sala. Pistolas, rifles e munição. "Tenha um Natal Browning", diz a legenda sobre a foto.
A imagem fazia parte de um anúncio de jornal publicado décadas atrás para atrair os leitores americanos a comprar armas Browning de presente para seus entes amados. Nos últimos anos ele circulou na internet, e os comentários mostram que muitos americanos ainda se lembram de tê-lo visto. E também há outros, como a imagem do menino sardento de olhos arregalados que acaba de abrir seu presente. Ele segura seu novo rifle e diz: "Puxa, papai... uma Winchester!"
Depois do recente tiroteio em uma escola americana, os anúncios hoje parecem uma piada macabra. Mas, na década de 1950, quando foram publicados, quase não causavam estranheza. De fato, muitos americanos que insistem com veemência no direito de possuir armas foram moldados por esses anúncios quando eram jovens. Eles claramente exibem a despreocupação com que os americanos da época e, em grande medida, de hoje, encaram as armas.
A Markham Air Rifle Company era especialmente hábil para vender suas armas. Já na década de 1880 a empresa introduziu o primeiro rifle a ar comprimido produzido em massa. Ele era extremamente rentável, e não apenas por causa de sua construção simples. A companhia, baseada em Plymouth, Massachusetts, era especialmente hábil no marketing.
Treinamento empresarial?
"O rifle King Air dá a um menino um ar de masculinidade e poder, o torna alerta, autoconfiante, decidido. Ele começa de uma maneira natural o treinamento que anos mais tarde fará dele um líder no mundo dos negócios", diz a publicidade de 1950, que mostra dois meninos brincando com armas.
O rifle de ar comprimido como símbolo de status para jovens: foi a concorrente da Markham, a Plymouth Iron Windmill Company, mais tarde Daisy Company, que aperfeiçoou a estratégia, com um rifle chamado Daisy. O filme "Uma História de Natal" chegou aos cinemas dos EUA em 1983 e rapidamente se tornou um clássico da temporada. Seu sucesso pode ser explicado pelo menos em parte pelo fato de que gerações inteiras de homens podiam se identificar com seu protagonista, Ralphie, que cresceu em Indiana na década de 40. Ralphie não queria nada para o Natal tanto quanto um "Official Red Ryder Carbine-Action Two-Hundred-Shot Range Model Air Rifle" [rifle a ar modelo patrulheiro].
A Daisy Outdoor Products batizou seu cobiçado "Red Ryder BB Gun" com o nome de um famoso herói dos quadrinhos da década de 1940, um caubói chamado Red Ryder [Cavaleiro Vermelho]. O caubói dos quadrinhos aparecia muito na publicidade, e o rifle a ar tinha um modelo semelhante ao dos rifles Winchester dos velhos filmes de faroeste.
Para muitos meninos daquela época, possuir um Daisy Red Ryder era o maior sonho. A arma lhes dava a veneranda combinação de responsabilidade e maturidade. A arma BB continua em produção, e mais de 10 milhões foram vendidas desde que a Daisy começou a fabricá-la em 1938.
"Um tiro no olho"
Muitos meninos que se identificavam com o Ralphie de "Uma História de Natal" compartilharam seu drástico destino. Quando expressavam seu desejo de Natal por um Red Ryder BB Gun, ouviam a advertência: "Você vai dar um tiro no olho!"
O fabricante original de armas Winchester compreendia o sentimento generalizado de temor partilhado pelas mães e o abordou em sua própria campanha de publicidade dirigida aos pais. O anúncio começa com: "Suponha que você queira dar uma Winchester 22 para seu filho de 12 anos. Mas sua mulher diz: 'É muito perigoso agora. Espere até ele ficar mais velho'. O que você diz a ela?"
Então o anúncio responde à pergunta que coloca:
"Primeiro, diga-lhe exatamente por que você acha que um menino deve aprender a lidar com armas desde cedo. Diga que ele poderá não ter uma oportunidade depois. E muitos meninos crescem pensando que as armas são brinquedos. Diga a ela que um menino que deseja atirar e caçar é perfeitamente normal. Algo que nasceu com ele. Faz parte de sua tradição americana... diga a ela como se sente um menino na floresta com uma 22. Perseguindo seu primeiro coelho. Espreitando uma raposa. Sentado imóvel embaixo de uma árvore de esquilos. Diga a ela que os programas de conservação do Estado até incentivam a caça para ajudar a manter o equilíbrio da natureza. E a Associação Nacional do Rifle conduz um programa de tiro para ensinar aos jovens a segurança e a esportividade das armas e como lidar com elas. Finalmente, diga-lhe que quando um velho caçador como você tem um filho que quer caçar é sua obrigação ensinar a ele tudo o que sabe sobre armas, a caça e a natureza. E compre-lhe uma Winchester. E leve-o para caçar. Por que uma Winchester? Porque na Winchester nós ainda acreditamos que as 22 são armas de verdade."
A transição de brincar de caubói a disparar armas de verdade era fluida, especialmente para as pessoas que cresceram nos anos 50 e 60 e foram recrutadas para lutar na Guerra do Vietnã. Mas os que foram para a guerra tinham muito a aprender. "O Vietnã não é um lugar para o atirador tradicional americano, que se orgulha de ter uma mira precisa em longo alcance e de sua mão firme", escreveu a revista "Time" em um artigo em 1967 sobre o novo programa de treinamento chamado "Quick Kill" [Morte Rápida].
"A Morte Rápida é para o tiro que você precisa dar quando não tem tempo para fazer a mira precisa", diz o coronel William Koob, 47, diretor de armas em Fort Benning, segundo o artigo. "Quando é matar ou morrer", acrescentou.
O artigo compara a técnica com os métodos que os jovens instintivamente usam quando brincam de caubóis e índios. O programa de treinamento usava, de todas as coisas, armas Daisy BB, o rifle a ar comprimido que tantos pequenos caubóis almejavam.
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