Presidente dos EUA, Barack Obama, e o presidente russo Vladimir Putin (esq) |
À medida que o presidente Barack Obama se aproxima de seu segundo mandato, poucas políticas externas têm mais necessidade de reavaliação do que sua posição em relação à Rússia.
Eventos recentes minaram a promessa do "reset" proclamado em 2009. Suas conquistas – o novo tratado Start, a cooperação no Afeganistão e no Irã, a entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio – desapareceram e foram substituídas por diferenças persistentes quanto à Síria, o Irã e outros temas importantes em meio à retórica crescente e gratuitamente antagônica em ambas as capitais.
Obama tentará agora reverter esta deterioração, demonstrando talvez um pouco da "flexibilidade" que ele prometeu aos líderes russos no início deste ano. Putin, por sua vez, falou sobre dar às relações "uma nova qualidade", acrescentando uma forte dimensão econômica. Podemos ouvir falar de uma segunda fase do reset. Pode haver mais acordos do tipo que a ExxonMobil fechou com a Rosneft.
Mas formulações simplistas e grandes projetos energéticos não devem encobrir a escolha fundamental que os dois governos enfrentam: continuar sua abordagem transacional nas relações, com seus inevitáveis altos e baixos, ou pôr as relações num quadro estratégico mais amplo, de longo prazo, que poderia promover relações mais duradouras e construtivas.
A escolha em nome desta última opção enfrenta dois problemas.
Primeiro, é difícil ver onde se pode progredir nos próximos quatro anos.
Cortes maiores de armas nucleares, uma prioridade apara os EUA, aumentarão as preocupações da Rússia quanto aos sistemas de defesa antimísseis e não nuclear estratégico dos EUA, à medida que se aproxima o marco em que as forças chinesas, indianas e paquistanesas começarão a afetar o equilíbrio nuclear global.
A preferência recente de Putin pelo comércio e investimento requer um clima de negócios qualitativamente diferente na Rússia, incluindo um verdadeiro Estado de Direito e um governo competente e honesto. A cooperação frutífera nos conflitos regionais, como demonstrou a Síria, requer lidar com os princípios antigos da ordem mundial, soberania e não interferência nos assuntos internos, e a crescente preferência ocidental por usar a força para proteger populações estrangeiras de líderes brutais.
Os Estados Unidos não reverterão para a realpolitik, e a Rússia não dará o seu apoio para a ordem tradicional. Em geral, não haverá trocas fáceis.
Em segundo lugar, as condições políticas domésticas em nenhum dos dois países são propícias à realizar essas trocas. Enfurecido pela insistência de Washington de lidar simultaneamente com o governo russo e com sociedade russa, Putin tomou medidas – desde rotular as organizações não governamentais de financiamento estrangeiro como "agentes estrangeiros" até acabar com o trabalho de 20 anos da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional na Rússia – que não facilitam que Obama defenda politicamente um envolvimento maior com Moscou.
A Lei de Magnitsky, pedindo sanções contra funcionários russos que violam os direitos humanos, estabelece um precedente que, pelo menos em teoria, pode se expandir para incluir qualquer membro sênior do atual regime.
Por outro lado, uma abordagem estratégica começaria com a transformação geopolítica em andamento atualmente no mundo todo e questionaria como cada país pode se tornar um bem estratégico para o outro.
A Rússia, mesmo que apenas por força da geografia, e os Estados Unidos, por causa do seu alcance global, poderiam exercer uma influência significativa sobre a emergência de um novo equilíbrio geopolítico na Eurásia. Os Interesses estratégicos dos dois países não colidem necessariamente; na verdade, existe provavelmente uma sobreposição significativa, dadas as preocupações comuns sobre a China, os extremistas islâmicos e competição por recursos no Ártico por potências não árticas.
Além disso, há um componente econômico significativo para todos esses saldos que poderia encorajar relações produtivas com os Estados Unidos que são essenciais para a Rússia se tornar uma economia moderna – um dos principais objetivos estratégicos nacionais do país.
Surge então a questão de como os Estados Unidos e a Rússia podem atrelar as relações a seus próprios propósitos estratégicos.
Até agora, tanto o governo dos EUA quanto o Kremlin têm resistido a assumir uma abordagem estratégica. Em seu artigo sobre Política Externa há um ano sobre o "pivô" para a Ásia, a secretária de Estado Hillary Clinton não mencionou a Rússia nenhuma vez, muito embora a Rússia estivesse então se preparando para atuar como anfitriã da reunião de cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico em Vladivostok em setembro de 2012, em parte para sublinhar a sua determinação de voltar a ser uma potência asiática, e estivesse desempenhando um papel vital no fornecimento para as forças norte-americanas no Afeganistão. Putin cancelou sua participação na reunião do G8 oito em maio passado, em Camp David, no último momento, algo que nenhum líder mundial tinha feito até então.
No lado dos EUA, esta supervisão cresce em parte por causa do desconforto que os EUA têm com a ideia do poder russo, enraizado na longa disputa da Guerra Fria. Tendo confrontado o poder soviético malévolo por tanto tempo, os EUA resistem à noção de que a Rússia possa um dia ter um papel positivo nos interesses estratégicos norte-americanos.
Do lado russo, ainda há um grande ressentimento quanto à forma como os Estados Unidos trataram a Rússia depois do fim da Guerra Fria, e uma quantidade razoável de suspeita de que a política dos EUA visa enfraquecer a Rússia de hoje.
É hora de começar a superar este desconforto e desconfiança mútuos. Duas décadas depois da Guerra Fria, os Estados Unidos e a Rússia não são mais rivais estratégicos, e no mundo multipolar emergente, eles poderiam se tornar parceiros.
Esta é uma hipótese que agora precisa ser testada. Os dois países precisam se engajar num diálogo estratégico de alto nível para entender a dinâmica do nosso mundo em mudança e as formas pelas quais eles podem impactar os interesses estratégicos de cada país, e para determinar se há uma sobreposição suficiente desses interesses para uma relação cooperativa de longo prazo.
Não há garantia de que chegaríamos a um acordo. De fato, um diálogo estratégico poderia revelar diferenças insuperáveis. Mas os benefícios potenciais de cooperação estratégica justificam o esforço.
*Thomas E. Graham é diretor sênior da Kissinger Associates. Dmitri Trenin é diretor do Carnegie Moscow Center.
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