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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Der Spiegel: Mulheres, artistas e intelectuais são intimidados por ultraconservadores na Tunísia


Quase dois anos depois que a Primavera Árabe teve seu início na Tunísia, os salafistas estão intimidando mulheres, artistas e intelectuais. Muitos temem que o governo esteja tacitamente apoiando os islâmicos radicais em seus esforços para fazer da jovem democracia uma teocracia.

Era uma sexta-feira em fevereiro de 2011 quando a Revolução Jasmim atingiu as prostitutas em Impasse Sidi Abdallah Guech, uma rua sem saída escondida no canto mais escuro da Medina em Túnis, a capital da Tunísia. As mulheres encostadas nas paredes são registradas no governo e pagam impostos. O distrito da luz vermelha nesta pequena rua é muito próximo uma grande mesquita no coração de um país islâmico.

Neste dia, pouco depois da queda do antigo regime na Tunísia, várias centenas de cidadãos revoltados reuniram-se perto da rua das prostitutas. Alguns usavam barba e outros vestiam jeans, mas todos exigiam pureza moral. Logo, começaram a avançar para as mulheres, com bastões e tochas nas mãos.

Esse tipo de atitude não surpreende, pois os imames dos canais a cabo do Qatar e da Arábia Saudita rotineiramente fazem discursos irados contra esse antro de vícios. Os árabes do Golfo Pérsico não precisam das mulheres de Abdallah Guech quando vêm passar o verão na Tunísia, já que em geral trazem suas próprias acompanhantes. Guech e centenas de outras casas do tipo, chamadas maisons closes na Tunísia, são para as pessoas comuns e sempre foram toleradas, tendo sido legalizadas em 1942. Os homens vêm e vão, deixando para trás meia dúzia de dinares.  

Naquela sexta-feira, os militares intervieram e a polícia deu tiros de advertência para o alto para impedir que os moralistas muçulmanos atacassem as mulheres. Uma milícia de caftens, porteiros e trabalhadores fizeram uma barricada na entrada da rua. Depois do incidente, a placa do estabelecimento "Impasse Sidi Abdallah Guech" foi removida por questões de segurança. Um portão foi instalado, e as mulheres colocaram um aviso dizendo "fechado às sextas e durante o Ramadã", em um esforço para acomodar os islâmicos.
As maisons closes em outras cidades da Tunísia não tiveram tanta sorte. Em locais como Sousse, Médenine, Sfax e Kairouan, os bordeis foram incendiados, e as mulheres, perseguidas e espancadas.

Os ataques em fevereiro de 2011 marcaram o início de um desdobramento que se tornou uma revolução cultural e um modelo para países pós-revolucionários no Norte da África: a ofensiva, tolerada pelo governo, de fundamentalistas salafistas contra aspectos da sociedade secular moderna, mesmo que não passem das fracas atividades de prostituição em uma pequena rua de Túnis.

Em abril de 2011, o cineasta Nouri Bouzid foi espancado com uma barra de ferro depois que falou em favor de uma constituição secular.

Poucas semanas depois, em junho, uma gangue de salafistas invadiu um cinema de arte em Túnis, o AfricArt, jogou gás lacrimogêneo e ameaçou seus gerentes. O cinema pretendia mostrar o que os salafistas viam como um filme herético sobre a religião na Tunísia. A polícia só interveio depois de muita pressão. Desde então, o AfricArt está fechado.

Em outubro de 2011, algumas centenas de islamistas tentaram incendiar a casa do proprietário da rede de televisão privada Nessma. O canal tinha transmitido a animação "Persepolis", da exilada iraniana Marjane Satrapi, no qual Alá é brevemente retratado. Em junho de 2012, a polícia de moralidade atacou a mostra "Primavera das artes" no palácio El Ebdellia, destruindo uma dúzia de pinturas.  

Medo e intimidação   
Hoje, mal se vê a cicatriz na cabeça careca de Nouri Bouzid, 67. "Por sorte, eu estava de chapéu", diz o diretor.  "Só o que sobrou da nossa revolução é que não há mais tesouras", acrescenta, referindo-se à censura do governo. "Mas há uma censura feita pelas brigadas salafistas e pelas chamadas Ligas pela Proteção da Revolução".

Bouzid parece mais alarmado do que amargurado. "Centenas de eventos" já foram obstruídos, diz ele. Festivais de verão e shows de rock foram interrompidos, e atores foram ameaçados. Tudo isso está acontecendo, explica Bouzid, com o consentimento tácito do partido islâmico governante, o Ennahda. "Eles estão fazendo um jogo duplo", diz Bouzid. "Eles usam os radicais para testarem até onde podem ir. Nem um único artista está envolvido no Ennahda".

Localizada no extremo norte da África, a Tunísia fica muito perto da Europa e tem uma tradição de tolerância que artistas como Bouzid hoje acham que está ameaçada. "Eles querem destruir essa identidade, usando todo o dinheiro que recebem do Golfo", diz Bouzid. "Mas, diferente do passado, não temos mais medo da polícia. Podemos expressar nossas opiniões, estamos dispostos a tomar riscos e não queremos aceitar tudo parados. Isso pode ser inspirador".

Túnis ainda é uma cidade onde as mulheres não precisam ser corajosas para mostrar seu cabelo. Em contraste com o Cairo, por exemplo, mulheres com véus são uma minoria em Túnis. Em muitos bairros, Túnis parece irmã gêmea de Marseille, uma metrópole agradável e arejada, na costa mediterrânea da França, onde a maior parte das pessoas se recusa a receber ordens do que vestir em público ou na praia no verão.

Dada a fama de Túnis, é ainda mais chocante ouvir uma jovem jornalista falar sobre como ficou aterrorizada ao encontrar uma fotografia sua na página de Facebook de um grupo salafista. O endereço dela também estava listado. Em cima, havia uma caveira e a palavra "traidora". Isso não é incomum, diz ela. "Você tem de esperar que 30 salafistas vão estar na sua porta na manhã seguinte, gritando que o diabo mora ali".
É a revolta salafista online. Seria uma continuação da revolução do Facebook, usando as mesmas ferramentas, mas com um propósito diferente: intimidar advogados, artistas, palestrantes e cineastas –e,  é claro, mulheres.    

Controle das mesquitas    
A ofensiva do grupo ultraconservador teve mais sucesso nas mesquitas. "É uma invasão. Eles controlam a maior parte das mesquitas de Túnis. Eles demonizam os velhos imames e acusam-nos de serem cúmplices do antigo regime", diz Sheikh Ahmed Touati, até recentemente imame da grande Mesquita Zitouna, e atual presidente de um grupo chamado "Partido dos Conservadores".

Touati, 32, é uma figura grande e imponente. Ele está sentado de pernas abertas e calças baggy na frente do Sekajine souk, bebendo chá. A maior parte dos transeuntes o cumprimenta, mas nem todos, especialmente aqueles que usam as vestes até o tornozelo dos islâmicos radicais. "Na opinião deles, sou até um kafir, um infiel", diz ele. "Eles não têm permissão para cumprimentar um infiel".

Ele descreve o dia em que os islâmicos apareceram pela primeira vez na grande mesquita, uma semana depois da derrubada do ex-ditador Zine El Abidine Ben Ali. Eles exigiram que a posição de prece fosse alterada e que o Alcorão não fosse recitado em voz alta pela congregação. Em um ano, o principal imame tinha sido expulso. "Por quê? Eles tinham dinheiro e antenas satélite", disse Touati. "Sua mensagem agrada aos praticantes, especialmente os jovens. Os outros mantêm distância. Nosso erro foi que esperamos tempo demais".

Touati levou um tapa quando removeu um tratado islâmico da parede de sua mesquita. Ele também recebeu ameaças, com islâmicos dizendo coisas como: "Saia daqui e não volte mais –ou alguém cortará sua garganta".  

Acusações de duplicidade do governo    
Muitos dos islâmicos também estão envolvidos em atividades militantes. As Ligas pela Proteção da Revolução coletam doações e recrutam jovens para combaterem na guerra civil da Síria.

O Partido Ennahda, que está no governo, ainda não se distanciou dos radicais. O fundador do Ennahda, Rachid Ghannouchi até estimulou "nossos jovens salafistas" a pacientemente embarcarem em uma longa marcha. "Por que a pressa?" disse ele em um vídeo de um encontro com salafistas. "Os islâmicos precisam encher o país com suas organizações, estabelecer escolas do Alcorão em toda parte e convidar imames reiligiosos". O vídeo foi gravado em segredo e divulgado na Internet, mas Channouchi alega que suas palavras foram tiradas de contexto.

A oposição acusa o Ennahda de duplicidade, dizendo que, enquanto publicamente apresenta o discurso da tolerância, também usa os jovens radicais para intimidar as vozes independentes, aparentemente em um esforço conjunto.

O Ennahda reage a essa acusação e alega que está sendo mal compreendido. "Apoiamos a tolerância e a liberdade de expressão nas artes. Afinal, Ennahda significa renascimento, certo?", diz Ajmi Lourimi, membro da liderança do partido responsável por assuntos educacionais e culturais.

Lourini usa um boné para trás. Ele aponta para a tela de seu computador, onde há uma entrevista do YouTube com o filósofo judeu Emmanuel Levinas: "Você vê? Também sou filósofo", diz Lourimi. "Um filósofo islâmico".    

O propósito da cultura é educar as pessoas, diz Lourimi. E, é claro, ele acrescenta, ele é contra ataques a galerias de arte. Quando perguntado sobre manifestações contra a transmissão do filme "Persepolis", ele diz: "Ninguém é contra esse filme. É só que tem algumas cenas que magoam os sentimentos de muitas pessoas quando apresentadas publicamente. A maior parte dos diretores percebe então que os cortes são necessários".


Quando perguntado sobre seu filme predileto, ele menciona um filme de suspense com Alain Delon e Jean Gabin. "Meu pintor favorito? Ah, sou velho demais para ir para exibições de arte". Ele tem 50 e poucos anos.

O jornal do partido "al-Fajr" divulgou um artigo sobre o curta-metragem "Bousculades" chamado "Os últimos relances de gênio do cinema da Tunísia". O filme conta a história de como as prostitutas em um bordel participaram na guerra de libertação do país do domínio da França.

Sawssen Saya,26,  diretora do filme, vê o artigo como uma provocação. "O jornal do partido governante denuncia um filme sem tê-lo visto", diz ela. "Por quê? Para que haja boicotes do tipo: defendam-se".

Ao mesmo tempo, "Bousculades" recebeu verbas do governo e desde então coletou prêmios em um festival de cinema. Este pode ser um sinal da liberalização – ou do que restou da liberdade para a arte.


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