segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Um retrato revisado dos extremistas de direita da Hungria
Apesar de altamente ignorado pela mídia nacional, o partido extremista de direita Jobbik, da Hungria, opera em um universo online surpreendentemente bem desenvolvido e autossustentado. Além disso, estudos recentes apontaram que os simpatizantes do partido não são “perdedores”, como muitos especialistas achavam que eram.
O líder dos extremistas de direita da Hungria raramente se expressa tão claramente. Falando diante de uma multidão de poucos milhares de simpatizantes no complexo Sportmax de Budapeste no sábado, 21 de janeiro, Gábor Vona anunciou o fim da democracia liberal no mundo. No discurso feito tradicionalmente para os membros do partido em janeiro, o político de 33 anos exigiu “nenhuma concessão” ao sistema político vigente, pedindo em vez disso por “luta, luta e mais luta”. “Nós não somos comunistas, fascistas ou nacional-socialistas”, disse Vona. “mas –e isto é importante que todos entendam claramente– nós também não somos democratas!”
As palavras de Vona foram recebidas com aplausos entusiásticos. Foi a primeira vez que o líder do partido Jobbik (“O Melhor”) –que recebeu pouco menos de 17% dos votos durante as eleições em abril de 2010– fez uma rejeição tão clara da democracia.
O discurso recebeu apenas uma cobertura leve e desinteressada pela mídia húngara. Elöd Novák, o vice-presidente do partido, alegou que isso provavelmente se deve mais a prioridades organizacionais do que a um esforço consciente de boicote à cobertura do evento. “Nós somos o segundo partido mais forte na Hungria”, ele disse, “mas não exercemos nenhum papel na mídia tradicional”.
Apesar de Novák falar de “exclusão”, ele de modo algum o faz de modo acusador. Mesmo assim, embora o partido apoie a saída da Hungria da União Europeia, ele enviou recentemente uma carta de queixa a Neelie Kroes, o comissário da UE para agenda digital, alegando que recebe pouca cobertura da mídia húngara. Mas a verdade é que o partido promove com apreço sua imagem de pária na mídia. Além disso, na verdade, ele não tem necessidade nenhuma de cobertura da mídia tradicional.
Surpreendentemente moderno e bem conectado
Quando o Jobbik quer se comunicar com seus apoiadores e eleitores, ele adota uma abordagem diferente. Os políticos do partido falam nos chamados “fóruns romanos” quase todo dia e escutam as pessoas dos menores vilarejos expressarem suas preocupações. Mesmo assim, de longe o veículo mais usado para disseminação de sua ideologia é uma rede extremamente bem-organizada composta de centenas de sites extremistas de direita, interligados por plataformas como Facebook ou iWiW, um serviço de rede social húngaro.
Este também foi o caso do discurso do Vona em 21 de janeiro. Barikad.hu, o site da revista semanal do Jobbik, “bar!kád”, transmitiu o discurso ao vivo. Igualmente, logo após a conclusão do evento, outros portais de notícias operados pelos extremistas de direita húngaros apresentaram reportagens multimídia completas do evento, parte das quais acabaram posteriormente chegando ao Facebook.
Esta abordagem há muito se tornou rotina. Há anos, os extremistas de direita da Hungria têm usado de modo bastante eficaz a internet para atingir suas metas. Eles a utilizam para disseminar suas mensagens e organizar manifestações e campanhas –muitas das quais também envolvendo discursos de ódio e incitamento. “A Internet foi e continua sendo muito importante para nós”, diz Márton Gyöngyösi, um membro do Jobbik no Parlamento. Ele explica que isso “não se deve apenas ao nosso acesso limitado à mídia tradicional, mas também porque grande parte de nossos apoiadores e eleitores são jovens que podemos contatar melhor pela nova mídia”.
Os especialistas estão observando esta tendência há algum tempo. “Durante a campanha eleitoral de 2010, a Internet exerceu um papel chave para o Jobbik”, diz Áron Buzogány, um cientista político alemão-húngaro que estuda os movimentos sociais no Leste Europeu. “Em comparação a outros partidos, o Jobbik conta com a presença mais atualizada na Internet, baseada em ferramentas da Web 2.0. As pessoas que visitam essas páginas podem exercer um papel ativo em sua moldagem, portanto se tornando parte da própria campanha.”
József Jeskó, o cientista político de Budapeste que estuda as atividades online dos extremistas de direita da Hungria há anos, chega a uma conclusão semelhante. “O Jobbik é o primeiro partido na história da Hungria a usar eficazmente as vantagens da internet para seus próprios propósitos”, ele diz. Mas Jeskó enfatiza que o Jobbik nem construiu e nem controla a rede online de extremistas de direita húngaros. Em vez disso, ele diz, “grupos pequenos com convicções semelhantes, mas muitos interesses diferentes, estabeleceram contato com a ajuda da Internet e conjuntamente criaram um mundo virtual para si mesmos”.
O extremismo de direita moderno e bem conectado da Hungria nasceu no final de 2006. Naquela época, ocorreram distúrbios nas ruas de Budapeste. Entre outras coisas, os manifestantes invadiram o prédio da “MTV”, a empresa de radiodifusão nacional, e incapacitaram parcialmente suas transmissões. Uma das coisas que provocaram os distúrbios foi o secretamente gravado “discurso de mentiras” feito pelo primeiro-ministro socialista, Ferenc Gyurcsány, em maio daquele ano. Apesar de o discurso ter sido feito durante uma suposta reunião a portas fechadas de seu partido, ele foi secretamente gravado –e transmitido. Nele, ele reconheceu abertamente ter mentido para os eleitores.
Plataformas de lançamento online para violência
Uma das coisas que ajudaram a provocar os protestos violentos foi a aparição, poucos meses antes, do site kuruc.info, que passou a ser a plataforma central e mais visitada da cena do extremismo de direita da Hungria. O site dissemina conteúdo extremamente agressivo antissemita, anticiganos, chauvinista e homofóbico. Além disso, sob o título de “ponto de coleta de lixo genético”, ele organiza periodicamente o que representa uma caça às bruxas contra certos indivíduos, que às vezes pode ter consequências horríveis. Por exemplo, em dezembro de 2007, o ex-político socialista Csintalan Sándor foi atacado e seriamente agredido. Por meses antes do ataque, o site promoveu uma campanha contra o que chamava de “rato judeu”. Os suspeitos de realizarem o ataque, incluindo o líder neonazista húngaro György Budaházy, foram presos em 2009 e atualmente estão sendo julgados por acusações de cometimento de crimes terroristas.
Por anos, as autoridades na Hungria tentam fechar o site, que está registrado nos Estados Unidos, e prender as pessoas suspeitas de administrá-lo. Mas até o momento seus esforços fracassaram. Há rumores de que um de seus redatores é o vice-presidente do Jobbik, Elöd Novák, apesar dele naturalmente negar a acusação. “Se eu reconhecesse isso, eu obviamente iria para a cadeia”, diz Novák. “Mas é verdade que mantenho boas relações com a equipe editorial”, ele reconhece antes de acrescentar descaradamente: “Às vezes uso meu celular para enviar para eles material saído diretamente das reuniões parlamentares”.
Um mundo próprio
Os sites mais visitados, como o kuruc.info, também servem como centros para a rede online de extremistas de direita húngaros. Os visitantes podem seguir os links nesses sites para outros sites de extremistas de direita, para o site do partido Jobbik, para organizações locais de extremistas de direita, para a emissora de rádio de Internet “szentkoronaradio.com” e para grupos de rock e folk “nacionalistas” –todos linkados uns aos outros. Mas isso não é tudo. Também há propagandas e links para lojas e empresas “nacionalistas” que oferecem toda a espécie de necessidades diárias, incluindo alimentos, bebidas, roupas, móveis, agências de viagem, advogados e consultores financeiros. Há até mesmo sites para encontrar “parceiros nacionalistas-cristãos” e chamar “táxis nacionalistas” online.
O cientista político József Jeskó descreve essa rede extremista de direita como um “sistema virtual quase completamente autocontido”, que dá aos seus usuários uma “identidade incrivelmente forte e uma visão de mundo abrangente, seu próprio modo completo de vida que permite que os meios ou informação de fora penetrem com extrema dificuldade”. Para o Jobbik, acrescentou Jeskó, esta rede oferece “uma quantidade imensa de capital informal” por meio do qual pode “transmitir uma visão de mundo ilustrada para seus eleitores, gratuitamente”, e moldar suas opiniões.
“Por meio da mídia tradicional”, ele diz, “o partido nunca conseguiria isso”.
Não um partido de “perdedores”
O que torna a rede ainda mais valiosa para o Jobbik é o fato de seus usuários não serem pessoas pobres e socialmente à margem. Muitos cientistas políticos viam inicialmente o Jobbik como um partido de “perdedores”. Mas novos estudos fornecem um quadro diferente, descobrindo que o eleitor típico do Jobbik é do sexo masculino, com menos de 35 anos, raramente desempregado e dono de um diploma do ensino médio ou superior. No início da semana passada, o centro de estudos britânico Demos e o Instituto de Capital Político, de Budapeste, lançaram um estudo baseado nos resultados de uma pesquisa envolvendo 2.200 fãs do partido Jobbik no Facebook. O levantamento apontou que o entrevistado típico tem “muito pouca confiança em todas as grandes instituições políticas e sociais” e apresenta “maior probabilidade de pensar que a violência é justificada se levar ao resultado certo”. Igualmente, o serviço de Internet index.hu, o site de notícias online mais lido da Hungria, resumiu o eleitor médio do Jobbik como “muito jovem, muito húngaro, muito mal-humorado”.
Para o cientista político Áron Buzogány, isso mostra que a popularidade do Jobbik é o resultado trágico da evolução política fracassada da Hungria. “Por muito tempo, o país permaneceu dividido entre esquerda e direita em um grau extraordinariamente profundo, o que está se tornando um problema social cada vez maior”, ele diz. “Todo um estrato de jovens cresceu no contexto desta divisão e agora encontrou um lar no microuniverso do extremismo de direita.”
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