Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Será que o Egito pode fazer a democracia funcionar?


Milhares de egípcios tomam a célebre praça Tahir, no Cairo, para marcar um ano da revolta que tirou do poder o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak


Um ano após a revolução, o Egito talvez tenha um Parlamento, mas ainda está longe de ser uma verdadeira democracia. Os salafistas, ultraconservadores, têm problemas com o sistema parlamentar, enquanto os políticos seculares se preocupam que a Irmandade Muçulmana e o Conselho Militar estão fazendo acordos por trás das cenas.

Em seu primeiro dia como membro do Parlamento, Ziad el-Eleimy está na praça Tahrir, onde tudo começou. Ele veste uma jaqueta de veludo com o adesivo do Parlamento na lapela e carrega uma sacola plástica. Ele dormiu na praça por quase três semanas durante a revolução.

Agora, el-Eleimy está olhando para a praça Tahrir como se estivesse procurando alguma coisa, mas não há nada para ser encontrado. O tráfego ronca pelo asfalto, o ar está pesado de fumaça de escapamento e os sinais de trânsito não foram consertados em um ano. Um repórter japonês segura um microfone para el-Eleimy, que faz alguns comentários ao acaso sobre a liberdade –a justiça social e o fato de seu coração continuar na praça Tahrir.

Seu avô foi preso nos tempos do ex-presidente Gamal Abdel Nasser, seus pais foram presos pelo sucessor de Nasser, Anwar Sadat, e o próprio el-Eleimy passou uma temporada atrás das grades sob o hoje deposto presidente Hosni Mubarak –foi só um mês, mas o suficiente para seus captores quebrarem uma perna e um braço.

Experimento duplo

Um ano após a revolução, o Egito tem um novo Parlamento, eleito de forma mais livre e justa do que nunca. Mais de dois terços de seus membros são islâmicos, que hoje detêm tantos assentos quanto o antigo partido governante, o NDP. Há oito mulheres neste Parlamento, 13 ex-membros do NDP e apenas meia dúzia de jovens revolucionários. Juntos, têm a responsabilidade de redigir uma Constituição e no final de junho, quando o presidente for eleito, o Conselho Militar deve transferir o poder para um governo civil. Este, pelo menos, é o plano.

É um experimento duplo, e o resultado terá um impacto por todo o mundo árabe. Será que um país pode encontrar seu caminho para a democracia apenas pelas eleições, ainda mais um país islâmico? Ou será que precisa de uma segunda revolução para eliminar todas as instituições corruptas, inclusive a polícia, a televisão estatal e as agências de governo que ainda operam de acordo com as regras antigas?

Se os membros do Parlamento unirem suas forças e se, com o apoio do povo, eles exercerem pressão sobre o Conselho Militar, os generais dificilmente poderão resistir. Mas se preferirem promover seus próprios interesses e fecharem um acordo com os militares com este fim, o Parlamento pode continuar o que sempre foi: um lugar onde os representantes do povo se reúnem há 146 anos sem jamais de fato terem representado o povo.

A revolução agora está nas mãos dos deputados. El-Eleimy, social-democrata,  um homem consciente de seu próprio poder e cheio de desejo de mudança. Mas há também representantes como Khaled Hanafi, 50, membro da Irmandade Muçulmana que esperou quase 20 anos por um assento no Parlamento. E há o salafista Ahmed Khalil, 33, que não tinha permissão para ensinar em sua própria escola, por causa da sua barba.

Eles não têm nada em comum, exceto o fato de terem participado das manifestações da praça Tahrir, mas ainda assim precisam definir agora coisas importantes juntos: que tipo de país querem? E o que entendem como democracia?

“Não acredite que o Parlamento pode protegê-lo”

El-Eleimy  caminha da praça Tahrir para o prédio do Parlamento. Ele pisa na areia onde os manifestantes arrancaram o pavimento, passa pelo prédio Mogamma, o colosso da burocracia estatal, e o Institut d`Egypte, que está em ruínas desde dezembro. O Parlamento fica atrás dele, mas um muro de concreto e arame farpado agora bloqueia a rua. El-Eleimy tem de dar a volta.

O prédio que abriga a futura democracia do Egito fica atrás de uma grade com pontas douradas, tem rolos de arame farpado e soldados. Os canteiros de flores foram plantados recentemente, e os muros estão pintados. Não há mais evidências que o povo estava morrendo aqui há apenas um mês, e que soldados estavam atirando arquivos na multidão de um prédio no qual estão inscritas, ironicamente, as palavras “A democracia garante a soberania do povo”.

El-Eleimy também estava lá nesse dia. Ele já tinha sido eleito, mas isso não impediu a polícia militar de bater nele. “Não ache que o Parlamento pode protegê-lo de nós”, disse um dos soldados com desprezo. El-Eleimy lembra-se das palavras claramente, porque elas demonstram para ele quem ainda dá as cartas no país. Ele se reuniu com alguns dos generais do conselho militar três semanas após a derrubada de Mubarak. Eles queriam que os ativistas parassem de protestar. “Esses homens não negociam. E eles certamente não deixarão o poder voluntariamente”, disse El-Eleimy.

Depois, ele entra no Parlamento e mostra aos guardas seu crachá, pelo qual teve que esperar cinco horas no dia anterior. Não há escritórios para os deputados neste estranho Parlamento, nem há orçamento para pessoal. Há apenas uma biblioteca empoeirada, muito mármore, pinturas a óleo penduradas tortas na parede e candelabros por corredores com tetos muito altos. É uma das muitas instituições do antigo Egito que dá as pessoas uma noção de sua própria impotência.

Cursinho de democracia

Enquanto isso, os salafistas estão celebrando do lado de fora. Seu partido, Al-Nour, cujo nome significa “partido da luz”, conquistou 121 assentos, ou quase um quarto da Câmara Baixa, a Assembleia do Povo. Eles carregam Ahmed Khalil, um de seus líderes, pela multidão como um jogador de futebol que acaba de fazer um gol. Khalil se forçou a usar um terno bege para este dia. Sua barba está bem aparada e ele carrega um smartphone na mão. Ele é o modelo de parlamentar salafista, mas apenas sua aparência é moderna. Ele se recusa a falar com mulheres e suas opiniões são ultraconservadoras.

Há uma semana, participou de uma conferência em um hotel com os outros membros do Parlamento, na qual um cientista político explicou para eles como funciona a instituição. Foi um cursinho em parlamentarismo que cobriu de tudo, desde comitês até os procedimentos legislativos. A maior parte dos salafistas nada sabe de política. Até recentemente, eles tendiam a considerar as eleições uma blasfêmia.

Khalil não precisava do curso. Ele tem doutorado em administração e dirige uma escola de ensino médio em Alexandria. Como é controlado, os jornalistas têm permissão de falar com ele. Ele formulou duas respostas para perguntas sobre questões delicadas como mulheres e biquínis. A primeira é que os salafistas não oprimem as mulheres, mas as protege. Eles já prepararam uma série de leis contra o analfabetismo, a pobreza e a injustiça, diz Khalil. Isso não faz dele um feminista, porém: ele também acha que o lenço na cabeça e a segregação de gêneros foram inventados para o benefício das mulheres. Ele diz que tampouco é contra o turismo nas praias, mas que a indústria do turismo não deveria se focar exclusivamente nas praias. Os safáris de jipe e esqui em dunas de areia, salienta, são formas de recreação agradáveis.

Diante do Parlamento nesta manhã, ele diz: “A sharia e a democracia precisam ser combinadas”, referindo-se à lei islâmica. “Então será bom. É precisamente isso que está acontecendo agora”. É claro, acrescenta, quando as leis democráticas violam a sharia, a lei islâmica deve prevalecer. A campanha dos salafistas baseou-se primariamente no combate à corrupção, mas eles também sabem que não é uma luta que pode ser vencida rapidamente. O que pode ser alcançado rapidamente é uma constituição islâmica.

Extremamente religiosos

Quando a sessão parlamentar começar, as fileiras de salafistas parecerão membros de um grupo de música folk, com turbantes, barbas e vestes, conhecidas como jellabiya. É claro, todos eles têm um calo de preces na testa, causado pela pressão da cabeça no chão durante as preces diárias. É um sinal de religiosidade extrema.

A primeira tarefa do primeiro Parlamento livre é que todos seus 508 membros devem jurar pelo país, a República e a Constituição, apesar de o Egito de fato não ter uma no momento. Os deputados recitam seu juramento, um após o outro, um evento de quatro horas transmitido ao vivo para o resto do mundo.

Quando El-Eleimy se levanta, acrescenta que pretende cumprir as demandas dos revolucionários. Um salafista se recusa a jurar à República, e em vez disso jura à “doutrina de Alá”, enquanto outros acrescentam que só vão cumprir o juramento enquanto não contradisser a vontade de Deus. É apenas um juramento, uma formalidade, e ainda assim revela as primeiras cisões.

Depois, eles elegem o presidente do Parlamento, e o vencedor, como esperado, é Mohammed Saad el-Katatny, secretário geral do Partido da Liberdade e Justiça, da Irmandade Muçulmana. É a posição mais influente que um membro da Fraternidade já teve e Katatny sabe a quem agradecer. “Muitos agradecimentos ao exército esplêndido e ao conselho militar, que conseguiram celebrar as eleições”, diz ele.

Medida audaciosa

No dia seguinte, o revolucionário El-Eleimy está sentado, fumando sem parar em um sofá barroco folheado a ouro na cafeteria do Parlamento. O Conselho Militar acaba de suspender as leis de emergência que vigoravam há três décadas e soltar 2.000 prisioneiros.

El-Eleimy considera isso é um progresso, mas não é o suficiente: “A Fraternidade Muçulmana e o Conselho Militar fizeram um acordo”, diz ele. “Nas eleições presidenciais, a Fraternidade Muçulmana vai apoiar o candidato militar. Isso vai permitir que governem sem a responsabilidade oficial. É a melhor coisa que poderia acontecer para eles”.

Ele acaba de entrar com uma moção para que o ministro do interior, o ministro da justiça e o ministro da defesa sejam questionados no Parlamento. “E o chefe do conselho militar!”, acrescenta. É uma medida audaciosa, mas ele espera estimular outros delegados a romperem o pacto entre os militares e os islâmicos.

Abafar outras vozes

A praça Tahrir está cheia de pessoas na quarta-feira do dia 25 de janeiro, aniversário da revolução. Há mais pessoas do que no dia da derrubada de Mubarak. A Fraternidade Muçulmana montou o maior palco, diretamente do outro lado do movimento revolucionário jovem.

Eles instalaram dezenas de alto-falantes e agora estão tocando canções patrióticas tão alto que abafam todo o resto. Sua mensagem é: celebrem a revolução e deixem a política para nós.

Khaled Hanafi, 50, é oftalmologista com uma barba suja. Ele não parece o estereótipo de islamista sinistro. Durante a revolução, Hanafi cuidou dos feridos em um hospital de campo na Praça Tarhir e acaba de ser eleito para o Parlamento com 150.000 votos. Ele tentou concorrer ao Parlamento antes, em 1995, e depois passou um ano preso. Ele foi torturado no início, mas o período depois disso foi o melhor de sua vida. “Nunca aprendi tanto. Éramos todos professores e engenheiros”.

Hanafi pregou fotos do hospital de campo na frente do palco. Nelas, ele aparece colocando bandagens nos feridos e dormindo no chão. Tudo gira em torno da credibilidade revolucionária, e Hanafi tem muita. Muitos acreditam nele quando sobe ao palco e diz que a revolução acabou e que o conselho militar sem dúvida se retirará da política no dia 30 de junho.

Existe um pacto entre o conselho militar e a Fraternidade Muçulmana como muitos alegam? Seu rosto amigável fica franzido. Puxando seu cachecol cor de rosa, ele diz: não, absolutamente não! Ele diz que isso não passa de um rumor iniciado pelos que querem criar um caos.

“Não queremos um Estado islâmico!”

A Fraternidade Muçulmana não gosta dos protestos, porque cada vez mais se voltam contra ela. Para a Fraternidade, a revolução está no passado, enquanto os manifestantes acreditam que está no futuro. Na quarta-feira, dia 25 de janeiro, centenas de milhares marcharam para a praça Tahrir de todas as direções, como fizeram há um ano. Dezenas de milhares protestaram na sexta-feira, que eles declaram como “Dia da Revolta”. E agora os manifestantes não estão apenas gritando: “Fora Conselho Militar”, mas também: “Não queremos um Estado islâmico!”

Há tendas na praça Tahrir novamente na noite de quarta-feira. Muitos manifestantes ficaram, inclusive El-Eleimy. Ele quer dormir na praça e ir direto ao Parlamento toda manhã. Afinal, não é tão longe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário