Francisco Javier Garcia Gaztelu, ex-chefe do grupo separatista basco ETA, foi condenado a 105 anos de prisão em 2011 |
O ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, afirmou na terça-feira (6) que não fará a aproximação de presos do ETA ao País Basco. O do Interior, Jorge Fernández, explicou que a política penitenciária é competência de seu departamento e que não haverá uma "política" de aproximações, mas que de forma individualizada poderão ser tomadas medidas. Isto é, insistiu mais uma vez na chamada via Nanclares, estabelecida pelo governo socialista como único caminho possível: conceder benefícios penitenciários aos condenados que cumprirem os requisitos do Código Penal, rejeitarem a violência e pedirem perdão às vítimas.
Uma solução que é rejeitada frontalmente pela esquerda abertzale (independentista), assim como pelo coletivo oficial de presos do ETA, que confia em alguma saída que não os obrigue a questionar seu passado e o uso da violência, o que não parecem dispostos a fazer.
Os reclusos dissidentes do bando detidos em Nanclares de Oca (Álava), agora transferidos para a nova e próxima prisão de Zaballa, e alguns em Basauri (Bizkaia) e Martutene (Gipuzkoa), são apenas 20 entre os mais de 500 presos do bando. Mas fizeram autocrítica - ao mesmo tempo em que uma crítica dos excessos do Estado -, cumprindo as exigências da lei e, embora sejam minoria, querem participar do processo do fim da violência.
Uma dezena deles, entre os quais Joseba Urrusolo Sistiaga, Rafael Caride ou Idoia López Riaño, La Tigresa, participaram em outubro e novembro de 2011 de uma série de oficinas de debate dentro da prisão, com vítimas, professores, políticos e jornalistas, para falar sobre a violência, as vítimas e a paz em Euskadi [País Basco espanhol]. Foram os internos que solicitaram as oficinas, e a anterior secretaria-geral de Instituições Penitenciárias, dirigida por Mercedes Gallizo, as organizou com a colaboração da oficina de vítimas do governo basco.
Um grupo desses reclusos, autodenominados Presos Comprometidos com o Irreversível Processo de Paz, quase todos na prisão desde os anos 1990 por condenações de dezenas ou centenas de anos, por assassinato ou participação em bando armado, concordaram em responder coletivamente a um questionário - concentrado nas oficinas - enviado por este jornal.
Joseba Urrusolo Sistiaga, Carmen Gisasola, Kepa Pikabea, Andoni Alza, Ibon Etxezarreta e Rafael Caride, em nome de todo o grupo, falam de sua necessidade de participar de debates e do que representou reunir-se com vítimas do ETA. Diante do jornalista Gorka Landaburu, que sobreviveu a um atentado que o deixou mutilado, afirmam que se alegraram de que continue vivo, "que foi uma barbaridade querer matá-lo".
El País: Em que consistem as oficinas?
R.: São conversas-debates em torno de como enfrentar uma nova convivência baseada na reflexão crítica do passado, a superação das feridas tanto pessoais como sociais e nossa contribuição nesse sentido.
El País: Por que quiseram fazê-lo?
R.: É evidente que a organização em que militávamos foi responsável por uma parte importante do sofrimento vivido por muitas famílias em todos esses anos. Assumindo essa responsabilidade, consideramos necessário estender pontes e criar espaços de encontro que ajudarão na medida do possível a fechar as feridas, e contribuirão um pouco a favor de uma convivência em paz e normalizada para que nunca mais se voltem a viver situações tão dramáticas e dolorosas. Parecia-nos fundamental o contato com pessoas de setores e sensibilidades diferentes, falando-nos, escutando-nos e assim rompendo o diálogo de surdos que existiu em nosso país durante tantos anos.
El País: Que tipo de questões foram abordadas?
R.: O que é preciso fazer para recuperar uma convivência normalizada. Analisamos os processos de memória, verdade e reconciliação em outros países, as bases éticas para a construção da nova convivência, a realidade das vítimas através de seus próprios sentimentos.
El País: Como foi a reunião com vítimas do terrorismo?
R.: Foram dois encontros e se revelaram muito intensos, positivos e construtivos. Damos importância ao fato de que participaram da oficina. Pudermos escutar seus medos e dúvidas sobre que se queira apagar e virar a página, como se aqui não tivesse acontecido nada, e os entendemos. Acreditamos que o novo período que começa em nosso país com o fim do ETA deve ser construído a partir do reconhecimento do conjunto da sociedade basca de todas as vítimas de tantos anos de violência.
El País: O que sentiram ao estar diante dessas pessoas?
R.: Do primeiro encontro participaram os filhos de duas pessoas mortas em atentados [Jaime Arrese e Iñaki García Arrizabalaga]. Ver que estávamos na mesma sala e um grupo de presos falando com eles, escutando como viveram - não só o atentado que custou a vida de seus pais, mas também a falta de solidariedade em seu entorno, a reação das pessoas que deixavam de cumprimentá-los e acrescentavam ainda mais dor - nos faz questionarmos ainda mais não só a utilização da luta armada, como também a mentalidade que a cercava.
El País: E na segunda reunião?
R.: Participou uma vítima direta do ETA [Gorka Landaburu], que ficou gravemente ferido, mutilado para o resto da vida. Sentimos alegria porque continua vivo, foi uma barbaridade pretender matá-lo. Compartilhamos seriamente esses sentimentos, nos emocionamos apertando sua mão. Não é possível reparar o dano causado, não podemos voltar atrás, mas no nível humano sentimos que contribuímos como pudemos. É isso que sentimos.
El País: As oficinas geraram debates posteriores?
R.: Claro. Continuamos voltando aos temas que foram discutidos e como colocá-los em prática, como dar passos concretos, como discutir uma revisão crítica do passado que vá além do pessoal.
El País: A que conclusões chegaram?
R.: A principal é que temos de continuar com esse tipo de encontro, porque o contato direto ajuda a enfrentar de maneira positiva esses temas, quando há vontade para isso. Em nosso país a existência da violência fez que vivêssemos em mundos estanques, cheios de preconceitos e ideias preestabelecidas sobre o que representava "o outro". O fim da violência precisa trazer consigo, entre outras coisas, uma mudança de mentalidade. Também pensamos que encontros como esses, nos povoados e em outros fóruns de reflexão, facilitariam a superação de muitos obstáculos para a convivência.
El País: O que podem contribuir essas oficinas para a convivência?
R.: Contribuem muito no campo do concreto. É como baixar à realidade e ir além das declarações ou textos. Queremos trazer nossas reflexões e testemunhos porque pensamos que, a partir de nossa própria experiência, em primeira pessoa e como grupo, nossas reflexões críticas das decisões ajudam a questionar a mentalidade com que os objetivos políticos são postos acima da dignidade das pessoas.
El País: O coletivo oficial de presos do ETA é absolutamente contrário a fazer autocrítica e a permitir em suas fileiras gestos em direção das vítimas. Há alguma possibilidade de que essa experiência se estenda a outras prisões?
R.: Há muitos outros presos que também participariam desse tipo de conversas-debates se fossem propostos de forma adequada. Na Irlanda já o fizeram; também saíam de licença para participar de atividades a favor do processo de paz. Antes de começar as oficinas, uma das primeiras visitas que tivemos foi a de Rafa Larreina, hoje deputado da Amaiur [coalizão de partidos políticos bascos independentes da esquerda nacionalista (abertzale)], por EA, quando EA ainda não fazia parte de Bildu-Amaiur. Ele nos contou sua experiência das reuniões com vítimas quando fazia parte do governo basco. Fez-nos ver que o diálogo direto era possível. Compartilhamos com ele a importância dos passos que estávamos dando e ele nos animou a continuar. Comentamos como seria importante que ele mesmo fosse falar com presos em outras prisões. Estava de acordo. O problema é que o tema dos presos continua bloqueado, e não só por parte do governo. Bastaria que a esquerda abertzale tomasse a decisão de desbloqueá-lo, como fizeram para legalizar-se como grupo político. Com sensatez, como corresponde ao momento que vivemos. Sem atrasar mais os passos que devemos dar.
El País: Muitas vítimas não acreditam que a autocrítica seja sincera. Consideram-na algo instrumental para ter acesso a benefícios penitenciários. O que lhes diriam?
R.: Entendemos que possa existir esse tipo de receio, mas lhes diríamos que em nosso caso temos muitos anos de crítica, autocrítica e questionamento em nível interno de todos esses temas. Foram anos de discussões e problemas constantes com um custo pessoal e para nosso entorno familiar que não é fácil de suportar. Podíamos ter-nos limitado a deixá-lo, a nos afastarmos discretamente e procurar nossa saída pessoal dentro das possibilidades estabelecidas na lei. Essa é a opção que gostariam que tomássemos os que falam em nome dos presos. Mas não o fizemos porque pensamos que nossa responsabilidade nos leva ao compromisso de contribuir como pudermos nesse sentido. Esta é uma das conclusões que puderam tirar os que participaram dos encontros da oficina.
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