O comandante supremo da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), general francês Jean-Paul Paloméros, concede entrevista coletiva, em Bruxelas, sobre a intervenção militar da OTAN no Mali |
Quando Anders Fogh Rasmussen dirige para o seu escritório no bairro de Schaerbeek, em Bruxelas, na parte da manhã, ele olha com antecipação para uma obra grande do outro lado da rua. O local, onde guindastes de construção se projetam em direção ao céu, eventualmente abrigará a nova sede da Otan (aliança militar ocidental), com 250 mil metros quadrados. Preço: mais de um bilhão de euros.
O secretário-geral da aliança ocidental de defesa já estaria em seu novo escritório agora, se não fossem os atrasos significativos na conclusão da estrutura massiva de vidro e aço.
Mas os atrasos estão entre os menores problemas que o ex-primeiro-ministro dinamarquês enfrenta atualmente. Rasmussen tem a tarefa ingrata de gerenciar um projeto de reforma muito mais difícil. Mais de duas décadas após o fim da Guerra Fria, a Otan ainda não definiu o papel que quer desempenhar num mundo transformado.
O objetivo de "manter os americanos dentro, os russos fora e os alemães para baixo", como colocou Lord Ismay, o primeiro secretário-geral da Otan, já era obsoleto quando da queda do Muro de Berlim. Mas os membros da Otan, especialmente os europeus, estão tendo dificuldade em aceitar a necessidade de adaptar a sua organização.
Com uma franqueza sem precedentes, uma análise confidencial do Ministério de Exterior alemão revelou como poucos dos programas que foram anunciados na cúpula da Otan em Chicago no ano passado foram implementados. "Não tem sido possível alcançar um consenso em áreas fundamentais", diz o documento.
O relatório lista em detalhe os desafios que a aliança precisa superar, desde pouca cooperação na defesa de mísseis até a falta de financiamento para uma política de segurança eficaz. Os autores concluem que o progresso está acontecendo a "passos de tartaruga".
A inércia na Otan está fora de proporção com a velocidade com a qual o equilíbrio de poder mundial está mudando. Os norte-americanos, por exemplo, estão voltando sua atenção para as economias asiáticas emergentes, que também estão se tornando mais forte militarmente.
Washington, por sua vez, está cada vez menos disposta a assumir uma parcela maior da defesa da Europa e de seus interesses. "A partilha de responsabilidades entre os Estados Unidos e o resto da aliança se tornou cada vez mais desequilibrada", escreveu Rasmussen há duas semanas numa carta interna aos embaixadores da Otan. "Se isso continuar, pode enfraquecer o apoio para a aliança nos Estados Unidos."
Promessas vazias
Os europeus, no entanto, parecem incapazes de assumir uma parcela maior das responsabilidades de seu grande aliado. Há dois anos, sem a ajuda norte-americana, teria sido necessário concluir a missão internacional na Líbia depois de apenas alguns dias. Pouco mudou desde então.
Na cúpula de maio passado, em Chicago, os líderes da Otan anunciaram novos objetivos importantes. O comunicado afirmou que a Otan reforçaria a sua cooperação com a União Europeia. Com a intenção de reduzir custos, os membros individuais prometeram coordenar melhor seus respectivos projetos de defesa. Os europeus se comprometeram a melhorar as suas capacidades militares. De acordo com o documento, a aliança estava embarcando em nada menos do que uma "nova era de cooperação".
Mas foram promessas vazias. Quando os ministros da defesa da OTAN se reuniram em Bruxelas na quinta-feira passada para lançar as principais iniciativas da cúpula de Chicago, eles não conseguiram sequer chegar a um acordo sobre os documentos básicos de trabalho. O relatório de execução do "Pacote de Defesa Chicago" foi colocado no gelo. "Isso deve ser visto como um retrocesso significativo para 'Chicago'", disse um diplomata alemão.
Em Berlim, outros são culpados pela situação. Especialmente as "posições aparentemente incompatíveis de algumas nações" em relação aos principais parceiros estão obstruindo o progresso em áreas fundamentais, conclui a análise do Ministério de Exterior. As nações em questão são a França e a Turquia, e há muito mais em jogo do que diferenças sobre questões individuais. "Em particular, ainda há uma pergunta sem resposta: 'Quo vadis, a Otan?'"
Dúvidas sobre os alemães
A análise alemã encobre o papel de Berlim nesta falta de progresso.Ela apenas menciona, de forma indireta, que as resoluções de Chicago também são complicadas pelo "fato do acesso seguro (ainda a ser criado) às capacidades multinacionais". O texto complicado alude ao ceticismo dos parceiros quanto a confiar nos alemães no caso de uma emergência.
Em essência, os membros europeus da Otan concordam que, devido à falta de fundos, devem cooperar com muito mais proximidade em várias áreas, inclusive na política de defesa. Nem todos os países precisam ter tanques, aviões de combate ou submarinos. Em vez disso, as capacidades militares deveriam ser reunidas e partilhadas. Em caso de emergência, um parceiro ajudaria os demais, fornecendo-lhes as armas que eles não têm.
Mas os conceito pressupõe que a ajuda é de fato fornecida em caso de emergência. Isso foi questionado pelo comportamento de Berlim durante a missão da Otan na Líbia. Os alemães retiraram seu pessoal militar do avião de reconhecimento Awacs e ordenaram que os navios de guerra alemães voltassem para casa, para que não se envolvessem na implementação do embargo de armas. A insistência constante do ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, por uma "cultura de contenção militar" alemã só aumentou o ceticismo de parceiros como a Inglaterra e a França.
Também incomoda aos governos em Londres e Paris o fato de que o parlamento alemão, o Bundestag, precisa aprovar cada missão, o que, para eles, torna imprevisíveis as ações alemãs. O ministro da Defesa Thomas de Maizière ainda não conseguiu apoio nem dentro das fileiras de seu partido para sua proposta de mudar as regras de aprovação.
Não são só os alemães que estão atrapalhando o caminho para uma política conjunta de armas e defesa. Os franceses, por exemplo, têm problemas com o sistema de defesa antimísseis planejado pela Otan.
Segundo a análise do Ministério das Relações Exteriores alemão, a "forte ênfase na soberania nacional" do governo francês é uma indicação de que Paris não está interessada num consenso. Na hora H, o Estado-nação é mais importante para Paris do que os esforços de defesa conjuntos.
O mesmo se aplica à Turquia. De acordo com o relatório alemão, um dos principais problemas é a recusa dos turcos "em apoiar construtivamente o conceito de parceria". A avaliação negativa feita pelos diplomatas se refere à postura rígida tomada por Ancara, que se recusa a cooperar com Israel (que é parceiro da Otan) e também está bloqueando a cooperação com a União Europeia por causa do conflito no Chipre.
Foi por causa dessa posição que o representante turco dediciu, no último minuto, não para aprovar documentos essenciais associados aos projetos da Otan na semana passada. "Diferenças fundamentais tornam um acordo impossível no momento presente", informou a embaixada turca da Otan em Bruxelas aos aliados.
Salta o financiamento dos EUA na Otan
O dinheiro é outro ponto de discórdia. Missões como o Afeganistão aumentaram as exigências sobre a aliança, mas a crise econômica significou que a maioria dos governos estão gastando menos com defesa.
De acordo com uma análise interna por Rasmussen, a participação americana no orçamento OTAN aumentou de 63% para 72% na última década, uma situação que os norte-americanos há muito lamentam.
"O feedback inicial mostra que todos os países enfrentam problemas significativos quando se trata de assumir os compromissos previstos", diz a análise do Ministério de Exterior. Autoridades na maioria das capitais europeias esperam que quando chegar o momento de necessidade, Washington não abandone seus aliados.
No entanto, na semana passada, os norte-americanos informaram não oficialmente a seus parceiros que presidente norte-americano Barack Obama não está mais disposto a acatar a posição da Europa. Por insistência de Washington, uma cúpula especial da Otan será realizada em junho. Nessa reunião, Obama quer que a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente francês, François Hollande, o primeiro-ministro britânico David Cameron e outros líderes europeus assumam um compromisso público sobre qual deles assumirá quais custos adicionais.
A maioria dos europeus, no entanto, não têm intenção de orçar mais dinheiro para a defesa. Em vez disso, eles de fato esperam economizar dinheiro como resultado da retirada planejada do Afeganistão em 2014.
Em sua recente carta aos embaixadores da Otan, Rasmussen insiste que este "dividendo de paz" continue fazendo parte do orçamento de defesa. ""Os aliados devem se comprometer politicamente para aumentar seu orçamento de defesa", escreveu, "tão logo suas economias acelerem novamente." Mas isso é altamente improvável.
De fato, não há quase nenhuma questão importante na qual os parceiros não estejam bloqueando uns aos outros. Por exemplo, também não houve recentemente nenhum progresso num dos projetos de vitrine da aliança, o sistema de defesa antimísseis. A disputa gira em torno da questão de como os países que não fazem parte da Otan devem se integrar ao projeto. Os Estados Unidos, a Turquia e os países bálticos estão interessados principalmente em discutir questões operacionais. Outros países, principalmente Alemanha, França e Itália, estão pedindo uma abordagem política e querem envolver a Rússia, que tem uma visão crítica dos planos de defesa antimísseis. "O progresso na área de defesa de mísseis, como uma das questões emblemáticas em Chicago, tem sido decepcionante", segundo a análise alemã.
A crítica às capacidades da aliança agora se estende até o Bundestag, onde legisladores de todos os partidos questionam se a Otan está preparada para os desafios futuros. "Todo mundo está fazendo suas próprias coisas sem levar os outros em consideração", disse Rainer Arnold, especialista em defesa do Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda. Seu colega deputado Omid Nouripour também vê pouco motivo para otimismo. "Os norte-americanos estão se retirando da Otan", diz o político do Partido Verde. "Para eles, a região do Pacífico é mais relevante." Os europeus, acrescentou, não estão preenchendo o vácuo de poder resultante.
Não há nenhuma indicação de que os aliados consigam chegar a acordo sobre as reformas necessárias no futuro próximo. Quando Rasmussen deixar o cargo em 2014, seu histórico vai parecer fraco, mas de certa forma ele será justificado ao atribuir a culpa pela obstrução aos Estados membros.
O político dinamarquês não deve se preocupar muito com um revés na carreira. Ele já tem os olhos voltados para sua próxima jogada. Rasmussen notou com interesse que os liberais europeus querem anunciá-lo seu principal candidato para a eleição europeia de 2014.
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