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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Eleições no Quênia expõem chaga do conflito étnico no país


Em um quarto perto da escada, está Shukrani Malingi, um agricultor pokomo, retorcido em uma maca de metal, com a pele das costas toda queimada. Descendo o corredor, a uma distância segura, está Rahema Hageyo, uma menina orma, olhando pela janela sem expressão, com uma grande cicatriz no alto do pescoço. Ela foi quase decapitada por um facão –e tem apenas nove meses de idade.

Desde que os conflitos étnicos violentos eclodiram entre os pokomos e os ormas há vários meses em uma parte pantanosa e desolada do Quênia, o hospital Tawfiq instituiu em uma política estrita para as vítimas que são trazidas até aqui: pokomos de um lado, ormas do outro. A antiga rivalidade, que os dois lados dizem ter sido inflamada pela eleição para governador, tornou-se tão explosiva que os dois grupos continuam segregados mesmo enquanto recebem cuidados vitais. Quando os pacientes deixam seus quartos para usar o banheiro, eles passam uns pelos outros em suas camisolas manchadas de sangue, algumas vezes empurrando os suportes de soro velhos, sem falar uma palavra.

"Há três razões para esta guerra", disse Elisha Bwora, ancião pokomo. "Tribo, terra e política".

A cada cinco anos, este país estável e tipicamente pacífico, um oásis de desenvolvimento em uma região muito pobre e turbulenta, sofre uma transformação assustadora na qual antigas rivalidades são reacendidas, milícias étnicas são mobilizadas e vizinhos começam a matar vizinhos. A razão são as eleições, e agora uma enorme que se aproxima –uma das mais importantes na história deste país e definitivamente a mais complicada.

Em menos de duas semanas, milhões de quenianos farão fila aos para escolher seus líderes pela primeira vez desde a eleição desastrosa em 2007, que fomentou confrontos que mataram mais de 1.000 pessoas. O país passou anos agonizando ferido e tomou algumas medidas para corrigir esses males, sendo a mais notável a aprovação de uma nova Constituição. Mas a justiça tem sido difícil de alcançar, a política continua tendo um viés étnico e líderes acusados de crimes contra a humanidade podem vencer as eleições.

As pessoas aqui tendem a votar em blocos étnicos e, durante as eleições, os políticos quenianos costumam fomentar essas divisões, algumas vezes até financiar ondas de homicídios, de acordo com documentos da justiça. Desta vez, os discursos corrosivos parecem mais restritos, mas em algumas áreas onde a violência irrompeu depois das últimas eleições, a mensagem subjacente de "nós contra eles" ainda é abundantemente clara.

Agora, o país está fazendo uma pergunta simples, mas urgente: a história vai se repetir?

"Esta eleição desperta o que há de pior em nós", disse uma coluna na semana passada do "The Daily Nation", o jornal de maior circulação do Quênia. "Todo o preconceito tribal, todas as brigas e ressentimentos antigos, todos os insultos reais e imaginados, todos os ódios e aversões, tudo isso está andando pelas ruas, como hordas de mortos-vivos sedentos procurando inocentes para devorar".

Com a aproximação das eleições, os alarmes estão soando. Sete civis foram emboscados e mortos no Nordeste do Quênia na quinta-feira (21/02), no que foi amplamente considerado um ataque politicamente motivado. No dia anterior, o presidente do Supremo disse que um grupo criminoso notório o havia ameaçado com "duras consequências", se ele decidisse contra um importante candidato presidencial. Agricultores no vale do Rift dizem que o roubo de gado está aumentado e acusam os políticos de instigar os crimes para gerar brigas entre as comunidades.

Como o Quênia é um país líder no continente, o que acontecer por aqui nas próximas semanas poderá determinar se os anos de tênue compartilhamento de poder e reconciliação política –um modelo que também foi usado após as eleições violentamente contestadas no Zimbábue- valeram a pena.

"O resto da África quer saber se é possível aprender com as últimas eleições e garantir que a violência não retorne", disse Phil Clark, palestrante da Escola de Estudos Africanos e Orientais em Londres. "Com cinco anos de antecipação, será possível tratar as causas do conflito e transferir o poder pacificamente?"

Movido por intelectuais quenianos e aliados ocidentais, o Quênia reformou seu judiciário, a comissão eleitoral e a natureza do próprio poder. Dezenas de novos cargos, como governadores e senadores, foram criados para garantir que os recursos fossem divididos de forma mais equitativa, uma tentativa de reduzir o sistema no qual o vencedor levava tudo, o que premiava alguns grupos étnicos com recompensas e oportunidades enquanto outros eram relegados para a periferia.

Mas em lugares como o delta do rio Tana, onde os confrontos entre pokomos e ormas já matou mais de 200 pessoas, a nova ênfase no governo local se traduziu em mais espólios pelos quais brigar. E há quase 50 eleições de governadores pelo Quênia, muitas delas bastante esquentadas.

"Os ormas estão tentando nos expulsar para não podermos votar", disse Bwora, o ancião pokomo. "Eles queimaram nossas aldeias, até nossas certidões de nascimento. Como podemos votar assim?"

Os ormas acusam os pokomos de fazerem exatamente a mesma coisa, inclusive de queimar as certidões de nascimento.

No palco nacional, dois dos políticos mais contenciosos do Quênia –Uhuru Kenyatta e William Ruto- estão concorrendo na mesma chapa para presidente e vice-presidente. Os dois foram acusados pela Corte Criminal Internacional por crimes contra a humanidade na última onda de violência. Kenyatta, vice-primeiro-ministro e filho do primeiro presidente do Quênia, é acusado de financiar esquadrões da morte que iam de casa em casa no início de 2008, matando membros da oposição e suas famílias, inclusive crianças pequenas.

É bem possível que Kenyatta seja eleito o próximo presidente do Quênia e torne-se o primeiro chefe de Estado a ter que ir e voltar de Haia, potencialmente complicando o relacionamento tipicamente caloroso entre o Quênia e o Ocidente.

Há uma sensação crescente entre muitos membros do grupo étnico de Kenyatta e de Ruto, os kikuyus e os kalenjins, respectivamente, que precisam vencer essas eleições para impedirem que seus líderes sejam levados à prisão na Europa, o que está tornando as tensões ainda maiores.

A maior parte dos analistas acha que essas eleições serão turbulentas, apesar de alguns argumentarem que não será tão ruim quanto as últimas.

"As coisas estão diferentes", disse Maina Kiai, proeminente defensor de direitos humanos do Quênia. Por exemplo, ele observou que os kikuyus e kalenjins lutaram uns contra os outros no vale do rio Rift em 2007 e 2008, mas agora muitos membros desses dois grupos estão do mesmo lado, porque seus líderes formaram uma aliança política.

"A violência pode encontrar novas arenas, mas não acho que terá a mesma extensão", disse Kiai.

Também há uma clara consciência do quanto há para se perder. A economia queniana ficou parada depois do caos das últimas eleições. Mas agora se recuperou fortemente, gerando um número estonteante de novas estradas, escolas, hospitais, shoppings, enotecas, lojas de sorvete de iogurte, até de amostras grátis nos supermercados –evidências da posição do Quênia neste continente como abrigo de uma classe média grande e próspera.

Muitas nações da região dependem do Quênia, como demonstrado pelo caos econômico em cascata ocorrido nas últimas eleições, quando multidões bloquearam as estradas do Quênia e provocaram uma alta dos preços do petróleo que chegou até a República Democrática do Congo.

Outra válvula de segurança pode ser a justiça, que agora é considerada muito mais independente, uma das maiores conquistas desde as últimas eleições. O novo judiciário do Quênia é liderado por um antigo prisioneiro político e especialista legal altamente respeitado, Willy Mutunga, o presidente do Supremo que disse que foi ameaçado nesta semana.

A esperança é que, se qualquer disputa eleitoral surgir entre Kenyatta e o outro principal concorrente, Raila Odinga, o primeiro-ministro do Quênia, que diz que foi roubado nas últimas eleições, Mutunga intervirá -antes que as pessoas o façam nas ruas.

Mas o delta do rio Tana continua soando um alto sinal de alerta e há suspeitas que figuras políticas estão alimentando deliberadamente antigas disputas, neste caso sobre a terra.

Um importante político pokomo, que foi assistente de ministro, recentemente foi preso e acusado de incitamento à violência, apesar das acusações terem sido retiradas. A alegação lembrou os casos da Corte Internacional Criminal, que afirma que por trás do caos de 2007 e 2008 havia líderes políticos incitando seus partidários a matarem para ganhos políticos.

Para cima e para baixo no rio Tana, infestado de crocodilos, jovens pokomos e ormas agora estão patrulhando as margens com lanças e espadas enferrujadas. O resultado é um quadro triste, de aldeias etnicamente segregadas, mas paralelas, mergulhadas na mesma pobreza, sofrimento e medo.

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