terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Cerca de 395 mil refugiados sírios na Jordânia sobrevivem quase sem comida e atendimento médico
Ficar na Síria significaria para muitos a morte. Fugiram do inferno da guerra e dos bombardeios incessantes do governo para ver-se agora encerrados por cercas no meio do deserto, sem comida suficiente, com a água racionada, carentes de cuidados médicos decentes e com pouco mais que fazer além de esperar que o regime de Bashar Assad caia, como já caíram mais de 70 mil pessoas no conflito. Na Jordânia há 395 mil refugiados sírios, segundo o governo (231.751 registrados pela ONU). Este não pode lhes oferecer toda a assistência alimentar e médica de que necessitam, e pediram ajuda à comunidade internacional para evitar uma crise humanitária.
A vida no campo de Zaatari não é boa para os refugiados, que na maioria procedem de Deraa, a cidade no sul da Síria onde começou a revolta em 2011. A fronteira fica a 22 quilômetros. Em algumas noites, como a da última sexta-feira, quando 2.851 pessoas a cruzaram, ouvem-se explosões ao longe, a prova de que o regime resiste. Para entrar e sair pelos postos de controle de Zaatari é preciso uma autorização. A comida - caixas com arroz, lentilhas, óleo, açúcar e latas - é distribuída a cada 15 dias. A água se administra em botijões de plástico.
Pelal Hajali, 22 anos, cruzou a fronteira com o pé destruído. Quase o perdeu em um bombardeio do regime. Fugia "dos ataques, dos incêndios e das chacinas", segundo diz. Agora vai ao hospital de campanha e só lhe dão analgésicos. Ele não esconde: quer ir embora. Incomoda-o sobretudo não poder tomar uma ducha diária. Mas não tem aonde ir fora desse campo. "E pelo que sei Assad poderá ficar no poder 20 anos", diz com amargura.
Os privilegiados do campo vivem em contêineres de metal. São o menor número. A imensa maioria dorme em tendas de campanha doadas pela ONU, que fervem no calor do dia, são uma peneira para o frio da noite e parece que vão voar quando sopram os ventos do deserto. Famílias inteiras dormem nessas tendas. Para se aquecer, o único remédio é acender à noite uma lamparina a gás, pouco amiga da lona. Na terça-feira uma menina de sete anos morreu depois que a tenda onde dormia se incendiou.
A maioria desses refugiados não tem outras posses além dessas tendas, espalhadas por seis quilômetros quadrados de deserto. Muitos fugiram para a Jordânia porque Al-Assad destruiu seus lares com bombardeios. Em julho de 2012 esse campo foi aberto formalmente, com capacidade inicial para 30 mil pessoas. Hoje abriga 100 mil, das quais 75% são mulheres e crianças.
"Isto não é um lar. Estávamos muito melhor vivendo na Síria", afirma Mahdi Taani, 42 anos, que vive em um dos contêineres de metal de cerca de 5 m², junto com sua família de nove membros. Começou a planejar a fuga para a Jordânia quando as explosões foram aumentando em frequência. Tomou a decisão ao ver que os filhos de seus vizinhos, muitos deles crianças, morreram nos ataques. "Assad é covarde por natureza. Acabará deixando o poder", prevê. "Durante 40 anos vivemos com medo em meu país. Por medo não protestamos, mas esse tempo acabou."
Mais de 900 mil pessoas já fugiram da guerra na Síria. A Jordânia é o país que recebeu mais desalojados. Um terço deles vive em três campos de refugiados. O governo está construindo o quarto. Um consórcio de organizações humanitárias pediu à comunidade internacional ajuda para os deslocados no valor de 1 bilhão de euros, dos quais só receberam 3%.
Nesta cidade de miséria o pior inimigo é o clima. Em janeiro, uma tempestade transformou os caminhos em lodaçais. Ventos de 60 quilômetros por hora carregaram muitas moradias. Quando os cooperantes internacionais entregavam pão, a frustração dos refugiados se transformou em raiva e acabaram atacando-os com pedras e paus. Os distúrbios são frequentes, sobretudo quando ocorre a distribuição das tendas, que tão precariamente protegem do frio e do calor.
"A comunidade internacional precisa agir. Não se pode depender só de boas intenções. E se não fizerem nada agora, quando será?", afirma Anmar al Nimer al Hamud, coordenador do comitê especial do governo da Jordânia para os refugiados sírios. "A economia da Jordânia já está por si só em uma situação difícil. Na medida em que chegam mais refugiados, as queixas dos cidadãos aumentam. Há protestos sobretudo quando há revoltas nos campos. A polícia destacada foi agredida, alguns agentes ficaram feridos. Já se ouviram inclusive pedidos de castigo por parte das tribos que vivem perto do campo", explica.
A metade dos residentes no campo tem menos de 20 anos. Entre as condições de vida deploráveis e o excesso de tempo livre, nasce a vontade de voltar para a Síria. Hamad Haraki, 19 anos, não pode mais esperar. Fugiu para a Jordânia com sua mãe e cinco irmãos para garantir que estes chegariam bem. Hoje passa os dias percorrendo o campo sem ocupação. Sonha em unir-se ao Exército Livre da Síria. "Serei um mártir da liberdade", afirma. Diz que pediu a autorização de saída há 15 dias, mas ainda não obteve resposta. Quando a tiver, cruzará a fronteira de novo e se disporá a dar a vida na resistência.
As vias de escape
Se no início da revolta os sírios preferiam agarrar-se a sua terra e não deixar o país, dois anos depois a violência deixou sua marca e mais de 900 mil já cruzaram as fronteiras (as agências da ONU registraram oficialmente 724.698).
A Jordânia é o destino principal, com 231.751 sírios registrados nos campos do norte do país. No Líbano a ONU documentou a chegada de 195.098 sírios, enquanto a Turquia recebe em Hatay 182.621. O vizinho Iraque, outrora emissor de refugiados, já recebeu 96.270 refugiados sírios.
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