segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Assassinato de oposicionista expõe profundas divisões na Tunísia após Primavera Árabe
Desde que seu marido foi assassinado, a sala de estar de Basma Khalfaoui se transformou na sala de espera da revolução. Mulheres caem aos prantos, soluçando nos braços umas das outras, e os amigos levam flores e esperam em cadeiras brancas de plástico para oferecer seus pêsames. Uma nova pessoa entra na sala a cada poucos minutos. Duas semanas atrás, o político Chokri Belaid foi morto a tiros a apenas alguns metros de distância, no estacionamento em frente ao prédio, e agora parece que a metade do país foi em busca de conforto com sua viúva.
Nada, a filha de cinco anos de idade de Belaid, corre pela passagem entre a sala e cozinha, rindo. "Ela não entende nada disso ainda", sussurra um visitante. O pai de Nada não era apenas um líder da oposição esquerdista, crítico dos islamistas e defensor da democracia secular na Tunísia. Para muitos, Belaid era um ídolo e um herói nacional.
Mas então, na manhã de 6 de fevereiro, ele foi baleado com quatro tiros e morreu no hospital. Os assassinos não foram capturados ainda, mas o assassinato e a violência que se seguiu nas ruas expuseram profundas divisões na sociedade tunisiana. O medo dos islamistas é maior do que nunca. Mas como uma criança de cinco anos poderia entender isso?
A Primavera Árabe começou há mais de dois anos atrás na Tunísia, quando um vendedor de verduras ateou fogo ao próprio corpo. As chamas inicialmente se espalharam para o resto do país e, em seguida, engoliram toda a região. O povo tunisiano levou seu governante, Zine el-Abidine Ben Ali, para fora do palácio. Partidos políticos foram estabelecidos nos meses seguintes, e o líder do partido islâmico Ennahda, Rachid Ghannouchi, voltou do exílio. Na primeira eleição livre do país, 37% votaram em Ennahda. Logo após a eleição, salafistas radicais começaram a atacar estudantes mulheres e a destruir os santuários sufis.
Matar era um ataque à democracia
A Tunísia é o laboratório da revolução, e a experiência que está sendo realizada lá poderá afetar toda a região. Islamistas e secularistas estão testando se e como podem coexistir pacificamente. É uma tentativa de estabelecer uma forma de democracia moldada pelo Islã. Não está parecendo muito boa no momento, entretanto, agora que a euforia inicial passou. O país se tornou dividido, principalmente entre aqueles que querem um Estado islâmico e outros que preferem uma democracia ao estilo ocidental. As divisões são profundas, e é por isso que Belaid foi mais do que mais uma vítima da revolução. De fato, seu assassinato foi um ataque contra a democracia emergente na Tunísia.
Como muitos enlutados que não conseguem compreender a morte de um ente querido, a viúva de Belaid refere-se ao marido no presente, muito embora ele tenha sido enterrado há quase duas semanas. Ela se retirou para um quarto escuro na parte de trás do apartamento. "Chokri está sempre muito ocupado", diz Khalfaoui. "De manhã, ele lê todos os jornais que consegue, e geralmente trabalha até tarde da noite. Às vezes ele dorme apenas duas horas."
Quando eles se conheceram numa universidade em Túnis no final dos anos 90, ela tinha 29 anos e ele tinha 34. Ambos estudavam direito. Belaid era conhecido entre os alunos como um revolucionário e ativista de esquerda. Quando os trabalhadores protestaram contra a corrupção e o desemprego nas minas de fosfato da região de Gafsa, no sul da Tunísia, ele foi para lá mediar a disputa.
Gafsa foi apenas o precursor de uma mudança muito maior, mas ele não sabia disso na época. A agitação popular estava crescendo, e Belaid viajou de cidade em cidade, fazendo discursos, organizando reuniões e apoiando trabalhadores e sindicatos em sua luta por melhores salários. Então o vendedor de rua Mohammed Bouazizi ateou fogo a si mesmo.
Na esperança de um novo começo, Belaid e outros ativistas começaram a transformar seu Movimento de Patriotas Democráticos num partido político. Embora os patriotas democratas tenham apenas uma cadeira no parlamento, Belaid fez muitos inimigos poderosos com sua crítica contundente ao partido islamista Ennahda, que faz parte da atual coalizão de governo.
Inimigos poderosos
Após o assassinato, um dos irmãos de Belaid acusou o presidente do Ennahda, Ghannouchi, de estar por trás do crime. Ghannouchi é provavelmente o homem mais influente na Tunísia. Seu partido tem bastante dinheiro, além de centenas de organizações locais e grupos de jovens. Há muita especulação quanto à verdadeira agenda de Ghannouchi, mas até agora ele conseguiu juntar agitadores islâmicos e muçulmanos liberais. Esta é uma das razões pela qual o Ennahda é considerado o mais moderado dos partidos islâmicos na região, muito mais moderado do que a Irmandade Muçulmana no Egito, por exemplo. Ghannouchi é o domador que mantém leões e zebras juntos numa jaula.
O líder do partido anda curvado de sua mesa até um sofá na sede do Ennahda. Ele fará 72 anos em junho. Sua aparência é de quem não tem dormido muito ultimamente. Embora Belaid fosse um de seus maiores inimigos políticos, Ghannouchi vê o assassinato como uma catástrofe. "Nós também sofremos com isso", diz ele. "A instabilidade nos prejudica tanto quanto aos outros."
Têm havido rumores recorrentes de que Ghannouchi partiu para Londres, onde ele morou no exílio por mais de duas décadas. Os rumores persistiram, muito embora ele estivesse dando entrevistas para a televisão. Ele diz que é hora de acabar com as falsas acusações contra ele e seu partido.
Ele atribuiu o assassinato a partidários do antigo regime. "Eles têm um motivo: desestabilizar o sistema." Seu verdadeiro alvo não era Belaid, disse Ghannouchi. Em vez disso, explica, o objetivo deles era enfraquecer as instituições do país com o assassinato, e recuperar o poder a longo prazo.
No entanto, numa confissão rara para um islamista, Ghannouchi admite que os radicais islâmicos representam uma ameaça. "Eles exercem pressão sobre o governo", diz o líder do partido, uma pressão que também o afeta. Antes da eleição, os radicais esperavam que Ghannouchi introduzisse a Sharia na Tunísia. Seu partido não fez isso, pelo menos até agora. Ghannouchi suspira. "O governo está preso entre os salafistas de um lado e os esquerdistas, de outro." A pobreza é a razão pela qual os salafistas estão ganhando poder, diz ele. "Temos de espalhar o Islã moderado e contribuir para o desenvolvimento do país."
Muitos manifestantes se tornaram salafistas
Talvez os eventos o ultrapassem. Talvez até mesmo o seu próprio partido em breve o ultrapasse. Os islamistas radicais dentro do Ennahda estão convocando comícios. Eles rejeitam a mensagem secular de homens como Chokri Belaid. Embora os tunisianos das regiões costeiras há muito tempo sintam uma afinidade maior com a Europa do que com o norte da África, os apoiadores radicais do Ennahda e salafistas estão determinados a combater o que percebem como ocidentalização.
Muitos que tomaram as ruas para protestar contra a ditadura há dois anos se voltaram agora para o salafismo. "O partido de Ghannouchi nos enganou", diz Naoufel Derouich. Ele se abrigou da chuva sob um toldo na Mesquita Fath, um ponto de encontro de salafistas. O governo da Tunísia estima que imãs radicais controlem até um décimo das cerca de 5 mil mesquitas do país, e estão atraindo principalmente os jovens.
"Nenhum governo vai ficar do nosso lado", diz Derouich, "não importa que partido esteja no poder." Mesmo o Ennahda não apoiará suas demandas, diz ele, observando que ele ainda não introduziu a Sharia.
Derouich tem 30 anos, uma longa barba e veste um manto escuro. Ele tem uma banca do lado de fora da mesquita, onde vende textos religiosos, bem como sabonete, perfume e casacos com gorro para afastar o frio do inverno. Seu pai trabalha na construção civil, e Derouich tem um mestrado em segurança da informação. Ele diz que quer se tornar professor, mas não consegue encontrar emprego. "Então, o que eu faço? Eu vendo sabão!"
Como muitos salafistas na Tunísia, Derouich acredita que o "Ocidente" cometeu o assassinato de Chokri Belaid para gerar discórdia. Cada grupo está aperfeiçoando sua própria teoria. Os esquerdistas culpam os islâmicos conservadores, os conservadores culpam os partidários do antigo regime de Ben Ali, e os salafistas culpam os franceses. Aqueles para quem tudo isso parece absurdo demais, culpam os comitês revolucionários.
Os comitês são oficialmente chamados de "Liga para a Proteção da Revolução", mas alguns os descrevem como gangues de bandidos. Eles convocam manifestações, organizam protestos e estão tentando impedir que os partidários do antigo regime voltem ao poder. Há relatos de cerca de 500 ligas do país. Muitos de seus membros sofreram sob a ditadura e passaram algum tempo na prisão. Outros comitês foram infiltrados por salafistas, que também foram perseguidos durante o governo de Ben Ali. Agora, as ligas estão sendo consideradas responsáveis por parte da violência na Tunísia. Pouco antes de seu assassinato, Belaid atacou os comitês na televisão e acusou o Partido Ennahda de cooperar com eles.
O presidente do comitê revolucionário de Túnis nega que as ligas sejam violentas. Ele também insiste que elas não cooperam com o líder islamista Ghannouchi. "Talvez 10% de nós são membros do partido." Seu nome é Mustafa Tahari, e ele explica longamente como as comissões são independentes do governo, sentado à uma cadeira num prédio do ministério das finanças, com um assessor servindo refrigerantes. Três jovens estão de pé atrás dele, de braços cruzados.
O medo que a oposição tem de Tahari e dos outros que se proclamam guardas revolucionários tem crescido desde o assassinato. "Antes das eleições de 2011, a violência vinha principalmente de gangues e criminosos, e era limitada a certas áreas", diz Hamma Hammami, amigo de Belaid e um dos esquerdistas mais conhecidos. "Agora o Ennahda está criando um clima de agressividade. O partido não quer a democracia, mas uma ditadura religiosa para este país." Hammami é ameaçado quase que diariamente, e o presidente da Tunísia acaba de lhe fornecer-lhe guarda-costas.
Basma Khalfaoui, viúva Belaid, diz que os dois anos seguintes à derrubada de Ben Ali foram em geral tranquilos, apesar de todas as ameaças. Ela se manteve fora da política e deixou o discurso com o marido. Mas isso mudou desde o assassinato. Ela se tornou uma ativista, dando entrevistas, participando de manifestações e protestos contra o governo. Seus amigos dizem que Khalfaoui precisa ter mais cuidado agora.
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